uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

“Nos últimos anos senti que havia muitas pessoas que tinham medo de dizer o que pensavam”

Isilda Aguincha, deputada, presidente da Assembleia Intermunicipal do Médio Tejo e da Assembleia Municipal do Entroncamento

Professora, deputada, autarca. Isilda Aguincha, filha de fundadores do PSD do Entroncamento, cresceu no partido mas nem sempre foi uma militante dócil. Chegou a afastar-se porque reivindica o direito de não cumprir decisões que violem a sua maneira de ser. Esclarecida e directa reconhece que os independentes estão em desvantagem no mundo da política e que o sistema não muda porque os interesses partidários não deixam.

Tem um ar sério e um comportamento muito formal. É uma forma de criar distancias? Tem-me ajudado em algumas circunstâncias, nomeadamente na minha actividade profissional enquanto professora. Alguns jovens mais irrequietos ficam intimidados com uma pessoa mais formal. Mas eu sou mesmo assim. Não sou uma pessoa absolutamente sisuda mas reconheço que não sou de sorriso fácil. Na escola não tem tido problemas de disciplina...Lembro-me perfeitamente que no meu primeiro dia de trabalho, antes de sair de casa, o meu pai disse-me para eu não mostrar os dentes aos alunos. Na altura achei aquilo estranho mas funcionou. Nos primeiros dias de trabalho, de facto, a ideia de não ser muito sorridente, ajudou a criar distâncias que depois se foram esbatendo ao longo do tempo. Posso dizer que ao longo de 25 anos de trabalho não tenho razões de queixa efectiva na relação com os alunos, com colegas e funcionários por questões de respeito. E ao nível da política?Reconheço que por vezes algumas pessoas criam uma imagem de mim que não corresponde ao que eu sou na realidade. Aparento ser uma pessoa distante e até de difícil trato quando na prática não o sou.Escolheu ser professora ou foi professora por razões circunstanciais?Na altura em que fui dar aulas pela primeira vez fui para ver como era. Costumo dizer que fui mesmo à experiência. Fui para ver como era. Gostei e acabei por ficar. À experiência? Como é que se vai para professor à experiência?Eu não tinha concluído sequer o curso. Comecei a dar aulas com vinte anos, numa altura em que não sabia muito bem o que fazer em termos de percurso académico. Devido às habilitações que tinha tive a possibilidade de ficar contratada na Escola da Barquinha. Depois quando decidi qual iria ser a minha área de formação ainda estive algum tempo sem estar a dar aulas no meu grupo disciplinar e só quando me senti com capacidade para ir para a informática é que concorri para aquela área.Descobriu a sua vocação ou acha que poderia ter sido outra coisa?Estou no local certo. Gosto de dar aulas. Gosto de trabalhar com os miúdos. Gosto de trabalhar na escola. Também gosto de trabalhar com adultos e trabalhei muitas vezes ao longo dos anos no ensino nocturno.Qual a principal diferença entre os jovens de hoje e os da sua geração? Há pouca participação cívica. É essa a diferença que eu noto. Quando eu tinha 15 anos acreditava que era possível mudar. Tinha vontade de ajudar a mudar. Hoje há um afastamento muito grande da participação cívica. Mas quando os jovens se envolvem em alguma coisa também se envolvem completamente e com paixão. E hoje, comO sempre, há excelentes alunos, jovens educados, criativos, atentos...Está na comissão de educação, ciência e cultura da Assembleia da República. Sendo professora não sente que devia existir uma efectiva avaliação dos professores?Embora tenha contestado o modelo de avaliação vigente, penso que na escola. como em qualquer outro local de trabalho as pessoas têm que ser avaliadas. Tem que ser reconhecido o mérito aos melhores. Mas não consigo conviver com a diabolização dos professores que foi feita pelos governos anteriores. Foi colocado como objectivo destruir, através daquele modelo de avaliação, uma classe profissional essencial ao país. Não aceito a tentativa que houve de descredibilizar os professores e de diminuir a sua capacidade de estar e ser dentro das escolas.Está a falar na classe como um todo e a defendê-la como um todo uniforme que não é. Parece um sindicalista a falar.Já me disseram isso (risos). É delegada sindical?Nunca fui delegada sindical embora seja membro dos TSD (Trabalhadores Sociais Democratas). Tive textos censurados depois do 25 de AbrilComo era enquanto jovem estudante? Tive a minha dose de irreverência mas os meus pais não tiveram problemas comigo. Vivi a minha adolescência nos anos 70, a seguir ao 25 de Abril. Havia muita agitação nas escolas. Lembro-me de ter participado numa greve. Também estive envolvida no movimento