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A operária da fábrica de redutores de gás que aos 16 anos pediu aumento ao patrão

A operária da fábrica de redutores de gás que aos 16 anos pediu aumento ao patrão

Rosa Saúde, alentejana, rumou ao concelho de Vila Franca de Xira nos anos 60 com a família

Rosa Saúde é a coordenadora da intersindical de Vila Franca de Xira. É alentejana e comunista convicta. Tem a quarta classe e recebe 540 euros de reforma por 42 anos de trabalho numa empresa de montagem de redutores de gás. É dirigente sindical desde 1981. Nunca casou nem teve filhos. A sua vida tem sido dedicada à luta pelos direitos dos trabalhadores para que o 1º de Maio se cumpra todos os dias.

A família deixou o Alentejo e chegou ao concelho de Vila Franca de Xira em 1965. Foi logo trabalhar?Cheguei com 16 anos mas nos documentos tinha apenas 13 e por isso não pude começar logo a trabalhar. O meu primeiro trabalho foi numa cerâmica de Alverca. O que fazia?Tijolos e telhas. A massa entrava na máquina e saía por uma passadeira. Nós tirávamos os tijolos da máquina para serem colocados no forno e descarregávamos as camionetas. Era um pouco pesado mas eu também era um bocadinho mais forte (risos).Essa experiência também a talhou para estas causas?O meu pai foi um homem de trabalho que nos ensinou que na vida temos que trabalhar para vencer. No Alentejo ajudava a família?Quando andava na escola ia trabalhar para casa de uma senhora rica da terra. Ia às compras e varria o quintal. Entregava o dinheiro aos meus pais. A vida das crianças no Alentejo era totalmente diferente. Ainda bem que se deu o 25 de Abril porque as coisas alteraram-se. Os nossos pais iam trabalhar, nós ficámos com os avós, com os tios ou íamos para a escola e passávamos o dia na brincadeira. Ainda mondei trigo, arranquei ervas daninhas dos campos e apanhei grão. Vieram logo para Alverca?Sim. O meu irmão já trabalhava numa sapataria. Chegou a Alverca mais cedo com as minhas tias. Depois foi para a Mague. Em Alverca tínhamos pouca gente da terra mas íamos para o Bom Sucesso que ainda tem muitos alentejanos. Dois anos depois de chegar foi trabalhar para a Mec.Em 1967. Sou da geração que trabalhou antes do 25 de Abril. Trabalhávamos as 48 horas semanais. Íamos trabalhar durante a semana e ao sábado ainda íamos trabalhar até à uma da tarde. O que foi fazer?Montagens de redutores para as garrafas de gás. Era uma linha de montagem que só acabava quando se metia o redutor na caixa. Havia trabalhadoras à minha frente e atrás. As trabalhadoras mais velhas na casa faziam o mesmo e ganham 26 escudos. Eu ganhava 25. Três meses depois de lá estar, juntamente com três colegas, fui ter com o engenheiro Ferro. Achávamos injusto receber menos dez tostões que as outras. E o patrão aumentou?Aquilo caiu muito mal. Éramos jovens e estávamos há pouco tempo na empresa. Ousámos lutar pelo que achávamos justo já que produzíamos o mesmo. Ficou de dar a resposta através do chefe de secção. No final do mês aumentou-nos e passámos a receber o mesmo.“Há demasiada logística para o pouco que produzimos”A coordenadora da Intersindical de Vila Franca de Xira, Rosa Saúde, defende o regresso ao campo O país vive uma situação difícil com muito desemprego. Apesar disso organizam-se greves. Não seria mais útil que os trabalhadores continuassem a trabalhar?A greve é quase sempre a última forma de luta. Não há tantas greves como seria necessário mas ainda continua a haver greves porque apesar das dificuldades não podem ser sempre os mesmos a pagá-las. Você nunca viu nenhum patrão pôr em causa aquilo que os filhos e familiares têm direito. Quando vão para a escola não têm problemas na compra dos livros. Quando chega a altura das férias também não têm problemas. Para ter um pouco mais - ou pelo menos para que não lhes seja retirado aquilo que já têm - os trabalhadores têm que fazer greve. A situação é difícil mas em nome da crise tem havido uma tentativa muito grande de retirada de direitos.Temos visto muitas empresas a fechar. Em alguns casos as dificuldade existem.Temos algumas empresas que fecharam com algumas dificuldades mas antes dessas dificuldades houve propostas para alterar as coisas e as administrações não permitiram. Os trabalhadores perdem ao ir para o fundo de desemprego. As empresas em nome da crise fecham mas se for preciso a seguir abrem noutro lado com outro nome e sem problema. Face a esta conjuntura faz sentido que os sindicatos continuem a reivindicar os mesmos direitos de há 30 anos?Há coisas que na nossa opinião não se podem pôr em causa. Foi extremamente importante conseguir o salário mínimo