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Estado dos fontanários públicos são um espelho da desertificação do meio rural

Estado dos fontanários públicos são um espelho da desertificação do meio rural

“As fontes estão velhas, degradadas e abandonadas tal como muitas pessoas nos meios rurais”, considera Pedro Costa, presidente do Núcleo do Médio Tejo da Ordem dos Arquitectos.

Seja qual for a sua forma, tamanho ou feitio, a maior parte dos fontanários públicos não tem hoje qualquer préstimo, a não ser por motivos patrimoniais e históricos. Numa breve ronda pelos concelhos de Tomar e Abrantes, notámos que a maioria das fontes tem uma indicação a dizer que a água não é submetida a análise. O mesmo se passa noutros concelhos da região, como Santarém. Retratos de um tempo em que a água canalizada era uma miragem e no qual os fontanários constituíam pontos de encontro da comunidade que ali se cruzava para ir buscar água ou lavar a roupa.“As fontes estão velhas, degradadas e abandonadas tal como muitas pessoas nos meios rurais”, afirma Pedro Costa, presidente do Núcleo da Ordem dos Arquitectos do Médio Tejo. A sua preservação depende em grande parte, na opinião deste arquitecto, da dinâmica de uma comunidade. “As fontes, como os coretos, são o sinal visível das populações que ocupam os locais. O problema com o qual nos deparamos hoje é que as comunidades estão envelhecidas, com os costumes a desaparecer. E as pessoas, se antes tinham a tradição de fazer alguma coisa em conjunto pela sua aldeia, agora, em virtude da desertificação, tal já não acontece”, sustenta. Manuel Baptista Anjo, morador em Alverangel, São Pedro, perto do Castelo de Bode, lamenta que os dois fontanários da localidade tenham desaparecido. “Um deles, devido a obras da junta, foi deslocado para junto da estrada e, neste momento, está seco. O outro está dentro da vila, mas desprezado”, lamenta o habitante, acrescentando que este último “tem tantas silvas que os mais jovens nem sabem que existe”. Manuel Baptista Anjo está indignado porque considera que os fontanários são património de toda a gente e que antes providenciavam água de nascente e potável. António Vicente, presidente da Junta de Freguesia de São Pedro de Tomar, refuta estas acusações e diz mesmo “se há junta que se preocupa com as fontes é a de São Pedro”. A rota das fontes como atracção turísticaO autarca explica que uma destas fontes estava situada num terreno privado e a proprietária meteu um processo em tribunal porque queria acabar com a fonte. “Chegámos à conclusão que era uma fonte pública desde tempos imemoriais pelo que não poderia ser retirada às pessoas e, na sequência de um acordo, determinámos deslocar a fonte para a extrema da propriedade, onde está agora”, refere. Numa outra, conhecida como Fonte do Valinho, começaram a aparecer uns bicharocos na água pelo que a junta teve que substituir o tanque por um depósito de inox para evitar o problema. Foi a quarta vez que a Junta de Freguesia de São Pedro foi chamada a Tribunal para defender a manutenção de fontes públicas em terrenos privados.António Vicente diz ainda que a junta efectuou um levantamento e encontrou 26 fontes tradicionais, algumas com rodas a manivela, sendo que apenas duas ou três ainda funcionavam. “Temos vindo a apostar na sua recuperação e, neste momento, temos já cinco a funcionar, devidamente pintadas, com os banquinhos e o piso arranjado. Vamos continuar a recuperar as outras, pouco a pouco, porque queríamos criar uma rota das fontes para dar a conhecer o património da freguesia, atraindo turistas”, acrescenta. O arquitecto Pedro Costa salienta “o valor inquestionável” das fontes, símbolos concretos da história das pessoas e da maneira como viviam e conviviam. “A água é sinónimo de saúde e energia. As fontes têm uma forte simbologia porque se assim não fosse como se explica que, apesar dos avisos, muitas pessoas continuem a preferir a água das fontes à da rede pública”, atesta. “Não vale a pena