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De um modo geral todos fazem o que faziam antes da crise

A Feira de Santa Iria não deve acabar porque para tristezas já basta o que basta e o povo precisa de alguma animação. Esta é uma das ideias que fica após as entrevistas feitas a alguns cidadãos de Tomar. Todas elas dizem que pouco mudou nas suas vidas desde que os meios de comunicação social e os políticos começaram a agitar o espantalho das “mil e uma desgraças”. E há uma revelação interessante. Todos garantem que já eram poupados e que não viviam acima das suas possibilidades. Que a Padroeira os proteja e os livre de caloteiros poderiam ser os desejos a endereçar a quem falou connosco.

Ana Marta Nunes, 38 anos, Técnica Oficial de Contas, Tomar“Quando nos falta o chão temos que dar um passo em frente”A crise não a levou jogar mais vezes no Euromilhões nem a deixar de comprar jornais, por exemplo, mas mudou a sua vida noutros aspectos. Optou por reduzir os gastos mais supérfluos e passou a dar mais atenção ao preço dos bens alimentares optando muitas vezes por comprar produtos de “marca branca”. Faz também um esforço para consumir produtos de origem portuguesa e tem ainda o cuidado de reduzir gastos com electricidade e comunicações, passando a ser mais criteriosa no que concerne à escolha de seguradoras. “Se antes pedia um ou dois orçamentos, agora peço quatro ou cinco”, explica. A crise não a levou a aumentar o preço dos serviços que presta. “Apesar das nossas obrigações fiscais serem superiores e o trabalho e o acompanhamento prestado aos clientes ser igual ou superior temos que atender que estamos em crise e todos temos que colaborar e fazer com que se aguentem no mercado”, diz. Optimista, refere que a crise sempre existiu e, embora mais agravada, as pessoas não podem baixar os braços e devem agarrar oportunidades que lhes possam surgir. “Quando nos falta o chão temos que dar um passo em frente”, afirma. A Feira de Santa Iria de Tomar é, para a nossa interlocutora, um ponto de animação e dinâmica da cidade, trazendo visitantes de muitos locais do país. A sua realização é, na sua opinião, positiva e, para além da dinâmica comercial, recria uma tradição de feira mercantil que deve ser preservada.João Lourinho, 74 anos, empresário, Tomar“Se não fazem a Feira de Santa Iria é uma carga de trabalhos”O fundador da Avicentro _ Sociedade de Produtos Avícolas em Tomar, diz que faz praticamente a mesma vida desde que a crise se acentuou uma vez que se sempre fez da poupança uma máxima de vida, limitando-se a viver dentro das suas possibilidades. “Conforme amealhava, investia”, refere, acrescentando que conhece bem as dificuldades da vida pois teve que recomeçar do zero há mais de trinta anos quando perdeu tudo o que tinha em África. Confessa que a actual situação o surpreendeu numa fase em que já contava com maior estabilidade. “Se for preciso ainda arregaço as mangas e agarro numa máquina para limpar mato”, afiança para mostrar a sua determinação mas confessa que está apreensivo. Com alguns créditos a receber, ainda não recorreu a uma empresa de cobranças difíceis preferindo recorrer aos tribunais, apesar de achar que de pouco vale porque as pessoas estão falidas e a despesa com o advogado acaba por ser penalizadora. Em relação à Feira de Santa Iria, diz que pode contribuir para que as pessoas esqueçam as amarguras uma vez que é bastante apreciada pelas populações. “Se não fazem a Feira de Santa Iria é uma carga de trabalhos. O dinheiro pode faltar para tudo mas para a festa tem que haver”, aponta, apesar de considerar que muitos visitantes vão à Feira mais para ver do que para comprar. Júlio Figueiredo, 41 anos, Optometrista, Tomar“A crise é apenas uma pedra no caminho”O responsável pela Loja “Multiópticas” aberta há 11 anos na Alameda Um de Março, refere que, apesar da crise, toda a sua equipa mantém um espírito optimista. Não obstante admite que, de