nacional depois do 25 de Abril. Antes da revolução algumas pessoas iam trabalhar de manhã e à tarde eram chamadas para lhes dizerem que já não iam trabalhar. É um pouco aquilo que se tenta fazer em algumas situações. Horários de trabalho, direito às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal são direitos que nem sequer pomos em causa negociar. Trabalhar 40 horas por semana é pouco? Somos dos países da Europa aqueles que mais horas trabalhamos. Homens e mulheres. Para receber um salário de 500 euros ao fim do mês é pouco. Por ser sindicalista num sector onde os homens predominam sentiu alguma vez discriminação?Não. Desde o princípio dos anos 90 que no sindicato acompanho os problemas na Impormol, entre Azambuja e o Cartaxo, onde os trabalhadores são maioritariamente homens, e é impressionante a forma como sempre fui tratada. Aqueles homens nunca deixaram de dizer aquilo que sentiam só porque estavam perante uma mulher. Eu também nunca deixei de dizer aquilo que achava que lhes devia dizer só porque eram maioritariamente homens e eu não era. Tem sido uma grande aprendizagem. São homens de uma grande força de vontade. Conseguiram ultrapassar uma fase menos boa e neste momento a discutir os aumentos salariais. Há uma grande unidade e também por isso as reivindicações deles quase sempre têm sido ouvidas. Faz sentido que sejam os trabalhadores, às vezes sem capacidade para o fazer, a pagar a greve na medida em que o dinheiro desse dia é-lhes descontado?Os trabalhadores percebem que a gente tem que fazer sacrifícios para depois ter alguns benefícios. Não vejo que a greve possa ser feita de outra forma. Terão sempre que ser os trabalhadores a pagar. Se houvesse alguma ideia maluca do pagamento da greve alguém diria que os trabalhadores aderem porque nada perdem. Os trabalhadores sabem que aquele dia descontado é descontado mas também sabem que se conseguirem os objectivos a que se propõem serão recompensados.E se fossem os sindicatos a ressarcir os trabalhadores?Como é que o sindicato pode pagar um dia de greve aos trabalhadores? Os trabalhadores pagam ao sindicato um por cento do seu salário por mês. Os sindicatos só vivem da quotização dos trabalhadores. Pelo menos os sindicatos da CGTP. Em Vila Franca temos duas funcionárias e damos apoio jurídico. Não se gasta além daquilo que se pode. Passa a ideia de que os trabalhadores por vezes não estão disponíveis para trabalhar depois da hora. Não conheço nenhum trabalhador que em alguma situação mais aflitiva não o tenha feito. Mas se me perguntar: os trabalhadores aceitam de boa vontade que em vez de trabalharem oito horas trabalhem 10 em troca de nada? Se calhar não. Tem que haver um negociação. Estamos numa situação terrível mas os trabalhadores foram culpados disto?Quem foi?Quem nos tem dirigido durante todos estes anos. Nós não podemos empurrar as culpas para quem nunca esteve no Governo. Por isso é que há gente muito rica e gente cada vez mais pobre. Agora que as empresas passam por dificuldades fala-se muito na rigidez do código de trabalho. O código de trabalho quando foi criado foi com o objectivo de munir as empresas de um instrumento para fazer aquilo que bem querem e lhe apetece. O código do trabalho não defende os trabalhadores?Há uma ou outra excepção mas também não podia ser de outra forma. Há coisas que o código diz que as empresas não podem fazer sem o acordo dos trabalhadores, como mexer nos horários de trabalho ou no salário. Não reduzem 50 euros no salário mas arranjam outras formas de o fazer. Os trabalhadores não ganham nada com a abertura das grandes superfícies. Trabalham de tal maneira que não sabem muito bem se estarão a trabalhar à quinta, à segunda ou ao domingo.Tem esperança de que isso melhore?Se houver uma mudança acredito que melhore. Se continuarmos com esta política não vejo que vá melhorar. A população tem razão para votar de forma diferente nas próximas eleições. Por que é que o PCP não tem tomado uma postura mais flexível para eventualmente participar num Governo?Creio que até agora nunca houve nenhuma outra abertura para se governar com outros partidos. Não há rigidez há princípios.Por que é que os jovens são pouco empreendedores?Não há iniciativas para ajudar os jovens. Como é que podem criar uma empresa sem meios?O que defende? Incentivos?Defendo que se ponha o país a trabalhar de forma a que os jovens e menos jovens possam contribuir para a evolução do país. As empresas é que põem o país a trabalhar...Desde que haja apoios. Se não houver é difícil. Olhe para o nosso concelho. Quantas empresas é que desde 1975 não ficaram destruídas? No outro dia