“Em vez de ter uma empresa a cortar erva tenho ovelhas que pastam à volta de casa”
César Martins, 46 anos, médico dermatologista, Santarém
O médico dermatologista César Martins tem 46 anos. É casado com uma médica com quem trabalha no hospital e na clínica privada que os dois criaram. É aos dois filhos que dedica todos os tempos livres. Não trocaria Santarém por outra cidade. Tem a sorte de morar no campo e na cidade ao mesmo tempo. Em vez de contratar uma empresa para cortar as ervas que crescem nas imediações da casa de família optou por ter um rebanho de ovelhas que recolhe com a ajuda dos filhos.
Em vez de ter uma empresa a cortar erva tenho ovelhas que pastam à volta de casa. Cheguei a ter um pomar com mil árvores. Começou a dar muito trabalho e pouco rendimento. Um ano deu 20 toneladas de fruta. Troquei o pomar pelo prado. Como as ervas estavam sempre a crescer pus-lhe umas ovelhas em cima e agora parece um campo de golfe. É preciso soltá-las e recolhê-las. Faço isso quase todos os dias com a ajuda dos meus filhos. As ovelhas morrem de velhas. Não têm outro destino. Tenho a sorte de morar no campo e na cidade ao mesmo tempo. A minha casa fica a um quilómetro de Santarém. Demoro cinco minutos a chegar ao hospital e dois a chegar à cidade. Nasci no edifício dos Correios em Santarém. O meu avô era chefe da estação. O meu pai estava na tropa e a minha mãe estava em casa dos pais quando entrou em trabalho de parto. Nasci com a ajuda do Dr. Barros e Cunha, um obstetra que deve ter ajudado a nascer metade das pessoas de Santarém. O meu pai é juiz. Trabalhou na Procuradoria Geral da República e foi até ao Supremo Tribunal. A minha mãe tirou o curso de letras. Trabalhou num banco e deu aulas. Em Lisboa vivi num prédio de magistrados. Estive em Santarém até aos seis anos e depois fui para Lisboa porque os juízes tinham uma vida itinerante. Fiz lá amigos. O prédio era do Ministério da Justiça e estava numa zona que tinha famílias problemáticas. A ideia era trabalhar a integração misturando classes sociais. As crianças acabavam por aproximar-se. Vi de perto os problemas da droga. Conheci miúdos perdidos. Notava-se as diferenças daquilo que tínhamos. Oferecia alguns dos meus brinquedos. A partir dos 15 anos muitos seguiram caminhos complicados. Alguns morreram com overdoses. Foi traumatizante mas fez-me perceber que as pessoas são também produto do sítio onde estão e da família.Escolhi dermatologia porque não queria abrir barrigas. Queria uma coisa mais suave que incluísse também a parte cirúrgica. A dermatologia conciliava isto. Trabalho no Hospital de Santarém e na clínica que criei com a minha esposa, a ginecologista e obstetra Helena Esteves. Escolhi medicina mesmo em cima da hora. Durante muito tempo quis engenharia. Direito sabia que não porque via muitos livros em casa. Tive sorte porque escolhi aquilo que gosto. Gosto de chegar a casa e ouvir os meus filhos a tocar. Relaxa-me muito no final do dia ouvir um tocar piano e outro viola. Ter tempo para os meus filhos, de 11 e 15 anos, ao final do dia e aos fins de semana é a minha prioridade. Quando andava na faculdade praticava karaté mas agora não faço exercício.Se tiver que aspirar a casa não me caem os parentes à lama. Não sei fazer tudo mas consigo viver sozinho e cuidar dos meus filhos. Faço as camas e se for preciso lavo a loiça e a roupa. Sempre achei que a igualdade imposta pelos partidos com as quotas era artificial. A igualdade não precisa de ser imposta. Na faculdade de medicina há mais médicas do que médicos. Na magistratura as mulheres já são mais numerosas do que homens. Há trinta anos isso era impensável. Gostava de saber se os apóstolos que andaram a pregar com Jesus Cristo largaram a família. Tenho lido vários livros sobre teologia e ainda não encontrei resposta para isso. Não acredito que nenhum dos apóstolos não tivesse família. Provavelmente o sacrifício deles, deixar a família, seria aquele que não devia ser pedido segundo aquilo que a Igreja advoga. Até podiam ter deixado a profissão e os bens, o que estaria de acordo com o que se professava. Não trocava Santarém por outra cidade mas esta terra precisava de alguém forte que fosse de cá. Santarém merecia ter uma pessoa de espírito aberto não para se servir da cidade mas para servir a cidade. As pessoas agora vão para a política para receber. O objectivo deveria ser o bem comum. Quando recebo chamadas desconhecidas atendo sempre. Dou o meu número de telefone aos doentes. Se não me telefonarem fico descansado porque é sinal de que as coisas estão bem. Aquilo que nós somos depende de nós próprios. Com uma mente aberta e criatividade tudo é possível. Deve lutar-se por aquilo que está certo levando essa ideia avante com respeito pelos outros. A coisa que mais ganhei nos últimos anos foi a tolerância. Durante algum tempo fui muito intolerante, o que me tornava muito rígido. Tinha dificuldade em aceitar os erros dos outros. Se fazia bem uma coisa não compreendia por que é que o outro não o haveria de fazer também. Todos os anos faço uma viagem ao estrangeiro em família. Andamos a conhecer as capitais da Europa. Tenho muitas saudades da minha infância quando ia com os meus pais e os meus avós um mês para a praia. Agora já ninguém tira um mês inteiro de férias.Ana Santiago
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