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Um rancho folclórico muito especial

Dezasseis adultos que superam as suas limitações quando dançam

A dança é uma actividade terapêutica para utentes do Centro de Integração e Reabilitação de Tomar (CIRE). Na Feira de Santa Iria sobem ao palco no próximo Sábado pelas três da tarde, na Praça da República.

Fomos encontrá-los bem-dispostos, alinhados aos pares, prontos para mais um ensaio que decorre todas as segundas feiras, pelas 14 horas, numa sala polivalente. Os dezoito elementos do Rancho Folclórico do Centro de Integração e Reabilitação de Tomar (CIRE), oito homens e oito mulheres, começam a dar mostras do que já sabem segundos após António Silva, animador cultural da instituição, colocar “As Pombinhas da Catrina” a soar na aparelhagem. Fazem uma roda e são observados de perto pelas monitoras Teresa Macedo e Teresa Duarte que os fazem acertar o passo. “Tiago, tens que bater as palmas três vezes. Nós vimos que bateste apenas duas vezes”, emendam. Os três ensaiadores deste rancho muito especial não possuem formação em folclore mas conseguem levar a bom porto os ensaios.Todos os membros se empenham em dar o seu melhor como o público pode comprovar no próximo sábado, 15 de Outubro, pelas 15 horas, na Praça da República. Uma actuação que é feita no âmbito da Feira de Santa Iria deste anos, com o espectáculo a prometer emocionar a assistência. “Estamos a falar de pessoas com deficiência que estão a dançar em cima de um palco e fazem autênticas maravilhas. Se calhar nós não conseguimos dançar. Afinal quem é o deficiente?”, sublinha António Silva que, aos 64 anos, não abdica de trabalhar com “os seus meninos”.O Rancho Folclórico do CIRE existe, praticamente, desde que a instituição foi fundada, em Fevereiro de 1976. No início, consistia em apenas dois ou três pares mas, quando a instituição passou a ter um Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), em 1996, estes monitores decidiram que seria importante não só manter como alargar o número de participantes do rancho, todos com idade superior a 20 anos, que foram escolhidos por mostrarem estar à altura deste desafio.Os ensaios do rancho duram em média 30 minutos. As “modas” dançadas são as típicas do folclore tradicional português mas a coreografia é quase sempre adaptada conforme a resistência física dos elementos do grupo, muitos deles com Trissomia 21. No dia do espectáculo há um jogo entre dança e entretenimento. “Fazemos oito, nove danças, com algum palavreado pelo meio uma vez que sou eu que apresento, e assim passam os 20, 25 minutos”, explica António Silva. Em cima de um palco, o grupo apresenta-se sempre vestido a rigor.. Elas vestem saias pretas e camisas de diversas cores, os rapazes com calça escura, colete, camisa branca e laço preto. Algumas peças são dos próprios utentes, outras são fornecidas pela instituição.O mais gratificante, para a equipa destes três monitores, é sentir o prazer que estes utentes do CIRE têm em dançar e actuar para o público onde, muitas vezes, se encontram rostos familiares. “Acaba por ser um trabalho onde desenvolvem as suas capacidades nas vertentes social, motora, psicológica e física”, complementa. “São tão capazes de o fazer isto como os outros. Levam mais tempo a aprender, é certo, mas também conseguem dançar dentro do compasso e obedecer às coreografias”, aponta o monitor cultural que trabalha no CIRE há 32 anos. Em média, o rancho actua duas vezes, um pouco por todo o país, tendo já actuado no Pavilhão Atlântico.Quando a música pára, todos se sentam em silêncio, a descansar, enquanto a nossa conversa se desenrola. É então que Eduardo Gomes, 26 anos, vem ao nosso encontro para tentar explicar porque gosta tanto de pertencer ao rancho. “É muito bonito e divertido”, solta, acrescentando que a sua dança preferida é “A Escovinha” e que também participa no grupo de teatro. Mas a música de eleição de todo o grupo é “O Apanhar do Trevo”, diz Américo Pereira, 46 anos, um dos utentes mais antigos do CIRE.”Eles levam isto muito a peito para fazer um trabalho como deve ser. É complicado às vezes mas muito recompensador”, atalha Teresa Macedo, acrescentando que todos ficam felizes quando sentem que as danças são bem executadas. Por norma, o público que assiste à exibição do Rancho do CIRE acaba sempre por aplaudir de pé e com lágrimas nos olhos. Talvez porque tenham acabado de presenciar um compasso acertado como nunca imaginaram ver.

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