algum tempo a esta parte, adoptou alguns cuidados na gestão da loja, por exemplo, prestando mais atenção às luzes ligadas ou verificando se, no final do dia, as máquinas ficam desligadas. “Estamos atentos a estes pormenores porque os custos, hoje em dia, são um factor importante no negócio”, sustenta, acreditando que com trabalho e dedicação diária consegue-se contornar a crise. A nível pessoal, refere que já controla mais as idas ao cinema ou os jantares em restaurantes. Quanto aos preços praticados na óptica, refere que a crise o levou a fazer “pequenos ajustes” mas seguiu a política da Multiópticas, tentando compensar o momento com uma oferta alargada em termos de preços e desenvolvendo campanhas para todos os bolsos. “Não queremos que ninguém sinta que não pode comprar óculos porque são caros”, atesta. O que a crise não conseguiu foi afectar a sua boa disposição. “Acordo todos os dias, olho para o espelho e digo que vai ser um dia extraordinário. Não penso na crise. É apenas uma pedra no caminho”, refere. Já a Feira de Santa Iria é, na opinião do nosso interlocutor, benéfica para a cidade, trazendo muitas pessoas de fora e fazendo com que os tomarenses se animem e sintam que a cidade “mexe” por estes dias. Celso Carvalho, 33 anos, técnico agrícola, Tomar“Feira de Santa Iria ajuda a desanuviar o ambiente” Considera que muitas pessoas ainda não têm a noção real da crise que está instalada e que, neste momento, toda a gente devia poupar. Celso Carvalho, que trabalha na manutenção de herdades agrícolas, sente na pele o que é a crise há muito tempo e, nos últimos tempos, ainda mais. “Deixei de sair tanto à noite ou de ir tantas vezes ao café”, exemplifica. O tomarense considera que as empresas, numa situação de incumprimento devem recorrer ao diálogo ao invés de contratarem serviços de cobranças. “Há muita gente com a corda na garganta que vende os seus bens ou faz empréstimos para pagar as dívidas. Penso que deve haver compreensão nesta situação e tentar entrar num acordo”, refere. Apesar da crise, refere que ainda consegue ver “a vida a cores” pelo que tenta viver o dia-a-dia com base no dinheiro que tem, conseguindo ainda ter dinheiro para sobreviver. “Sei de pessoas que davam bens alimentares a instituições e agora são elas que recorrem à ajuda das mesmas”, diz. A Feira de Santa Iria deve realizar-se, na sua opinião, todos os anos mais que não seja para ajudar a desanuviar o ambiente e trazer movimento à cidade. Apesar de sentir que as pessoas vão mais à Feira para ver do que para comprar, o que antigamente não acontecia. “As pessoas podem comprar um brinquedo para os filhos ou um saco de pipocas mas não vai além disso”, lamenta.Maria Hortense Leonardo, 55 anos, Esteticista, Tomar“Quando as pessoas vão à Feira não estão a pensar na crise”Os preços não subiram na clínica “Vénus” nos últimos dois anos e os clientes não diminuíram. As suas rotinas também não se alteraram desde que a crise estalou, sendo obrigada a almoçar todos os dias fora de casa uma vez que reside longe do local de trabalho. “Estou mais protegida nesta altura porque nunca fui além das minhas possibilidades. Não sou uma pessoa esbanjadora e tenho consciência do que realmente preciso e do que é supérfluo. Além disso sou uma pessoa positiva”, refere. Trabalhando num ramo muitas vezes considerado como um luxo, nunca necessitou de recorrer a uma empresa de cobranças difíceis, sublinhando a lealdade dos clientes neste ponto. “Só tive uma cliente, de Lisboa, que me ficou a dever cem euros de tratamentos mas já foi há uns anos”, refere, acrescentando que quando as pessoas recebem a prestação dos seus serviços têm que estar conscientes das despesas que também tem com os fornecedores, renda, água ou luz. Em relação à Feira de Santa Iria considera que é uma “feira bonita, que atrai muita gente” embora gostasse mais de ver a Feira das Passas junto da Várzea Grande ao invés de ser na Praça da