enumerei-as e fiquei horrorizada. Será possível voltar a apostar na agricultura e nas pescas?Há uns anos o Estado pagou a quem arrancasse as oliveiras no Alentejo. Os agricultores arrancaram-nas. Se você agora for ao Alentejo vê que esse espaço está ocupado com oliveiras espanholas. Temos que produzir como produzíamos antes, a seguir ao 25 de Abril. Precisamos de quantidades pequenas e agora é quase tudo exportado. Ainda vamos a tempo?Há sempre tempo se houver vontade para isso. Se houver incentivos para pôr o país a produzir há muita gente que quer trabalhar. Não podemos é fechar empresas e depois abrir logísticas. É uma má opção?Não digo que seja uma má opção. Há demasiada logística para a pouca produção que temos. Se não temos produção como podemos desenvolver o país? Vamos viver de empréstimos a vida inteira? Continuamos a usar comboios mas a Sorefame fechou. Porquê? Porque é que não produzimos os nossos comboios. Por que vêem da Espanha ou Alemanha? São péssimas opções para o país. A menina que demorou três anos e um mês a nascerNasceu há quase 62 anos, no dia 31 de Julho de 1949, mas os seus documentos mentem e dizem que afinal tem apenas 59 anos e nasceu em Agosto. Para não pagarem a multa os pais “enganavam-se” na data de nascimento dos filhos. Rosa Saúde, alentejana de todos os costados, mulher grande de estatura pequena, demorou por isso três anos e um mês a nascer. É natural de Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa, distrito de Beja. É solteira. Mora em Alverca com a irmã também solteira. Teve namorados quando era mais jovem mas depois do 25 de Abril dedicou a sua vida sobretudo às causas dos trabalhadores. É uma pessoa simples de trato fácil que arrasta ainda a pronúncia do seu Alentejo Natal. Usa uma aliança de comprometida não para se defender dos olhares mas porque gosta. O apelo da maternidade nunca se fez sentir e Rosa sente-se tão realizada como outras mulheres que seguiram outros caminhos.Trabalha das 8h30 às 19h00 ou às 20h00. Quando é preciso também fica até 21h00. Chega à sede da Intersindical de comboio. É o seu meio de transporte privilegiado para se deslocar para o trabalho. Compra hortaliças no mercado e no supermercado procura normalmente os produtos portugueses.Mora num apartamento perto do jardim e faz caminhadas à noite. Só lamenta a falta de limpeza nas ruas.Rosa Saúde, coordenadora da intersindical de Vila Franca de Xira, estrutura da CGTP, que inclui o concelho mas também os municípios de Azambuja, Alenquer e Arruda dos Vinhos, é comunista convicta filiada no partido desde 1975. É eleita na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira mas o dinheiro das senhas de presença é entregue ao partido. Aceita a filosofia de que não deve ser nem prejudicada nem beneficiada. Nunca deixou de ser funcionária da empresa até ao encerramento da fábrica em 2004 mas a partir de 1981 passou a ser sindicalista. Tem a quarta classe e recebe 540 euros por 42 anos de trabalho numa empresa de montagem de redutores de gás.Vila Franca de Xira está mais voltada para a habitação do que para a indústriaComo olha para a governação do concelho de Vila Franca de Xira?Cada câmara tem as suas opções. Pessoalmente não estou de acordo com as que têm sido feitas. Por exemplo: as empresas fecham e não há nenhuma tomada de posição. Depois no lugar das empresas são criadas urbanizações ou empresas de logística. Olhe-se para a Malvarosa onde funcionou a Mague.Mas para ali havia uma proposta concreta?Não havia porque nunca foi tratado. Às vezes a gente tem que procurar para que as coisas venham ao nosso encontro. Não podemos esperar que nos caiam em cima da mesa. Ainda não sabemos o que vai ser o espaço do grupo previdente, por exemplo. Falam em pequenas e médias empresas e habitação. As empresas só escolhem ficar neste ou naquele concelho se houve iniciativa de quem dirige o município. A câmara está mais voltada para a habitação do que para a indústria?Acho que a câmara não tem feito aquilo que deveria. Não podemos desligar a política da câmara com a política que é feita a nível do país pelo Partido Socialista.O concelho de Vila Franca de Xira já foi governado por um comunista…Façamos então a comparação de quantas empresas havia no tempo do Daniel Branco cá e quantas existem agora. O emprego e os direitos dos trabalhadores foram valorizados. Um presidente de câmara não decide sobre isso...Havia mais emprego porque havia uma forma diferente de lidar com os empresários no sentido de os cativar.
A operária da fábrica de redutores de gás que aos 16 anos pediu aumento ao patrão

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