uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Ana Rita e a arte de tourear as contrariedades da vida

Ana Rita e a arte de tourear as contrariedades da vida

Mesmo sem ter cavalos cumpriu o sonho de tomar a alternativa

Qualquer candidato a cavaleiro teria desistido ao ficar sem os cinco cavalos, a quinta com picadeiro e o apoio financeiro da família. Ana Rita deixou de contar com o pai como patrocinador do sonho mas com a ajuda de quem a admira consagrou-se cavaleira tauromáquica a 5 de Agosto. O mestre Manuel Jorge de Oliveira empresta-lhe os cavalos e o camião para os transportar. O namorado, operário fabril, sustenta a casa fora da época de corridas. É o seu admirador e bandarilheiro.

Ana Rita sonhava com uma casaca azul para a noite da sua alternativa. Apareceu ao público em tons de cinza suave. A cor disponível no alfaiate da Amadora onde comprou o fato a prestações. Ainda assim o cinzento brilhou mais do que qualquer outra cor no Coliseu do Redondo, na noite de sexta-feira, 5 de Agosto, que aplaudiu de pé a lide da cavaleira de 22 anos, residente em Vale do Brejo, Aveiras de Cima, Azambuja. O padrinho, Manuel Jorge de Oliveira, concedeu-lhe a alternativa que a consagrou cavaleira profissional. Ao agradecer a quem a tem ajudado a voz embargou-se-lhe e a cavaleira trocou palavras por lágrimas e silêncios. Perdeu os cinco cavalos, a quinta com o picadeiro e o apoio financeiro da família depois de ter cortado relações com o pai, que no início foi o patrocinador do sonho. A Ana Rita custa-lhe falar do que se passou mas acima de tudo custa-lhe ter rompido os laços. Nos últimos três anos tem-se erguido devagar e humildemente. A mãe, divorciada do pai, vive também no Vale do Brejo, e mesmo sem meios para a ajudar é para Ana Rita “a melhor mãe do mundo”. Sofre com as desventuras da filha e já a aconselhou a desistir para a poupar a mais sofrimento.Os cavalos que Ana Rita monta são emprestados por Manuel Jorge de Oliveira. O transporte também é assegurado pelo mestre. O longo camião branco, onde os cavalos viajam, tem desenhado no dorso o nome de Ana Rita. “O senhor Manuel Jorge de Oliveira diz que já não precisa de publicidade”, confessa com um sorriso tímido. Filipe Oliveira, irmão do cavaleiro, tem sido outro dos apoios. Mas há mais amigos. “Poucos mas bons”, resume Ana Rita. Foi em 2008 que a vida de Ana Rita deu uma cambalhota. A cavaleira levantou-se com dignidade pronta a superar os obstáculos. “Sempre lutei sozinha e é isso que vou continuar a fazer. Este é o meu sonho”.Deixou a quinta do pai e ligou a Manuel Jorge de Oliveira que três anos depois voltou a abrir-lhe as portas da casa onde se forjou. Manuel Jorge de Oliveira comprometeu-se a ajudá-la por ver na jovem uma promessa do toureio a cavalo. Ana Rita trabalha todo o ano com os cavalos na Quinta do Açude, no Cartaxo.Com o dinheiro que recebe da participação nas corridas paga aos bandarilheiros e as outras despesas. Na quinta retribui o apoio preparando alguns cavalos para o toureio que são mais tarde vendidos. Trata dos cavalos não por obrigação mas por paixão. Todos os dias aprende. O pilar de Ana Rita chama-se Joaquim Carmo. Namoram há sete anos. Conheceram-se num bar, numa saída entre amigos. “Ao princípio não gostávamos muito um do outro mas começámos a falar e tornámo-nos namorados”. O romance já tem sete anos. O operário fabril é quem sustenta a casa fora da temporada. Os dois moram juntos e em casa as tarefas são repartidas. Seja na cozinha ou a tratar da roupa.Além de seu admirador Joaquim Carmo é um dos seus bandarilheiros. Foi Ana Rita quem o contagiou com o bichinho. É o namorado que vai buscá-la todos os dias à quinta. Há dias em que é Ana Rita que passa na fábrica para levar a sua cara metade. Para já só têm um carro.Ser mulher nunca foi um condicionalismo para a agora consagrada cavaleira tauromáquica. Pior foi ter sentido o tapete a escapar-lhe debaixo dos pés. “Podia estar a um nível superior mas tenho esperança que a partir de agora Deus possa estar do meu lado”.Noite de alternativa televisionada com cartel de luxoAna Rita consagrou-se cavaleira tauromáquica na noite de 5 de Agosto, no Coliseu do Redondo, numa corrida televisionada e com cartel de luxo. Manuel Jorge de Oliveira, padrinho da cavaleira, concedeu-lhe a alternativa durante a 47ª Corrida TV em directo na RTP. Ana Rita abriu o espectáculo e brilhou ao tourear com os cavalos “Palmela”, “Sábio” e “Vargas”. Espantou os nervos iniciais cravando com arte cada um dos ferros. Os últimos, em violino, fizeram vibrar o público enquanto a cavaleira agradecia eufórica. Manuel Jorge de Oliveira também toureou. O cartel integrou ainda António Telles, Luís Rouxinol, Tito Semedo e Marcos Bastinhas que cumprimentaram a nova cavaleira profissional desejando-lhe sucessos. No espectáculo participaram os Forcados Amadores de Cascais, Académicos de Elvas e Redondo. Os seis toiros eram da ganadaria Herdeiros Varela Crujo. O presidente da Câmara Municipal de Azambuja, Joaquim António Ramos, viajou até ao Alentejo para felicitar a cavaleira residente no concelho. Um grupo de apoio de Aveiras de Cima também se descolou ao coliseu para aplaudir a cavaleira da terra.“Portugal está muito fechado para as pessoas que não têm posses”A cavaleira Ana Rita tem já 25 corridas marcadas para Espanha e França. O grande desafio vai ser convencer os empresários a apostar no seu nome para os cartéis das corridas em território nacional. “Portugal está muito fechado para as pessoas que não têm posses”, garante a cavaleira de Vale do Brejo, Aveiras de Cima, Azambuja, que tomou a alternativa no Coliseu do Redondo a 5 de Agosto.O envolvimento no trabalho e a preocupação com as corridas impedem-na de desfrutar mais das viagens que realiza. Como aconteceu recentemente numa praia de Marbella (Espanha). “Molhei os pés mas tive que ir-me embora para perto dos cavalos. É uma pressão muito grande. Como não tenho posses ainda tenho mais receito de falhar”, confessa. Tem o nono ano mas quer voltar à escola para aprender línguas. Não vai à missa porque acredita que para falar com Deus não precisa de frequentar a igreja. Dedilha o terço e reza a pedir sorte e calma a todos os santos na hora de percorrer a arena. Descreveu o dia da alternativa como o dia mais importante da sua vida. Tem esperança de fazer da tauromaquia o seu ganha pão.
Ana Rita e a arte de tourear as contrariedades da vida

Mais Notícias

    A carregar...