Quando Vila Franca de Xira não tinha prédios e o Café Central era o “clube dos ricos”
Documentário de Francisco Manso sobre Alves Redol inclui testemunhos de 28 personalidades da cultura nacional
“Alves Redol, Memórias e Testemunhos”. Assim se chama o documentário realizado por Francisco Manso para assinalar o centenário do escritor vila-franquense. Vinte e oito personalidades da cultura nacional recordam o escritor e os tempos difíceis que o país atravessava. Retratos de uma época em que Vila Franca não tinha prédios, o café central era o clube dos ricos e o peixe do Tejo matava a fome.
A cidade de Vila Franca de Xira do tempo do Estado Novo de Salazar era um sítio onde não havia prédios. O café central “era o clube dos ricos” e o peixe do rio Tejo matava a fome. A maior parte da população era pobre e forçada a trabalhar nos campos sem tempo para limpar o suor. Estas são algumas das imagens fortes do novo documentário sobre a vida, obra e percurso político do escritor neo-realista Alves Redol. Chama-se “Alves Redol, Memórias e Testemunhos”, foi realizado por Francisco Manso e apresentado em ante-estreia ao final da tarde de 14 de Outubro, no auditório do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira. Reúne, em pouco mais de uma hora de filme, memórias de 28 personalidades da cultura nacional sobre o escritor vila-franquense.Júlio Pomar, Manuel Ribeiro, Arquimedes da Silva Santos, Maria Adelaide Salvador, Maria Barroso Soares, Baptista Bastos, Edite Cardoso Pires, Constantino Cara-linda, Luís Francisco Rebello, António Tavares Telles, José Júlio e o filho do escritor, António Redol, são alguns dos entrevistados. Todos os depoimentos vão ser doados na totalidade, sem qualquer edição, ao museu do Neo-Realismo.“Os antigos não sabiam ler nem escrever mas sabiam distinguir o que era justo e o que não era”, defendeu uma das entrevistadas, Maria Adelaide Salvador. A produção custou 25 mil euros, foi financiada pela Câmara Municipal de Vila Franca e tem como destino a emissão na Rádio e Televisão de Portugal (RTP). O auditório encheu e na sessão estiveram presentes, além de António Redol e da presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha (PS), o realizador Francisco Manso e a subdirectora de programas da RTP, Paula Moura Pinheiro.Homens e mulheres a trabalhar no campo descalços, ruas com dois automóveis e muita fome são outras imagens trazidas para o documentário, que aparecem acompanhados de excertos das várias obras do escritor - “Fanga”, “Gaibéus” ou “Avieiros”.Uma das memórias partilhadas no documentário evoca as aulas de português que Alves Redol dava na rua Gomes Freire nos anos 30 do século passado. Os analfabetos podiam ali aprender a ler e a escrever mas o padre da freguesia ficou enfurecido porque o escritor lhe estava a roubar o público que a essa hora deveria estar na missa.“Nunca vi aquele homem, o Redol, com medo de nada”, recorda Edite Cardoso Pires, viúva de José Cardoso Pires. Exemplo disso foi quando um dia lhe bateram à porta da casa onde vivia. Abriu a porta e convidou as visitas a entrar. “Não queremos entrar, estamos aqui para prendê-lo”, disseram os homens da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). No final o público aplaudiu o documentário, feito sem censura prévia, que o realizador Francisco Manso diz ter sido “uma grande experiência”.Esta exibição encerrou também o ciclo de cinema “Imagens e Palavras de Alves Redol”, que o Museu do Neo-Realismo tem promovido no âmbito da programação do centenário do nascimento do escritor.Um bom trabalho de Francisco MansoSala cheia, muitos sorrisos e emoções á flor da pele durante a exibição do documentário de Francisco Manso. O recurso aos testemunhos de homens e mulheres que ainda estão entre nós, e conheceram e privaram de perto com Alves Redol, é um dos maiores méritos deste trabalho. Manso esqueceu os intelectuais do costume, que regra geral sabem mais da obra do escritor do que ele próprio sabia, e foi à procura dos personagens ainda vivos que privaram de perto com o autor de Gaibéus, nascido em Vila Franca de Xira e um dos maiores nomes das nossas letras. Nasceu assim um documentário que é uma memória viva dos tempos já esquecidos para muita boa gente. Há meia dúzia de depoimentos que são de antologia. Alguns de pessoas naturais da Golegã, onde Redol tem ainda uma boa parte dos seus parentes mais próximos, com excepção do seu filho que vive em Lisboa e mantém uma grande ligação afectiva a Vila Franca de Xira.É notório o bom trabalho do realizador na qualidade da produção destes testemunhos que são a grande marca deste filme documentário.Uma nota ainda para o arquivo de imagens da RTP que deve ser o maior e o melhor museu que existe em Portugal. Este filme é um bom exemplo para lembrar o papel importante da RTP e o que ela custa, e custou, ao erário publico, muitas vezes apenas ao serviço da classe política que ao longo dos anos tem manobrado a informação como no tempo em que Redol foi preso e censurado.JAE
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