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Meio século de trabalho em prol da agricultura

Meio século de trabalho em prol da agricultura

Manuel Barreiras Santos começou a trabalhar aos dez anos e foi gerente da cooperativa Agralim

Manuel Barreiras Santos nasceu há 80 anos no seio de uma família humilde de Almeirim que o levou a entrar no mundo do trabalho aos 10 anos, primeiro no grémio da lavoura de Almeirim, depois na Cooperativa Agrícola Agralim que lhe sucedeu. Chegou a gerente porque era quem melhor conhecia o negócio da comercialização de produtos para a agricultura a que se dedicava a cooperativa. Conseguiu o feito de levar a Agralim a ser reconhecida como a segunda mais importante do país. Reformou-se aos 65 anos quando a cooperativa já estava a passar por dificuldades e a grande tristeza que tem é não ter conseguido lá ficar para lutar contra o fim da cooperativa.

Reformou-se após 55 anos de trabalho. Deve ter começado a trabalhar muito cedo.O meu pai tinha seis filhos e não era rico. Tive que começar a trabalhar com dez anos no Grémio da Lavoura de Almeirim. Era vendedor. Para chegar ao balcão e atender os clientes tiveram que me fazer um estrado para onde eu subia. E mesmo assim só chegava com o queixo ao balcão. Os velhotes gostavam muito que eu os atendesse porque achavam piada. Ainda se recorda dos colegas que tinha nessa altura?Quando entrei era só eu e outro funcionário. Passado um ano e meio entraram mais dois funcionários, um pela Comissão Reguladora do Comércio de Arroz e outro pela Junta Nacional do Vinho. Chegou a gerente já com a cooperativa Agralim, que sucedeu ao grémio. Para desempenhar essas funções teve que aprender noções de gestão e contabilidade…Primeiro estive cinco anos no grémio, depois fui com um gerente do grémio que tinha mudado para o Banco Lisboa e Açores onde estive três anos e onde aprendi o funcionamento dos bancos. Aos 18 anos tive que sair porque era obrigado a ter o quinto ano de escolaridade e como só tinha entrado aos 15 anos para o Ateneu Comercial ainda não tinha chegado ao quinto ano. Fui então para a Sociedade Vinhos Tejo e Sado, onde estive até aos 28 anos e que foi importante para saber fazer contas. Eram tempos difíceis…O dono da Sociedade de Vinhos Tejo e Sado, por onde passei, tinha também uma moagem e a panificadora de Almeirim. Uma vez fez-me andar uma semana à procura de dois tostões que faltavam numa conta. Nunca mais me esqueci disso. Eu entrava às cinco da manhã na panificadora para conferir o pão que tinha sido feito. Tinha que calcular quantos pães dava determinada quantidade de farinha. E se faltasse um quilo de farinha tinha que descobrir porquê. Às dez horas ia para a moagem e era responsável por ir escolher os cereais e ainda tinha que arranjar tempo para fazer a contabilidade da sociedade de vinhos. E chegou a fazer o quinto ano de escolaridade?Cheguei só ao terceiro, porque aos 18 anos tive que ser operado aos pulmões. Para ir estudar tinha que ir de bicicleta de Almeirim para Santarém e com a operação não podia fazer esforço. Mas aprendi muito com a vida, com a experiência. E voltou ao grémio porquê?Quase me obrigaram. A um domingo disseram-se que tinham um lugar para mim mas que havia muita gente interessada e que precisavam que entrasse já na segunda-feira. E lá estive dos 28 aos 65 anos. Em 1975 o grémio passa a cooperativa. É na Agralim (Cooperativa Agrícola do Concelho de Almeirim) que dá nas vistas. Como é que chega a gerente?Estava por dentro de todos os assuntos relacionados com as contas, com os departamentos do Estado e a direcção entendeu que seria a melhor pessoa para gerir a cooperativa.A transição do grémio para cooperativa num período quente como o 25 Abril não deve ter sido fácil.Apareceram aquelas invasões da altura. Os comunistas quiseram ocupar