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A água está a sair cara ao povo do Cartaxo porque não se fazia investimento há muito tempo

O administrador da Cartágua, Miguel Santos Henriques, é o rosto da concessão no concelho

Há um ano que a Câmara Municipal do Cartaxo entregou a gestão da rede de água e saneamento a uma empresa privada. As tarifas subiram e a população saiu à rua em protesto. O administrador da Cartágua, Miguel Santos Henriques, admite que a água está a sair cara ao povo porque há muito tempo que não se fazia investimento. A rede precisava de novas tubagens e numa das ETAR a empresa deparou-se com um cenário caótico. A infra-estrutura estava entupida e com lamas acumuladas. O gestor, quadro do Grupo Lena, aconselha as câmaras a não empurrarem os problemas para a frente, a fazerem investimento e a actualizarem as tarifas antes de concessionar os sistemas.

Na altura em que a população do Cartaxo saiu à rua manifestando-se contra o aumento da factura da água explicou que isso aconteceu porque tinha sido necessário fazer investimento e porque a infra-estrutura estava muito débil. O que encontrou a empresa no Cartaxo?É preciso que fique claro que quando concorremos já sabíamos o que íamos encontrar. A infra-estrutura era muito antiga. Não foi feito investimento pela câmara durante anos e anos. Qualquer entidade, fosse pública ou privada, que viesse a operar teria que renovar. A operação da água acaba por sair cara ao povo do Cartaxo porque há muito tempo que não se fazia investimento. A câmara enquanto gestora do sistema não estava a cumprir a sua missão…Há uma coisa que aconselho às várias câmaras que vão concessionar a gestão das águas: não empurrem o problema para a frente. Antes de concessionar façam um aumento progressivo das tarifas. Para evitar o que aconteceu no Cartaxo onde a câmara esteve sete anos sem mexer no preço da água?Exactamente. O que não é uma coisa realista. As tarifas foram sempre consideravelmente subsidiadas e por isso também não havia capacidade da câmara para investir nas infra-estruturas. Uma das formas de subsidiar o sistema é não cobrar tarifa de disponibilidade. O Cartaxo fazia-o como muitas outras câmaras. Ou seja, as pessoas só pagavam o que consumiam mas tinham sempre disponibilidade de água. Ora o sistema tem que estar disponível e mantido para as pessoas terem água quando querem abrir a torneira. Mesmo que não a abram há custos. As pessoas vêem a água como um bem público e inesgotável. Inesgotável não é. É preciso separar o facto da água em si ser um bem público com a necessidade de ter custos de investimento e operação para que as pessoas possam usufruir dessa água. Toda a gente é livre de ir buscar água à fonte. Defende que a gestão dos sistemas seja feita por empresas e não por autarquias? Não tenho uma posição ideológica a esse respeito. Tenho uma posição empresarial e pragmática. Se há entidades especializadas em determinadas actividades tenderão a fazer isso de forma mais eficiente do que entidades que, além disso, têm que tratar de problemas de educação, saúde e bem estar social. O que é verdade é que até agora os sistemas não têm sido eficientes. O aumento das facturas em alguns casos foi de poucos euros mas para quem recebe o salário mínimo isso faz diferença…Não há outro remédio. O tarifário que está em vigor, embora tenha sido ajustado temporariamente, é bastante equilibrado. Admito que haja algumas pessoas, particularmente as que têm consumos elevados e não têm famílias muito numerosas, que vêem a sua factura aumentar bastante porque agravámos bastante os escalões de maior consumo. Quem tem uma vivenda com uma piscina, rega o jardim com água da companhia e consome bastante sente um aumento grande. Em concreto o que encontraram no Cartaxo?Redes antigas que tiveram que ser substituídas por novas tubagens. Nenhuma das ETAR (Estações