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Não há quem pregue olho num hotel por causa das badaladas do sino da câmara

Não há quem pregue olho num hotel por causa das badaladas do sino da câmara

Autarquia de Benavente ignora direito ao descanso e mantém toques de 15 em 15 minutos toda a noite

Está instalada a confusão por causa do sino do edifício da Câmara de Benavente que toda a noite assinala as horas e não deixa dormir os hóspedes de um hotel situado a 50 metros. Alguns habitantes são contra o fim das badaladas e apesar do ruído estar a prejudicar um negócio, o presidente da autarquia diz que tem que fazer um referendo para tomar uma decisão.

A Câmara de Benavente não cumpre a lei do ruído e mantém a funcionar um sino que assinala as horas. O principal prejudicado com as badaladas é um hotel a poucos metros onde os clientes pagam para dormirem descansados e ficam numa pilha de nervos por ouvirem o sino a tocar a cada 15 minutos. O livro de reclamações do estabelecimento está cheio de queixas. Mas mesmo assim o presidente do município, António José Ganhão (CDU), ainda tem dúvidas sobre os incómodos dos toques e quer ouvir a população para decidir se cala ou não o sino. António José Ganhão argumenta que é a primeira vez que recebe uma queixa por causa do sino instalado no edifício da câmara. Os responsáveis do Benavente Vila Hotel, localizado a 50 metros e que abriu em Junho de 2010, querem que o autarca cale o sino pelo menos entre a meia-noite e as seis da manhã, senão qualquer dia o hotel está às moscas porque os clientes não querem passar a noite em sobressalto. O apogeu da barulheira ocorre às 00h00 todos os dias, quando soam 28 badaladas: toca 12 vezes por ser meia-noite, mais doze vezes pelo mesmo motivo e mais quatro por ser hora certa. De 60 em 60 minutos a regra é esta. Passados os primeiros 15 minutos, à 00h15, toca uma vez. À 00h30 toca duas e à 00h45 toca três. Contas feitas, o sino toca de 15 em 15 minutos seja dia ou noite. “Escutar as badaladas do relógio a cada quarto de hora é um martírio. Para não pregar olho”, escreve um espanhol no livro de reclamações do Benavente Vila Hotel. Mas os habitantes mais idosos que se habituaram a ouvir o sino parecem não estar muito incomodados. Maria Lurdes Bernardo mora no Largo do Calvário há 71 anos e assegura que as badaladas nunca lhe tiraram o sono. “Deixem o nosso sino em paz que nunca matou ninguém”, alerta a munícipe que nos dias em que o sono custa a chegar até se entretém a contar as badaladas na cama. “O sino é algo que já pertence a Benavente, nunca ouvi uma única queixa contra o nosso sino e não temos agora de sofrer por causa de visitantes que estão de passagem na terra”, acrescenta Cristina Chitas que trabalha na autarquia e também não quer ouvir falar na ideia de impor o silêncio durante a noite. “Deus nos livre acabar com o relógio da torre. Sempre fez parte da terra e não vamos acabar agora com ele só porque incomoda alguém que está de passagem”. Deolinda Salvador, que mora a escassos metros da câmara, recorda até que das poucas vezes que o relógio esteve calado por avaria era um desassossego. “Parece que a gente nem andava bem porque nos faltava algo”. Para a benaventense que gosta de contar “regaladamente as badaladas” quando o sono não vem, se o relógio já tocava na terra antes do hotel se instalar, não é o relógio que tem de mudar. A directora-geral do hotel, Susana Sousa Lino, reconhece a importância que o relógio tem para a população, mas só pede silêncio entre a 00h00 e as 6h00. “As pessoas que moram aqui já se habituaram, mas quem está de passagem não consegue dormir. Toda a gente tem direito ao descanso”, adverte. Mesmo cumprindo todas as regras de insonorização a nível de quartos, o barulho é audível e cansativo, adianta a directora. “Nem nos passou pela cabeça que a câmara não atendesse de imediato o nosso pedido, até porque não consigo compreender como é que a autarquia vai pedir opinião a moradores que moram longe e não são afectados durante a noite pelo barulho do sino”, repara Susana Sousa Lino, acrescentando que o hotel é uma mais-valia para a terra porque mexe com todo o comércio. Casos de discórdiaNa área de abrangência de O MIRANTE, já surgiram alguns casos onde os sinos tiveram mesmo de ser silenciados. Em Benfica do Ribatejo, um casal pôs um processo em tribunal por causa do toque do sino da igreja situada em Cortiçóis. Depois de quatro anos chegou-se a um acordo judicial, em 2005, entre os queixosos e o pároco da igreja. O sino, que começava a tocar às sete da manhã, passou a dar as badaladas só a partir das 9h00 durante a semana e às 10h00 aos fins-de-semana e feriados. Todos os dias tem que se calar às 22h00. Em 2008 o maior carrilhão da Europa, localizado na Igreja dos Pastorinhos de Alverca, deixou de tocar, depois de os moradores se terem insurgido contra o barulho permanente dos 72 sinos que ornamentam a torre de quase 50 metros. O pároco da altura, José Cortes, decidiu calar de vez o carrilhão e a população começou a mobilizar-se para exigir o regresso dos toques. Os sinos voltaram a assinalar as horas apenas durante o dia. Também a população de Montalvo, em Constância, ficou em polvorosa quando um morador recentemente instalado na aldeia reclamou contra as badaladas na torre da igreja que se ouviam de 15 em 15 minutos. O povo uniu-se e de ânimos exaltados chegaram a colocar em frente ao templo, faixas com dizeres onde manifestavam o seu descontentamento. “Tantos anos a trabalhar/nosso velhinho amigo/Agora querem-te calar/mas o povo está contigo”. O queixoso acabou por retirar a reclamação.Sinos obrigados ao silêncio?Segundo o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro que aprova o Regulamento Geral do Ruído, o período de silêncio nocturno estipulado é entre as 23h00 e as 7h00. O ruído ambiente exterior está sujeito a um valor limite de exposição. São muitos os sinos no país, especialmente os da igreja, que nos últimos anos foram obrigados a calar-se durante a noite, tendo sido invocada para isso a lei do ruído. Tendo em conta que é a primeira vez que surge uma reclamação na Câmara de Benavente, não existe ainda qualquer medição acústica realizada ao sino. António José Ganhão referiu na última reunião de câmara, realizada a 17 de Setembro, que “duvida que as badaladas do relógio constituam algum tipo de infracção” e que a câmara nunca poderá deixar de atender ao que é o “sentir dos munícipes”. Já a vereadora da oposição, Ana Casquinha (PS), socorreu-se da sua qualidade de advogada para manifestar a opinião. “Tenho dúvidas que quaisquer reclamações que surjam contra o fim das badaladas se possam sobrepor ao sossego, tranquilidade e descanso que estão consagrados na constituição”.
Não há quem pregue olho num hotel por causa das badaladas do sino da câmara

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