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“Não sou capaz de trabalhar sentada”

“Não sou capaz de trabalhar sentada”

Emília Simões, 61 anos, Odontologista, Tomar

Nasceu em Tomar a 25 de Agosto de 1950. Era apenas uma criança quando ficou fascinada com o que viu no consultório de um estomatologista. Ainda longe de sonhar que iria ser dentista, foi como assistente dentária que trabalhou quando, por volta dos vinte anos, foi estudar para Lisboa. Há mais de 30 anos abriu um consultório na sua terra natal e hoje reconhece que acertou na profissão, pois gosta muito do que faz. Dotada de uma grande sensibilidade, é casada e tem um filho de 18 anos que adoptou após ter visitado uma instituição. Acredita que é Deus que a faz seguir em frente, apesar de todas as provações que a vida já lhe ditou.

Com tudo o que já me aconteceu, eu escrevia um livro da minha vida. Vou buscar a força a Deus para enfrentar as adversidades da vida. Tive vários problemas que ultrapassei porque acho que só pode ter sido Deus a ter-me ajudado. Acredito que Ele tem estado sempre presente, ao meu lado.Um dia fui acompanhar uma tia que foi fazer um tratamento dentário e lembro-me de ter pensado que gostava de ter aquela profissão. Devia ter doze ou treze anos mas estava longe de sonhar que era realmente o que iria acabar por fazer. Com cerca de 20 anos fui estudar para Lisboa e proporcionou-se trabalhar num consultório de um odontologista. O médico faleceu e, sem emprego, decidi que tinha que fazer qualquer coisa. Antes de começar a trabalhar sozinha, trabalhei com um médico mas não me entendi com ele. Foi quando optei por abrir um consultório numa casa que tinha na Rua da Cascalheira. Vivo para o meu filho e marido. Tenho pouco tempo para mim. O meu filho tem 18 anos e foi adoptado com seis. Penso que hoje dá valor ao que fiz por ele e ao que ganhou por ter sido retirado daquela instituição. Se pudesse tinha adoptado outra criança. Sou muito caseira. Aos fins-de-semana gosto de estar em casa, no meu canto, a ler. Gosto de viajar. Normalmente tiro uma semana de férias no Verão e vou para fora do país. Sou uma pessoa muito sensível. Quando era assistente dentária presenciei situações que me arrepiaram porque antigamente as coisas passavam-se de outra maneira. Sempre procurei dar o meu melhor. Tento estar primeiro do lado de quem está sentado na cadeira e só depois do meu lado. Gosto do trabalho que estou a fazer e de ver as pessoas satisfeitas com o resultado desse trabalho. Tenho-me dado bem e feito muitas amizades.Costuma-se dizer que quem não arrisca não petisca e eu arrisquei. Sou dentista há mais de 30 anos. Tenho uma cliente amiga que tem um filho formado em medicina dentária. Ele quis que a mãe fosse ver o consultório e ela disse-lhe que sim mas que não trocava a sua dentista enquanto fosse viva. São coisas agradáveis de ouvir. Comecei muito bem, continuei bem e só é pena que agora, com esta crise, não continue igual mas a crise é geral. Tento pôr as pessoas muito à vontade antes de começar a trabalhar. Se vejo a pessoa mais nervosa ou ansiosa não faço nada sem a tranquilizar primeiro. As pessoas quem vêm ter comigo pela primeira vez normalmente chegam magoadas por uma má experiência e recomendadas por terceiros. As crianças não compreendem tão bem o que é estar num dentista. Recorro a alguma psicologia para lidar com elas.Neste trabalho a primeira coisa que encontramos é o medo. Tive uma cliente que tinha que fazer a extracção dos dentes todos e, muito aflita, disse-me que desmaiava a cada dente que tirava. Dizia que o que mais a apavorava era a anestesia mas assegurei-lhe que não tinha porquê uma vez que não a picava. Nunca desmaiou. São pequenas mentiras que dizemos mas facilitam o trabalho. Invisto sempre numa boa anestesia. De estar tantos anos na mesma posição em pé ganhei uma hérnia e fui operada à coluna. Há sete anos fui proibida de trabalhar tantas horas seguidas sem fazer um intervalo pelo meio. Agora só trabalho da parte de tarde. Não sou ambiciosa. Abri o consultório confiante de que iria ser muito procurada mas desde que desse para pagar o investimento que tinha feito e mais qualquer coisa estava satisfeita. Não sou capaz de trabalhar sentada e os trabalhos complicados são os que gosto mais de fazer.Trabalho mais com o coração do que com a cabeça. Gosto de ajudar e nesta altura de crise ajustei os preços. Tive o caso de uma pessoa, minha conhecida, que encomendou um aparelho corrector dentário para a filha. Fiz o trabalho mas como a menina não o quis usar, a mãe levantou-se e foi-se embora sem pagar o serviço. Fui com o caso para Tribunal não por uma questão de dinheiro, por uma questão de justiça. Elsa Ribeiro Gonçalves
“Não sou capaz de trabalhar sentada”

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