República. “Quando as pessoas vão à Feira não estão a pensar na crise”, refere, soltando uma agradável gargalhada. Vítor Luta, 57 anos, tipógrafo, Tomar“As pessoas já deixaram de ter vergonha de dever dinheiro”Habituado a ser poupado desde criança, não mudou os seus hábitos devido à crise económica apesar de optar por ser ainda mais cuidadoso com as compras que faz fora de casa. Gerente da Tipografia Tipomar, confessa que ainda não recorreu a nenhuma empresa de recuperação de créditos mas a ideia já esteve mais longe da sua cabeça. “A parte pior deste, e penso que de qualquer outro ramo, é conseguir cobrar o que nos devem pelos trabalhos que fazemos. As pessoas já deixaram de ter vergonha de dever dinheiro e isto tem tendência para piorar”, refere. O problema da acumulação de dívidas de clientes, que chegam aos três e quatro anos, passa por também lhe ser mais difícil cumprir os seus compromissos aos seus fornecedores. “Esses não me perdoam. Chega aquele dia e se eu não pago cortam o fornecimento”. Relativamente à Feira de Santa Iria considera a sua realização positiva embora sinta que “já não é o que era dantes”, recordando que muitas pessoas do campo vinham, de propósito, para comprar roupa para o Inverno. “Hoje as pessoas vêm à Feira de Santa Iria, sobretudo, para passear e ver quem está a passear. As compras, essas, fazem-nas nas grandes superfícies”, afirma. Maria João Fael, 37 ano, Médica Veterinária, Tomar“Tento ver a vida o mais colorida possível”O pai ensinou-a a ser poupada e o ensinamento nunca foi esquecido, pelo que não modificou a sua vida desde que a crise ficou mais evidente em Portugal. “O facto de ter estudado fora e o nascimento de duas filhas contribuiu para que soubesse dar ainda maior importância à poupança”, refere. Mesmo assim, dá por si a desligar as luzes e a pedir Às filhas que tomem banhos mais curtos. A crise também se repercutiu no seu negócio uma vez que teve que incluir nos preços praticados a subida do IVA. Apesar disso, não mexeu nos preços uma vez que, na sua opinião, a crise faz-se sentir ainda mais numa cidade como Tomar. Apesar de nunca ter recorrido a uma empresa de cobranças, confessa que a ideia já lhe passou pela cabeça, embora a contratação destes serviços também seja dispendioso. Não se sente deprimida porque tenta ver sempre a vida o mais colorida possível. Em relação à Feira de Santa Iria, a Maria João considera que pode servir para animar o estado de ânimo das pessoas, tal como outros eventos que têm ocorrido em Tomar. “É sempre bom ter cultura e movimento numa cidade tão bonita como a nossa mas que tem elevados riscos de ficar estagnada com esta crise”, considera. João Sousa, 45 anos, pedreiro, Porto Mendo (Madalena) Tomar“Já vivia em crise antes de haver crise”Garante que mantém os mesmos hábitos desde que a crise veio para ficar. “Já vivia em crise antes de haver crise”, confessa bem-humorado, acrescentando que tendo nascido numa família de origens humildes e financeiramente pouco abonada foi educado a viver apenas com o fruto do suor do seu trabalho. “Sou bastante comedido no que diz respeito a gastos porque acho que temos que ter o cuidado de antever as situações e de prevenir o futuro”, avisa. Em tempos teve que recorrer ao Tribunal de Trabalho para conseguir que lhe pagassem o ordenado, referindo que, num estado que se quer democrático, não faz sentido fazer justiça pelas próprias mãos. Como nunca quis dar um passo maior do que as pernas diz que a crise não afectou nem a sua saúde física nem a moral. “Ainda não precisei de antidepressivos mas há muitos que talvez já o tenham feito. O problema maior desta crise resulta no facto das pessoas cometerem excessos e viverem acima das suas possibilidades, acabando sobre endividados”, refere. Em relação à Feira de Santa Iria considera que é uma data “extraordinária” no calendário anual das festas e romarias de Tomar.

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