a cooperativa e até disseram que havia lá metralhadoras. Apareceu uma comissão a querer invadir as instalações e eu apareci a perguntar o que eles queriam. Disse-lhes para ganharem juízo e saírem. Acabaram por se ir embora sem haver problemas. Também houve muitas mudanças na agricultura.Houve mudanças até demais. Foi criado o crédito agrícola de emergência que valeu para todas as espécies de agricultores. Alguns usaram o dinheiro para tudo menos para a agricultura. Houve quem pedisse dinheiro para adquirir bezerros. Davam 90 contos (cerca de 450 euros) para comprarem seis animais e passados uns meses vendiam por mais de 300 contos (cerca 1.500 euros) e usavam o dinheiro para fazerem casas melhores. Quando chegou a altura de liquidarem os empréstimos, não tinham dinheiro. Os agricultores sérios iam pagando a prestações, mas outros que nunca tiveram intenção de pagar nunca devolveram o dinheiro.Enquanto gerente qual foi o feito de que mais se orgulha?Consegui como gerente levar a cooperativa, que nem estava entre as 100 melhores, à posição de segunda mais importante do país. Tenho o ofício com o louvor dado à gerência. E como é que uma cooperativa com esse nível acaba por encerrar? Porque entrou uma direcção que deu em comprar tractores, uma ceifeira que me foi oferecida por 10.500 contos e não a quis e eles compraram por 21 mil contos. Má gestão?Foram más orientações. Tínhamos 12 empregados e passamos a ter 23. Metiam os pais, filhos, amigos… Gastaram o dinheiro todo e empenharam a cooperativa. Deixaram tudo pendurado, com dívidas, com problemas de pagamentos. Estávamos na década de 90. Entrou depois uma direcção comunista e se as coisas já estavam más ainda pioraram porque pelo menos um desses comunistas era tudo menos comunista.O fim da cooperativa onde trabalhou durante muitos anos deve ter-lhe deixado marcas… Fiquei muito triste. Eu que até cheguei a ser fiador da cooperativa no banco não aceitava que ela pudesse acabar. Nessa altura já estava na reforma e fui obrigado a sair pelo tal comunista, apesar dos outros colegas da direcção me terem pedido para ajudar. Se lá estivesse teria feito tudo para que a Agralim não acabasse. Com a sua experiência não esteve tentado a formar outra cooperativa?Fui convidado por alguns dos grandes agricultores para fundar outra cooperativa. Recusei porque eles por cinco tostões eram capazes de fazer quilómetros e quilómetros para ir comprar um saco de adubo. Já tinha por experiência que eles só queriam a cooperativa para comprar o que era mais barato que nas lojas comerciais. Uma vez um grande proprietário tentou convencer-me a fazer-lhe descontos no gasóleo, e até o podia fazer, mas respondi-lhe que para fazer a ele tinha que fazer a todos e assim já não dava.Uma vida de trabalho que foi melhor que um cursoManuel Barreiras Santos nasceu em 6 de Fevereiro de 1931 em Almeirim, numa casa perto da igreja. Não foi a proximidade ao templo que o levou a ser católico, mas a fé. Apesar disso não é pessoa de andar metida na igreja. “Vou lá quando é preciso. A minha mulher vai mais e reza por ela e por mim”. Não teve muito tempo para as brincadeiras de infância porque aos dez anos teve que ir trabalhar. O pai, torneiro mecânico de profissão, tinha seis filhos para alimentar e os tempos não eram fáceis. Apesar das dificuldades, Manuel recorda-se que não costumava andar descalço como outros colegas. Excepto quando ia jogar à bola porque o pai não o deixava levar as botas para não se estragarem. Esteve sempre muito ligado à freguesia de Fazendas de Almeirim de onde é natural a esposa. Foi várias vezes candidato à junta mas nunca foi presidente. Fundou o Rancho Folclórico de Fazendas de Almeirim com o qual colaborou três décadas, segundo recorda. Diz com orgulho que o que sabe aprendeu à custa do trabalho. Era exigente com