de Tratamento de Águas Residuais) estava a funcionar bem. Havia muitas descargas para a ribeira. Grande parte das bombas, sem as quais as ETAR não funcionam, estavam avariadas. Tivemos que substituí-las. São equipamentos por onde passam coisas sujas e que precisam de manutenção. Na ETAR do Cartaxo, por exemplo, encontrámos um cenário quase de terror. Estava entupida e não funcionava. Eram tanques monumentais com uma cubicagem enorme de lamas que estavam ali paradas. Andamos há um ano à volta dela e até ao final do ano vamos pô-la a funcionar. O esgoto estava a ir para a ribeira.Sim. Mal tomámos conta da concessão estava cá a fiscalização a passar-nos multas porque estávamos a mandar efluentes para a ribeira. Quando foi a câmara não houve entidade fiscalizadora... Fizemos prova dos investimentos que estão em curso e comprometemo-nos até ao final do ano a ter a situação resolvida. O Cartaxo tinha as infra-estruturas mas não estavam a funcionar. Como é que se chega a uma situação destas? Não é por acaso que em Portugal se está a profissionalizar a gestão das águas e a encará-la como uma actividade que tem que ser continuada, modernizada e de qualidade. Há alguns anos não havia preocupações ambientais. Era tudo gerido, como muitas outras coisas, pelas câmaras municipais de acordo com o dinheiro que havia. Algumas iam renovando e investiam na qualidade de acordo com o perfil de quem estava à frente da câmara. No Cartaxo até houve a preocupação de investir em equipamentos mas de facto não houve recursos. Recursos humanos?E não só. Operar a ETAR é uma coisa cara. Remover as lamas implica investimento. Tenho que depositá-las e transportá-las. A ideia que passava em termos do sistema de saneamento era a de que já cobria quase a totalidade do concelho.A taxa de cobertura de saneamento é de 80 por cento. Mas em termos de tratamento é inferior.Sim. Cerca de 65 por cento. A ideia é alargarmos o acesso a esse tratamento. Ainda há muita fossa séptica e queremos acabar com isso. Em que ano se poderá falar de 100 por cento no que diz respeito ao tratamento dos esgotos?Nunca será 100 por cento. Queremos atingir os 95 por cento em 2014. Já fizeram algumas obras. O que é que isso representa em termos de qualidade de serviço para as pessoas?Houve recentemente uma avaria no sistema. Se não tivéssemos equipamento de telegestão e a rede estivesse como antes, havia parte da cidade que teria ficado sem água pelo menos um dia. Conseguimos evitar uma ruptura. Aconselhou os autarcas a não atrasar o investimento, mas os autarcas também procuram votos…São os dramas das democracias. Agora temos um problema grave de financiamento dos investimentos públicos. Quando puderam ser feitas as coisas fizeram-se outras, como cine-teatros e pavilhões.Podia já ter-se investido nestas redes. Concordo que sim. O que temos que esperar dos políticos é que respeitem os compromissos que assumem.Redução temporária das tarifas criou problemas de tesouraria à empresaA redução temporária das tarifas de água no concelho do Cartaxo, que vai manter-se por um ano até Junho de 2012, de acordo com o que foi aprovado em assembleia municipal, criou problemas de tesouraria à empresa concessionária. Quem o garante é o administrador da Cartágua lembrando que o ajuste de contas entre a empresa e a Câmara Municipal do Cartaxo vai prejudicar a concessionária, que já tinha receita programada.