associativo. Fui da associação de estudantes. E lembro-me de ver textos meus censurados por um professor e pelo orientador de estágio.Textos censurados depois do 25 de Abril?Por causa da linguagem utilizada. Por não serem alinhados com a ideologia dominante na altura. Não foi só antes do 25 de Abril que existiu o famoso lápis azul com que eram cortadas as notícias que não convinham ao regime. Eu tive lápis azul depois do 25 de Abril. E agora vivemos em plena liberdade?Nos últimos anos senti que havia muitas pessoas com medo. Isso notava-se dentro da escola. Pessoas que não emitiam opiniões por receio de represálias. Cheguei a notar isso quando estava ao telefone com algumas pessoas. Diziam-me para não falar abertamente. Para ter cuidado. E os meus interlocutores eram pessoas esclarecidas e participativas. Eu própria cheguei a admitir que poderia estar a ser escutada embora não me tenha inibido de dizer o que tinha a dizer e às vezes até mais do que deveria dizer.“Os interesses partidários impedem alterações no sistema político”Fazer parte de uma organização, seja um partido, uma colectividade ou uma igreja, obriga a abdicarmos de alguma liberdade individual a favor de um interesse colectivo. Tem sido fácil para si esse compromisso? Cumpro as normas e vou continuar a cumprir desde que elas não violem o meu modo de ser e o meu modo de estar. Aceito as decisões aprovadas por maioria. Aceito as regras. Respeito.E quando violam o seu modo de ser? Afasto-me. Nalgumas alturas afastei-me por causa disso. Não gosto que me peçam para ser aquilo que não sou ou para fazer coisas com as quais não concordo. Se eu não concordar com alguma coisa quero que, pelo menos, me concedam o direito de não participar. Estive afastada durante algum tempo e fez-me muito bem. Fez-lhe bem a quê?Cresci como pessoa e tive oportunidade de concluir o curso que tinha interrompido. Mas mantive sempre uma ligação mínima ao partido. Na política são aceites alguns excessos de linguagem. Convive bem com isso ou acha que deveria haver moderação?Ainda há dias pensava nisso. Quer aqui no Entroncamento quer na Assembleia Intermunicipal da Comunidade Urbana do Médio Tejo, mesmo no calor da discussão tem-se mantido o nível. Só me lembro de uma vez ter sido usada linguagem menos própria numa Assembleia Municipal. Agora na Assembleia da República não sei como irá ser mas de um modo geral há mais situações desse género. Na Assembleia Municipal do Entroncamento e na Assembleia da Comunidade Urbana do Médio Tejo tem um papel de moderadora uma vez que é a presidente da Mesa. Gosta dessa posição ou preferia estar na sua bancada intervindo em defesa das suas ideias, como já esteve?Assumo as funções em que estou mas não escondo que gosto do trabalho de bancada. Enquanto presidente procuro a isenção, o bom senso e o equilíbrio mas admito que, muitas vezes, me apetece ir para a bancada. Se não fosse militante de um partido, seria muito difícil, mesmo tendo uma grande participação cívica na comunidade, ocupar os cargos que já ocupou e os que actualmente ocupa. Isso é verdade. O meu percurso a nível político só foi possível porque sou membro de uma organização partidária. A participação de cidadãos independentes ao nível autárquico, por exemplo, é uma coisa perfeitamente residual, devido às dificuldades que lhes são criadas. Começa logo na criação de listas. Os partidos têm estruturas de suporte que ajudam em determinados processos. Uma lista de cidadãos tem muitíssimo mais dificuldade em preparar todo um processo de candidatura ou de levar a cabo uma campanha eleitoral.Os independentes dentro das listas dos partidos complicam?São sempre pessoas que, por serem independentes, têm um espaço de liberdade maior que os militantes que são obrigados à disciplina partidária. O PSD tem tido problemas a nível da região com os “seus” independentes? Raramente. Essas pessoas têm-se enquadrado naquilo que são as orientações do partido. Mas, como já disse, é-lhes dada uma maior margem de manobra.Já deu por si, em algumas alturas, a desejar ser independente? Não necessariamente. Como já expliquei, no dia em que não concordar de todo terei capacidade para pedir escusa. Na Assembleia Intermunicipal ainda não há muito tempo houve membros do PSD que me avisaram que, em determinado assunto, não iriam votar de acordo com as orientações do partido. Para além da disciplina do partido também temos que olhar para os interesses dos concelhos onde fomos eleitos. É por causa dessa lógica eleitoralista que os municípios continuam de costas voltadas uns para os outros. Até quando será possível manter essa postura com todos os prejuízos que daí resultam para o país a nível de duplicação de despesas, por exemplo e de completas aberrações ao nível do planeamento e da gestão do território?