ele e com os outros. Quando lhe perguntamos se o trabalho foi a melhor escola que podia ter tido, responde de imediato que sim e que não está arrependido de ter começado tão cedo. “Foi melhor que um curso. Aprendi muito com grandes contabilistas”. E os jovens que saem hoje das universidades estão bem preparados? “Sabem algumas coisas que eu não tive oportunidade de aprender, mas não são capazes de sair dos cursos e entrarem na vida activa, no trabalho. Ficam muito tempo a arranhar até saberem como se trabalha”, responde. Manuel Barreiras Santos aproveita agora o tempo a conviver com os amigos. É uma pessoa frontal e humilde. Orgulha-se de no seu tempo a Agralim, que acabou em 1996, ser a cooperativa que mais bem pagava aos funcionários. “Havia quem me ligasse a perguntar como é que eu conseguia pagar bons ordenados”, recorda. É agricultor em terrenos que a mulher herdou e noutros que comprou, tem árvores de fruto, mas não vende os produtos. “Prefiro dar aos amigos e receber um obrigado. Fico mais satisfeito”.A falta de espírito cooperativoHá pouco tempo o presidente da Câmara de Almeirim disse a propósito do encerramento da Cooperativa Agrícola do Centro Ribatejano de Almeirim (CACER) que no concelho não havia espírito cooperativo. Concorda?É verdade. E na Agralim ainda se sentia mais por ser uma cooperativa de comercialização e não de produção. Por exemplo: numa adega cooperativa se num ano estiverem mais aflitos pagam menos ao produtor. Os sócios é que pagam o prejuízo. Como é que vê o fim da CACER?Felizmente não sou sócio dessa cooperativa. Quando me reformei fui abordado para ir dirigir a CACER. Estava com 55 anos de trabalho e queria descansar, mas também me sentia na altura um pouco magoado com a forma como fui obrigado a sair da Agralim e por isso não aceitei. Como é possível que as principais cooperativas do concelho, que passaram por diversas transformações no país e aguentaram-se, tenham acabado cheias de dívidas?O problema é que quem está à frente das cooperativas tem que saber como mandar, como orientar os funcionários e os negócios. Mas a partir de determinada altura não se interessavam por saber gerir, o que interessa era entrar para as direcções para exigir, muitas vezes sem saber o quê. Assim estão outros a rir. Tinha possibilidade de ser sócio da CACER porque tenho árvores de fruto. Não quis para não ser convidado a entrar em alguma direcção, apesar de não ter medo. Ainda havia espaço para a Agralim no concelho de Almeirim?Eu tinha lá medo das empresas privadas, das lojas de venda de produtos para a agricultura. Os agricultores do concelho e da região ficaram a perder com o fim da cooperativa. Quais são as suas melhores recordações do tempo que esteve na Agralim?O ser considerado por todos os agricultores. Vou para qualquer lado e ainda há pessoas que me conhecem e reconhecem. E o que é que fez que se arrepende?Uma vez uma empresa deu-me uma viagem à Tailândia. Quando regressei, a direcção disse que me dava mais 50 contos de ordenado. Disse imediatamente que não. Se recebesse esse dinheiro ficava com o dobro do ordenado de outros funcionários e eu não queria isso. Queria poder mandar sem me atirarem isso à cara. Se fosse hoje nem hesitava porque agora é que vejo o quanto prejudiquei a família, porque muitas vezes quando devia estar com ela estava a trabalhar. Falta às cooperativas uma visão empresarial?Sim. É a diferença entre serem muitos a mandar às vezes sem visão das coisas e ser uma pessoa a saber mandar, a saber gerir. Nas cooperativas cada sócio parece que se sente na obrigação de mandar, apesar de haver direcções, e isso só gera confusão. Os problemas de escoamento dos produtos, da comercialização, deve-se também à falta de união dos produtores?De certeza absoluta. Podia-se produzir mais e melhor, ou pelo menos igual ao