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O homem que contratou Eusébio para o União de Tomar

Fernando Mendes era presidente do último clube que o “Pantera Negra” representou nos relvados nacionais

Ex-dirigente diz que pagou com cheques seus a contratação do futebolista, que auferiu 50 ou 60 contos por mês entre Dezembro de 1977 e Março de 1978. Fez nove jogos e marcou 3 golos no campeonato nacional da segunda divisão.

Eusébio da Silva Ferreira pode já não se recordar de quantos jogos fez ao serviço do União de Tomar, mas Fernando Mendes lembra-se bem de como conseguiu trazer o “Pantera Negra” para jogar futebol no clube da cidade do Nabão, entre Dezembro de 1977 e Março de 1978, quando se encontrava de férias do campeonato norte-americano onde jogava no Cosmos de Nova Iorque.Foi em Tomar, a jogar no campeonato nacional da segunda divisão, que o mítico atleta de origem moçambicana, hoje prestes a completar 70 anos, se despediu da alta competição nos relvados nacionais. A sua passagem por Tomar foi influenciada pelo seu amigo e ex-companheiro do Benfica António Simões, na altura treinador-jogador da equipa nabantina, que deu uma ajudinha na sua contratação. Fernando Mendes era o presidente do clube e recorda a reunião em Lisboa onde acertou o contrato com Eusébio e os ordenados pagos com cheques da sua conta pessoal. Na altura, o futebolista auferiu 50 ou 60 contos por mês, uma boa soma para a época mas bem longe das fortunas que hoje ganha um atleta de topo.“Combinámos um encontro em Lisboa no escritório da pessoa que tratava das coisas do Eusébio, que era o sr. dr. Paiva das Neves, e conversámos sobre a possível vinda do Eusébio para cá uns tempos”. O “Pantera Negra” aceitou o desafio, mas impôs uma condição. Fernando Mendes revela: “O Eusébio disse-me: atenção sr. Fernando, quem me passa os cheques é o senhor e os cheques são seus. Ele não queria cheques do clube”.Dada essa garantia ficou fechado o negócio. “Eusébio ganhava nesse tempo à volta de 50 ou 60 contos por mês. Passei os cheques para cada mês, que foram respeitados e pagos integralmente por mim. Praticamente aguentei aquilo tudo sozinho”. Nesse processo reparte os louros com José Júlio Garcia, “homem incansável” que colaborou na contratação e que tinha um grande amor ao União de Tomar. Se fosse hoje, diz, Eusébio só jogaria nos campos dos adversários quando ele decidisse, “porque assim foram outros clubes que ganharam com isso, porque era sempre casa cheia”. Foi isso que aconteceu em Santarém, em Leiria e noutros locais. Eusébio e Simões transformaram-se em atracções em campos que não estavam habituados a receber estrelas desse calibre. “Não há dúvida que a vinda do Eusébio resultou alguma coisa e deu algumas alegrias à malta de Tomar. Num jogo com o Cartaxo, do meio da rua, meteu a bola dentro da baliza no sítio que ele queria”, recorda.Durante a sua passagem por Tomar, Eusébio pouca vida fez na cidade para além de alguns treinos e jogos. Vinha de Lisboa e regressava no mesmo dia com António Simões, embora tivesse um quarto num hotel para poder utilizar quando quisesse. E como era o relacionamento com Eusébio? “Ele era o rei do futebol e eu era um dirigente de um clube pequeno”, diz com humildade. Mas Eusébio não tinha tiques de vedeta, assegura. “Dentro do balneário era uma família, davam-se todos bem e eram todos respeitados da mesma maneira”. Presidia ao União e à Gualdim Pais ao mesmo tempoNessa altura Fernando Mendes, dono de uma agência funerária na cidade, estava no cargo de presidente do U. Tomar há já quatro ou cinco anos e liderava também a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais. Não lhe faltava que fazer. “Tinha que me dividir. Por vezes estava numa reunião na Gualdim Pais e iam-me chamar para vir para o União e vice-versa. Lá fui dividindo o tempo porque gostava das duas colectividades”.Fernando Mendes hoje está mais desligado da vida associativa mas permanece fiel ao clube. E lança o apelo aos tomarenses para que apoiem mais o histórico emblema. “Sempre fui e sou um sócio amigo do União de Tomar. Sempre que podia, ou o União precisava de mim, eu ajudava. É preciso os associados convencerem-se que para o clube existir devem acompanhar a sua vida e terem consciência da falta de dinheiro com que se confronta. Eu apercebi-me dessa falta e tive a coragem de não dizer que não quando me convidaram”. Mas se fosse hoje, diz, “pensaria três ou quatro vezes”.Longe vão os tempos de fulgor do clube, que teve três passagens pela 1ª divisão nacional nas décadas de 60 e 70 do século XX. Uma história que dificilmente se repetirá. “Faz falta a Tomar essa vida do União de Tomar, mas as dificuldades presentemente são muitas e aqueles que tinham carolice pouco a pouco vão-se afastando. Talvez fosse esse o meu caso. Afastei-me. Não quero desafiar ninguém dos comerciantes cá da terra, mas lamento ter que dizer que há comerciantes em Tomar que nessa altura em que lá estava nem sócios eram do clube. Ora, se não pagam como é que podem ter futebol?”.Votos de rápidas melhoras para o “amigo” EusébioEusébio tem-se confrontado com problemas de saúde nos últimos tempos e Fernando Mendes aproveita a conversa com O MIRANTE para lhe desejar rápidas melhoras, ou não o considerasse um amigo. “Espero vê-lo cá em Tomar mais algumas vezes, quanto mais não seja para almoçar ou jantar”. Depois desses tempos já esteve com Eusébio várias vezes em Tomar e em Lisboa, quer na sua residência quer no Estádio da Luz, já que ambos partilham a paixão pelo Benfica. “Mostrou-me os troféus lá em casa e convidou-me para levar os netos, que na altura eram miúdos, para ver a sala de troféus. É uma pessoa muito simpática e a mulher também”.Os números de Eusébio no União de TomarNuma entrevista recente dada ao semanário Expresso, Eusébio desvalorizou a passagem pelo Beira-Mar e por Tomar no final da sua carreira e disse que tinha feito apenas dois jogos pelo União. Mas as contas de Fernando Mendes e do clube são outras. E até estão disponíveis na Internet, no site do clube, os adversários que Eusébio defrontou com a camisola rubro-negra, as datas e os golos que marcou. Fica o registo para os mais curiosos: Eusébio fez nove jogos ao serviço do U. Tomar, sete deles oficiais em que defrontou o Beira-Mar, Sp. Covilhã, Peniche, U. Santarém, Cartaxo, Portalegrense e Marrazes. Foi nesta localidade próxima de Leiria que fez o último desafio oficial em Portugal, despedindo-se com um empate a zero que condiz pouco com a sua carreira de artilheiro. Pelo emblema tomarense marcou 3 golos, dois ao Cartaxo de livre directo e um ao Peniche. O U. Tomar ficaria em quarto lugar nessa época, falhando o ambicionado regresso à primeira divisão.

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