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A voz grave e tímida de Alves Redol no dia em que confessou a amargura da sua obra

A voz grave e tímida de Alves Redol no dia em que confessou a amargura da sua obra

Museu do Neo-Realismo em Vila Franca recuperou entrevistas do escritor a duas rádios

A face de Alves Redol é sobejamente conhecida mas como era a voz de um dos principais escritores da corrente neo-realista portuguesa? O Museu do Neo-Realismo recuperou duas entrevistas de Redol dos anos 50 e apresentou-as a um auditório praticamente vazio. Sereno, tímido e de voz grave, Alves Redol confessou várias vezes que há “muita amargura” na sua obra literária.

A pobreza da região onde vivia, as condições de vida que conheceu em África e a morte, sobretudo a morte, foram determinantes na “amargura permanente” presente na obra literária de Alves Redol. Quem o admite é o próprio escritor numa entrevista concedida em 1958 ao Rádio Clube Português. O Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira recuperou na sexta-feira, 25 de Novembro, duas entrevistas e declarações do escritor à rádio Paris e ao Rádio Clube Português, no âmbito da programação que assinala o centenário do seu nascimento. A voz de Redol é grave mas clara, com um tom de nervosismo que o faz falar baixo, obrigando o apresentador do programa, Igrejas Caeiro, a “levantar o volume do microfone” para que Redol ficasse ao mesmo nível do apresentador. Poucas pessoas estiveram no auditório para ouvir a voz do escritor vila-franquense que admitiu sentir-se embaraçado com a fama por nunca ter pensado em chegar ao patamar que alcançou com a sua produção literária. “Agora consegui amealhar uns tostões que me permitem ficar parado durante um ano e só me dedicar à escrita, que é o que gosto de fazer. Sempre tive o gosto por escrever, desde miúdo. Também adoro ler mas não tinha muitos livros porque não tinha dinheiro”, admite. Alves Redol defende na conversa com Igrejas Caeiro que um escritor tem de criar uma palete de cores, como se fosse um pintor, para que a tela final seja interessante de ver e descobrir.Na entrevista, Alves Redol lança uma pista sobre um conjunto de apontamentos e notas que andava a tirar para um novo livro a que iria dar o nome de “Serpente de Fogo”, sobre a Estrada Nacional 10 e uma nova auto-estrada que iria nascer ao seu lado e condenar toda a região ao esquecimento. “De um lado teremos os ricos com os seus camiões e os seus carros a circular e do outro lado teremos os pobres, com as suas carroças e a vida saloia a continuar, mesmo ao lado da auto-estrada”, frisava. Mas a tal auto-estrada, a Auto-Estrada nº 1 (Lisboa-Porto), é hoje uma importante variante à nacional, que se encontra sempre com elevado tráfego automóvel.Já em 1958 viviam-se “tempos de incerteza” em Portugal quanto ao futuro. “Só posso desejar paz, trabalho e amor. Que os portugueses tenham espírito de sacrifício para enfrentar os desafios que se aproximam mas acima de tudo que tenham esperança no futuro”, concluiu. As últimas palavras de Alves Redol na rádio, em 1958, continuam actuais.
A voz grave e tímida de Alves Redol no dia em que confessou a amargura da sua obra

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