É verdade que o trabalho inter-concelhio só acontece por força das necessidades. Quando não há alternativa. Cada vez mais vamos ter que pensar em unir esforços e partilhar recursos e dado o percurso feito até agora, isso vai ser muito difícil.O divórcio entre a classe política e os cidadãos tem aumentado de ano para ano e o fenómeno não se restringe a Portugal? Que reflexão é que tal lhe suscita?Acho que toda a gente concorda que é necessário alterar algumas coisas. Estão de acordo mas nada muda.Não é fácil alterar o actual modelo político. Pode desenhar-se um modelo que pareça ser o adequado mas quando se começam a contar cabeças, surgem muitas pressões. Isso aconteceu no passado e vai continuar a acontecer. “Vivi sempre no Entroncamento e vou continuar a viver”Os seus amigos são os amigos de infância ou foi construindo amizades ao longo da vida?Tenho alguns amigos que vieram mais tarde.E inimigos? Não sinto que tenha inimigos. Há pessoas que não têm qualquer simpatia por mim, assim como eu não tenho simpatia por algumas pessoas. Não encaro isso como inimizades.Mudou alguns hábitos por causa da situação económica do país?No essencial mantenho os mesmos hábitos. Talvez a minha mãe esteja agora a comprar mais coisas portuguesas em vez de estrangeiras. Mas não há muitas alterações porque lá em casa não temos hábitos consumistas. Mas acredito que com o tempo venham a acorrer algumas mudanças nos nossos comportamentos de consumo. Costuma viajar?Não. Nos últimos anos nem sequer tenho tido muito tempo livre. O facto de ter estado na direcção da escola e noutras escolas no serviço de horários, são exactamente na altura de férias. A sua entrada para a Assembleia da República implica ter que ir viver para Lisboa?Não. Vou continuar a viver no Entroncamento. Nunca quis sair daqui e vou manter essa situação. Gosto de viver no Entroncamento. Acho que temos uma qualidade de vida que não se tem em Lisboa ou no Porto. Enquanto estudante nunca fui morar para outra cidade e foram raras as noites que não passei em casa. Agora vai passar-se o mesmo. Gosta das modernas praças das cidades do distrito de Santarém e de Portugal em geral, sem árvores e sem amplos relvados como antigamente? Obviamente que o verde me é agradável mas as câmaras têm dificuldade em arranjar pessoas que tratam dos jardins. As novas praças reflectem isso. Resultam de uma preocupação ao nível da gestão. No Entroncamento está-se a privilegiar o Bonito como o grande pulmão da cidade. Mas atenção, nas zonas alvo de regeneração urbana foram plantadas árvores. Só que ainda não cresceram porque passou muito pouco tempo. Mas elas estão lá. Fala uma militante do partido que gere a autarquia.Fala uma cidadã que tem olhos para ver e cabeça para pensar (risos).Ligada ao PSD desde os 11 anos de idade Nasceu em Torres Novas por razões meramente circunstânciais mas é do Entroncamento e foi naquela cidade que sempre viveu. Nem quando estudou, em Santarém, Portalegre e Lisboa, abdicou de ir ficar a casa todos os dias. “Não tenho nada contra Torres Novas mas só sou de Torres Novas para tirar a certidão de nascimento”, diz na brincadeira. “A minha terra é o Entroncamento”, garante.Até aos seis anos viveu na rua Rui Luís Gomes. Aos seis anos foi viver para uma quinta na zona do antigo campo de futebol. Fez a escola primária no externato Mouzinho de Albuquerque. É licenciada em Informática de Gestão e tem a frequência do Mestrado em Ciências da Educação - Tecnologias Informativas. É professora na Escola Secundária do Entroncamento.Conta que ela e a irmã Raquel (23 anos mais nova) se livraram de ser alunas internas do colégio Santa Maria em Tomar ou do Instituto de Odivelas, como era desejo de sua mãe, graças à intervenção do pai, que tinha sido aluno dos Pupilos do Exército e não guardava saudades da sua experiência como aluno interno. O pai, José Alberto Aguincha (já falecido) e a mãe, Teresa Aguincha foram fundadores do PSD do Entroncamento. Isilda Aguincha começou a interessar-se por política entre os 11 e os 12 anos e esteve sempre ligada ao partido. Completou 45 anos de idade a 3 de Abril deste ano. É presidente da Assembleia Municipal do Entroncamento e presidente da Assembleia Municipal da Comunidade Urbana do Médio Tejo. Deputada do PSD pelo círculo de Santarém, garante que vai continuar a viver no Entroncamento. Mas não se assume como uma espécie de deputada da cidade. “Não esqueço a minha terra nem o distrito que me elegeu mas sou deputada da nação. Não sou deputada local ou regional”.

Mais Notícias

    A carregar...