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“O meu dia de trabalho nunca acaba antes das dez e meia da noite”

Bello da Silva, Neurocirurgião, 58 anos, Lisboa

O neurocirurgião Bello da Silva vive em Lisboa, trabalha no Hospital de São José mas divide-se por clínicas privadas em Santarém e Torres Novas. Médico há trinta e três anos diz que se continua a envolver no trabalho com o entusiasmo do primeiro dia. Assusta-o a ideia de perder a autonomia e passar a depender de terceiros. Tem cinco filhos e viaja regularmente. As viagens são uma paixão. Os carros também. É romântico e aficionado. Não vai ao Campo Pequeno mas não perde uma corrida de toiros na televisão.

 Há dois anos decidi que não se justificava trabalhar tanto. Deixei de ir ao Algarve dar consultas. Era uma vida demasiado pesada. Felizmente tive o bom senso de mudar. O stress e o cansaço levaram-me a isso. Por outro lado estava a suprimir a família, os amigos e estava a deixar de ter tempo para mim. Desligo de sexta-feira à tarde até domingo.  Faço do meu carro escritório. Vou muitas vezes a falar ao telefone em alta voz. Resolvo questões pessoais mas também falo com doentes e faço marcações. O meu dia nunca acaba antes das dez da noite. Saio de casa às 7h30. De manhã estou no Hospital de São José, em Lisboa. Na segunda parte do dia distribuo-me pelos consultórios ou estou nas clínicas privadas a operar. Durmo cerca de cinco horas. Gosto de ir comprar peixe fresco ao mercado. É a única coisa que faço em casa ao fim de semana. Dizem que sou um exímio grelhador de peixe. Não sei se é verdade mas o pessoal aparece-me lá… Gosto mais de comer em casa do que fora. Talvez por almoçar fora todos os dias. Gosto de bons restaurantes mas não exijo pratos sofisticados. Basta-me um peixe cozido bem confeccionado. Uma vez por mês vou para fora cá dentro, com a minha esposa. Fazemos turismo rural no norte. Só no Verão é que vamos para sul. Frequentemente viajamos para o estrangeiro. Gostamos de grandes viagens. Temos cinco filhos. Moramos num apartamento mas temos duas casas de fim de semana. Uma na praia e outra no campo. Sou médico há 33 anos e continuo a envolver-me muito em cada caso. Se a situação é complicada tira-me o sono. Fui sempre um aluno médio. A meio do liceu decidi-me pela medicina e consegui. Sou oriundo de uma família da classe média. Nasci e cresci no Bairro da Graça, em Lisboa. O meu pai era engenheiro e a minha mãe professora de piano. Há pessoas que não têm dinheiro para comprar os medicamentos. Ainda há pouco um doente me disse que não podia fazer os tratamentos que lhe recomendei. Nem estamos a falar de operações. Muitas pessoas têm que enfrentar grandes listas de espera porque não conseguem tratar-se de outra maneira. Faz-me impressão ver pessoas abandonadas no hospital. Às vezes não são só os velhinhos. São pessoas que tiveram problemas e passaram a ter danos neurológicos quase irreversíveis. Deixam de poder exercer o dia a dia sem a ajuda de terceiros. São pesos para as famílias que dão a desculpa de que não têm sítio para os pôr. Sou a favor da eutanásia. A ideia de poder vir a perder a minha autonomia deixa-me em pânico. Penso muitas vezes nisso quando olho para certos doentes num hospital. São indivíduos muitas vezes perfeitamente lúcidos mas que não conseguem falar. Não lhes é dada a opção de decidir se querem morrer ou não. A pessoa tem o direito a decidir não sofrer. “Cem Anos de Solidão” foi o livro que mais gostei. Gabriel Garcia Márquez é um dos meus autores preferidos. Tenho vários livros de cabeceira. Vou intermeando os livros de medicina com romances. Quando tenho tempo leio, estudo, oiço música clássica, passeio e vou ao cinema. Jogo ténis de vez em quando.Deixei de fumar há mais 10 anos. Fumava três maços por dia e aos fins de semana os meus charutos que adorava. De um dia para o outro parei. Senti que estava a matar-me. Sou um romântico. Há duas semanas vi uma mala simpática e comprei-a para oferecer à minha mulher. Também ofereço flores, assim como ofereço um anel ou um relógio. Não faço isso mais vezes por falta de tempo. Abro a porta do carro às senhoras mas isso já não é romantismo, é boa educação. Só corto a barba nas férias mas este ano não o fiz. Ninguém me gosta de ver sem barba. Há pessoas que passam por mim e não me reconhecem se não a tiver. Vejo todas as corridas de toiros na televisão. Não falho nenhuma. Também já fui a Espanha. Não vou ao Campo Pequeno às quintas-feiras porque estou a dar consultas. Também sou apaixonado por carros. Dá-me prazer conduzir um carro, confortável, rápido e potente. A minha filosofia de vida poderia resumir-se a uma frase: vive o momento presente. Não sabes o que te vai acontecer amanhã.  Ana Santiago

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