que era antigamente. Não percebo como é que agora há tantos terrenos em pousio. Como é que se optaram por culturas que dão menos interesse ao país em detrimento dos cereais, por exemplo, dos quais dependemos em grande escala do estrangeiro. Se calhar é porque o preço a que são vendidos os produtos não compensa…Também é verdade! Tenho um pomar. Cheguei a vender as laranjas a 30 escudos por quilo, depois chegava ao mercado e estavam a ser vendidas a 100 escudos. Achei uma injustiça. De há uns tempos a esta parte que prefiro dar a fruta aos amigos e receber um obrigado. Fico mais satisfeito. Mas também posso fazer isso porque a reforma dá para ir vivendo.“Não misturo política partidária com trabalho ou amizades”É um dos militantes mais antigos do PSD de Almeirim. Quando é que começou a interessar-se pela política?Gostei sempre de acompanhar a evolução do país. Aos 14 anos ouvia a BBC de Londres à noite. Quando fui estudar para o Ateneu Comercial de Santarém, chegava a casa às 23h30 e à meia-noite punha-me a ouvir a rádio que dava as notícias de Portugal que não eram controladas pela censura.Por que motivo se filia no PSD?Porque admirava Sá Carneiro. Ai se tivéssemos o Sá Carneiro hoje… Não precisei que ele morresse para me filiar, como aconteceu com alguns. Fui dos primeiros a fazer parte das listas da Aliança Democrática (AD) no concelho de Almeirim, como candidato à Junta de Fazendas de Almeirim.Mas ainda teve uma passagem pelo PRD. Fui ao funeral da mãe do então presidente da Câmara de Almeirim, Alfredo Calado, que tinha mudado do PS para o PRD, na altura em que este partido apareceu. Quando venho a sair aparece ele e o engenheiro Hermínio Martinho a dizerem que precisavam de mim. Fui candidato à Junta de Fazendas de Almeirim. Quem ganhou foi o Partido Comunista mas fui convidado para ser secretário. Na altura quem foi eleito presidente foi o Francisco Sardinheiro, que não sabia ler nem escrever. Fiz apenas um mandato pelo PRD e voltei para o PSD, porque não senti solidariedade do partido e do presidente da câmara em algumas coisas. Como é que geria o facto de ser militante do PSD e gerente da Agralim?Não misturava as coisas. Na cooperativa não queria saber da política, estava lá para fazer o melhor, apesar de haver direcções com pessoas de vários quadrantes políticos. O que acontecia às vezes é que era chamado para ser o árbitro quando havia divergências políticas. O importante é que sempre toda a minha vida não misturava política partidária com trabalho e com amizades. Passos Coelho é o primeiro-ministro que vai endireitar o país?A melhor coisa que aconteceu nestas eleições foi o José Sócrates ter perdido. Mas quanto ao Governo do PSD, acho que só vai aguentar dois anos. Se conseguir fazer o mandato de quatro anos é um grande louvor para ele e para o partido.A história da aquisição da Herdade dos GagosManuel Barreiras Santos foi um dos responsáveis, enquanto membro do executivo da Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim, pela compra dos terrenos da Herdade dos Gagos pela junta, na década de 80, e que é uma fonte de rendimento para a autarquia. A propriedade foi adquirida por 3600 contos pagos a prestações. Quando passou para a posse da junta estava já tirada cortiça no valor de dois mil contos.O militante do PSD recorda que já se andava há muitos anos a tentar adquirir os terrenos para onde está projectado o Estabelecimento Prisional do Vale do Tejo. Manuel Barreiras Santos recorda que foi necessário fazer pressão junto do Governo e conseguiu-se. A ideia era que parte dos rendimentos da herdade servisse para fazer lares da terceira idade, creches e para a dinamização cultural da freguesia. Lamenta que depois não tivesse existido um executivo que tivesse cumprido este princípio.
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