“Não vamos ter as receitas para cobrir os custos de funcionamento e o investimento que contávamos ter. Desequilibrou-nos o nosso plano de tesouraria”, diz o administrador que explica no entanto que a preocupação imediata da empresa foi dar resposta ao repto da câmara que veio na sequência da contestação da população. “Aceitámos um ajustamento temporário das tarifas partindo do princípio que o equilíbrio económico do contrato nunca poderia ser posto em causa. A questão sobre como a câmara iria compensar isso nas rendas ficou para depois”, informa. Miguel Santos Henriques diz que o valor do ajuste ainda não está totalmente quantificado mas esclarece que houve em média uma redução de 10 por cento nas tarifas, excepção para aquelas já subsidiadas. “A operação deu-nos muito trabalho. Não é fácil com todos estes escalões fazer as alterações informaticamente e depois ainda devolver o dinheiro relativo às facturas de Junho e Julho. Vai implicar um maior investimento da nossa parte”. A empresa comprometeu-se com a câmara a antecipar investimentos que não estavam previstos no segundo ano para garantir resultados a mais curto prazo. O gestor reclamou quando recebeu em casa uma conta de água de 350 euros Miguel Santos Henriques é natural do Porto mas reside em Lisboa Quando um dia o administrador da Cartágua, Miguel Santos Henriques, recebeu em sua casa, em Lisboa, uma factura de água de 350 euros para pagar contactou imediatamente a EPAL. Os técnicos da empresa deslocaram-se ao local e perceberam que se tratava de uma fuga. “Se os clientes têm fugas e não se apercebem isso agrava a factura”, conta ao mesmo tempo que aproveita para fazer pedagogia sobre o tema. Nasceu no Porto mas vive em Lisboa, perto do rio, na zona de Alcântara. É quadro do Grupo Lena desde 2004, responsável pela área do ambiente e energia. É também administrador executivo da Tagusgás, em Santarém. Tem 50 anos e começou a sua carreira profissional como professor de macro-economia na Universidade do Porto. Foi docente durante 17 anos. Tem um filho e uma companheira. Viaja até ao Cartaxo pelo menos uma vez por semana para acompanhar mais de perto a equipa técnica e directiva da Cartágua. Almoça na capital do vinho mas confessa que prefere uma coisa leve para acompanhar a refeição. Aprecia o tinto do concelho mas é fiel aos vinhos do Douro.O seu dia começa às 07h00 e não acaba antes das 21h00. “Antigamente no campo as pessoas também trabalhavam de sol a sol. O nosso problema é que com a luz eléctrica temos sol de Verão e de Inverno. Não fazemos o ciclo das estações”, diz com humor. Reserva o fim de semana para a família. Não gosta de ginásios fechados mas faz caminhadas e é sócio do Clube Nacional de Natação. Durante o Verão chega a levantar-se às 06h00 para fazer cross. Gosta de viver no coração da capital onde leva uma vida de bairro. Tem à sua porta mercearia, padaria e talho. Participa nas tarefas domésticas. É filho de uma família numerosa de cinco irmãos, quatro rapazes e uma rapariga, e por isso sempre se habituou a fazer a cama. Admite que não é muito eficiente a passar a ferro e como bom gestor que é opta por delegar a tarefa. A família prefere que lave a loiça e agradece que se mantenha longe do fogão. Veste fato e gravata por comodismo porque já se habituou ao estilo, mas à sexta-feira não dispensa um estilo mais casual.Cartágua vai deixar mercado municipalA Cartágua vai deixar em breve as instalações de atendimento ao público, no Mercado Municipal do Cartaxo, e vai mudar-se para um espaço mais amplo no centro da cidade que ainda está a procurar.A mudança prevista prende-se com a grande afluência de público que o espaço registou ao contrário do esperado. “Vamos dar um sinal de que queremos receber melhor os clientes”, explica o administrador Miguel Santos Henriques. O armazém da empresa funciona nas antigas instalações da Metal 3, na zona industrial. A Cartágua conta com 40 trabalhadores, muitos dos quais estavam já ligados ao ramo quando o sistema estava a cargo da câmara. No primeiro ano de concessão a Cartágua investiu um milhão e 150 mil euros, 800 mil em termos de abastecimento de água e 350 mil na área do saneamento básico. No final do contrato de 35 anos a empresa terá investido cerca de 13 milhões de euros nos sistemas de água e saneamento.

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