uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Se eu tivesse vinte anos...

Quase toda a gente gostaria de ser mais nova e saber o que sabe hoje mas ao fim de tantos anos de viver a mesma vida as pessoas também se habituam e já não conseguem desligar-se do que fazem. A situação parece paradoxal mas acaba por ser a garantia de vidas bem vividas. Se não há lamentos nem tormentos, aceite-se o que a vida nos deu. Ficam alguns testemunhos para confrontar com as ideias de quem os lê.

Joaquim Lopes da Silva, 62 anos, comerciante (Malhou (Alcanena)Os copos e a carne assada em cepas pela noite dentroJoaquim Lopes da Silva trilhou um caminho na vida e não se arrepende do que fez. Cedo começou a trabalhar em talhos e tem hoje o talho Mimo, no largo do Rossio, de Pernes, há mais de 30 anos. O comerciante vive no Malhou, Alcanena, mas afeiçoou-se a Pernes desde os 13 anos, e sente que é tão respeitado como o respeito que tem pelos amigos e clientes que o rodeiam. “Ganhei o gosto de trabalhar a carne, de matar o boi, esfolá-lo e grelhá-lo. Tenho ainda bem claro na minha mente a cena do primeiro bovino que matei, quem estava ao pé de mim e quem me ensinou”, recorda.Joaquim Lopes da Silva lembra-se também bem da Feira de Pernes, apesar de sempre ter tido pouco tempo para se deslocar. Ficava mais pelo largo do Rossio onde recebia os amigos a quem dava carne e todos bebiam em convívio. A carne grelhava-se na rua em cima de troncos de oliveira, situação que a junta pretende recriar este ano.Os dias festivos acabavam em diversão, algumas vezes mais tremida. “Lembro-me de ficar sábados até às duas da manhã a comer e beber aqui em frente ao talho com o pessoal que se juntava. Num desses dias apanhei três bebedeiras. Uma de trabalho, de tanta gente que aparecia, outra do vinho que fui bebendo com os amigos que foram aparecendo e a terceira bebedeira, do sono, porque às seis da manhã já tinha de estar de pé”, recorda com um sorriso o comerciante. Outra memória da feira é a de ter ido aos antigos bombeiros buscar uma 4L e acordar sentado no lugar do condutor, com porta aberta e uma perna de fora. Só o soube após duas horas de sesta, tal era o cansaço.Maria Ermelinda Martins, 52 anos, florista, PernesOs 20 anos passados entre as barracas das bruxas e as barracas de quinquilharias“Se tivesse outra vez vinte anos a minha vida seria feita noutro lado porque Pernes é um dormitório das pessoas que trabalham em Santarém ou Alcanena. Não há empregos novos e as grandes superfícies e os chineses acabaram com o resto”, diz a florista, com loja no largo do Rossio. Mas o desabafo é só desabafo, Nada mais. Pernense de gema, admite que seria difícil deixar a terra agora. Afinal e apesar de ter perdido alguns serviços, ainda é das localidades à volta que muita gente se desloca para ir ao banco, aos correios, ao multibanco, ao posto de combustível ou ao supermercado. Rodeada de flores diversas, Maria Ermelinda Martins só não gosta que a feira tenha mudado para o actual recinto, na parte baixa da vila, e dos três dias de feira. “Para que são três dias de cartaz se a feira é só dia 8? O que era típico em Pernes era ter à porta o talho ou o café a cepas para grelhar a carne. Quem é que virá se a feira é lá em baixo?”, questiona a moradora e comerciante.Os 20 anos de feiras passadas foram vividos nos carrinhos de choque, nas barracas de quinquilharia e a entrar nas tendas das bruxas e videntes para tentar saber o que o futuro lhe reservava. O baile na Sociedade da Música Velha, que ainda se mantém, era outra das diversões. “Na nova feira acabo o meu trabalho e vou sempre lá dar uma volta e almoçar nas tasquinhas das nossas associações”, conclui.Emílio Rodrigues, 78 anos, comerciante, PernesAs meninas das tirinhas e os cavalos do carrossel“Se eu tivesse vinte anos e soubesse o que sei hoje talvez não estivesse sempre nesta cadeia de porta aberta”, desabafa Emílio Rodrigues junto ao balcão de madeira da sua loja de ferramentas, ferragens e tintas à beira da EN3, em Pernes. Logo a seguir confessa que agora já não consigue desligar-se do contacto com o público.Saiu da “prisão” da escola e entrou para a prisão do comércio. Os 20 anos, por volta dos anos 60, ficam também marcados pelos bailes e namoricos nas duas sociedades recreativas da vila _ a Música Velha e a Música Nova. “Havia ensaios das bandas do teatro e nos bailaricos costumava variar de par. Mesmo depois de começar a namorar a minha mulher tinha que ir à outra colectividade onde ela não ia e arranjava outros pares”. Às meninas de fora chamavam as meninas das tirinhas, quando iam às barracas dar tirinhos. As moças que vinham de Vila Franca de Xira também eram bem-vindas e faziam todas as feiras da região, de Rio Maior à Golegã, do Cartaxo a Santarém. “Lembro-me ainda que na feira existiam os primeiros carrosséis. Em miúdos brincávamos aos cavalinhos, montados no carrossel. E cada miúdo via qual é que chagava primeiro à mesa sem sairmos do mesmo sítio”, evoca com um sorriso o comerciante.

Mais Notícias

    A carregar...