recuperar os fontanários porque até podem ficar cuidados durante um ou dois anos mas essa não é a solução sustentável”, refere Pedro Costa, evocando que a mesma passa pela introdução de medidas políticas de combate à desertificação e, posteriormente, que sejam tomadas medidas de protecção ao património e pessoas que se interessem por esta causa. Para o arquitecto de Abrantes se não for invertida a lógica da desertificação dos meios rurais, todo o património corre o risco de ficar ao abandono. “A saúde do património está ligada à saúde das povoações. Nota-se nos seus equipamentos públicos, nas fontes, nos eventos que acontecem, na vivência dos lugares e na dinâmica das associações”, defende.O fotógrafo de fontesA degradação dos fontanários que são património público indignou Luís Ribeiro, um tomarense de 36 anos que trabalha no Centro Náutico do Castelo de Bode. Há três ou quatro meses agarrou na máquina fotográfica e decidiu inventariar cada fonte que encontra, tomando notas acerca do seu estado de preservação. “A água é um bem essencial a toda a gente e apercebi-me que as fontes estavam desprezadas, o que me indignou. Resolvi ir ver quais eram fontes que estavam em boas condições e as que não estavam”, conta a O MIRANTE. Pelo caminho, encontrou alguns populares que lhe foram contando histórias sobre essas fontes e pesquisou na internet informação adicional.Luís Ribeiro diz que de todas as fontes que encontrou a que mais o impressionou foi a de Porto da Lage, Madalena, “rica em beleza e arquitectonicamente mas muito desprezada” e que também ficou encantado pela beleza da fonte de Nossa Sra. da Conceição em Carrazede, Paialvo. Descobriu ainda que todos os anos passam pela Fonte de Ceras, na freguesia de Alviobeira, que encontrou bem preservada, cerca de duas mil pessoas uma vez que este local faz parte do roteiro dos caminhos de Santiago de Compostela. Em termos arquitectónicos, destaca as fontes mais recentes, à manivela, que proliferam na freguesia de Casais, Além da Ribeira, Olalhas e Santa Maria dos Olivais. E do lote de fontes, conta que encontrou uma “Fonte dos Namorados” recuperada no muro dos Pavilhões da FAI, a dois quilómetros da cidade de Tomar, pelo funcionário da câmara municipal, Leonel António. Ali podem ler-se alguns versos do mesmo: “A água desta fonte/ É imprópria para beber/ Escorre de um monte/ Sem se da origem saber; Pode as mãos lavar/ Pode-se refrescar/ Pode chapinhar/ Pode junto a ela namorar”.Ainda se lava roupa à mão em tanques públicosNos dias que correm ainda é possível encontrar algumas pessoas a lavar roupa, em tanques, como é o caso de Maria Amélia da Graça, 74 anos. Com uma barra de sabão azul e branco, encontra-se sozinha a lavar, com destreza, alguns lençóis no tanque que está situado junto à fonte de São Miguel, freguesia de Carregueiros. Com data de construção anterior a 1885, foi totalmente recuperada pela junta de freguesia, em 2010. Um investimento de 40 mil euros que saiu directamente dos cofres da junta mas que, de acordo com o presidente desta autarquia, José Serra, valeu cada cêntimo.“Depois do Aqueduto dos Pegões e da Igreja Matriz, esta fonte é o terceiro monumento mais importante de freguesia”, refere José Serra. O autarca conta que esta fonte ganhou fama nos anos 30 e 40 devido ao poder miraculoso das suas águas. “Morava aqui uma senhora, D. Josefa Ferreira, que levava à fonte as crianças que tinham doenças de pele. Fazia uma reza, passava-os por água, mudava-lhes de fato e os meninos ficavam curados”, recorda. Mais recentemente, quando andava a tratar das obras de recuperação da fonte, surgiu-lhe um casal de Penafiel, com três filhos, vindos de Fátima. “Vieram com a indicação de passar na Fonte de São Miguel de Carregueiros para banhar o filho, que tinha uma doença de pele. E deixaram 20 euros como forma de agradecer”, conta, acrescentando que “as pessoas de Carregueiros têm muito orgulho na Fonte de São Miguel”.
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