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Bem-aventurado Serafim das Neves

Um dia destes deu-me para imitar o Governo e as câmaras municipais e, embalado pela onda institucional do “não pagamos!”, decidi deixar de pagar aos meus fornecedores. Dei-me mal, como já percebeste quando recebeste este e-mail em mão, em vez de o teres recebido através da internet. No supermercado passei pela caixa sem pagar e arranquei ligeiro com as compras no carrinho, em direcção à saída. Nem tive tempo de chegar à porta. O segurança deitou-me a luva e levou-me para uma salinha sossegada onde, com bons modos, me explicou o que se iria passar quando se lhe acabasse a paciência. E se eu levava uma carrada!!! Carninha barrosã às paletes; marisco do melhor; vinhos topo de gama, champanhe mesmo a sério, queijinhos das melhores proveniências, um presunto pata negra. É deste que me lembro melhor porque levei com ele em cheio na cara quando me preparava para explicar, pela enésima vez, os meus direitos de cidadão não pagador. A patada do pata negra foi tão rápida que nem senti o odor da febra fumada. Cortaram-me a água, a luz, a televisão, a internet. Eu bem argumentei que só estava a dever há dois meses, o máximo três. Pagar a noventa dias é como pagar a pronto. Ninguém me ouviu. Parece que há uma lei especial para grandes devedores. Prazos alargados de pagamento só para quem deve mais de um milhão. A minha dívida era miserável. Não chegava aos quinhentos euros. Uma ridicularia. Disseram-me para ter juízo. Avisaram-me que da próxima vez me penhoravam tudo, cão, periquito, mulher e filhos. O meu problema é que já não há mais vagas para grandes devedores. Tentei inscrever-me mas não consegui. É o sistema do “numerus clausus”. Poucas vagas para milhões de candidatos e eu com uma nota tão baixa não chego lá. Quem me dera ser câmara municipal!! Quem me dera ser Estado!!! Não pagam e ainda lhes emprestam dinheiro a rodos. Vê lá a Câmara de Alcanena, por exemplo. Está afogada em calotes até ao pescoço e vai ao banco buscar seis milhões. Eu já nem queria tanto. Bastavam-me cinco mil euros para uma semanita no Brasil. Quando falei nisso lá no banco riram-se na minha cara. Puseram-me na rua. Não há justiça neste mundo é o que é. Disseram-me agora que na eleição da Miss Ribatejo, durante a festa do “Pão, Vinho & Companhia”, em Almeirim, o apresentador era cada palavra cada asneira. Ora aqui está uma daquelas situações em que houve uma conjugação de bom gosto e tradição. Numa terra onde o pão tradicional se chama caralhota até ficava mal terem um apresentador que fosse um anjinho, não é verdade. Espero que a coisa tenha sido de caralhota para cima. E logo numa apresentação de misses, algumas das quais tinham confessado que nem sequer sabiam o que era um sonho molhado. Valeu-lhes bem a pena terem concorrido. Aumentaram o vocabulário e ficaram com as meninges bem húmidas. Abençoados concursos que tanta sabedoria semeiam pelos bestuntos do nosso povo. Quem continua em grande é o cantor Quim Barreiros. No dia 17 vai à freguesia de S. Pedro, em Tomar, cantar na festa da paróquia. Uma animação pegada com o carro a entrar e a sair na garagem da vizinha e o deixa-me ir à cozinha para cheirar o teu bacalhau, músicas que, ao pé das músicas do tal Jaimão que foi ao Pão, Vinho & Companhia de Almeirim, são celestiais. Pelo menos as que dizem respeito à Celeste. Eu se fosse ao senhor padre levava água benta com fartura para o arraial, não vá alguma ovelha incendiar-se com tanta língua de fogo.Saudações divinas do Manuel Serra d’Aire

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