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Um estudioso ao serviço das singulares tradições da Glória do Ribatejo

Um estudioso ao serviço das singulares tradições da Glória do Ribatejo

Roberto Caneira é presidente da Associação de Defesa do Património Etnográfico e Cultural há cerca de 15 anos

Licenciado em História e com uma pós-graduação em Museologia, Roberto Caneira é presidente da Associação de Defesa do Património Etnográfico e Cultural de Glória do Ribatejo há cerca de 15 anos. É técnico superior de História no Museu do Rio, em Salvaterra de Magos. Apaixonado pelas tradições e cultura da terra onde nasceu foi com naturalidade que assumiu a presidência da colectividade. Na sua opinião, a obra de Redol sobre Glória do Ribatejo é um importante repositório para a localidade.

A que se deve todo este fascínio por essa area em que se formou?Em primeiro lugar porque nasci na Glória do Ribatejo. É muito difícil não reparar na história local e na antropologia que esta localidade tem. Desde criança que gostava de observar as pessoas a irem para o campo trabalhar a terra. A indumentária da mulher gloriana também é muito importante para percebermos a riqueza do nosso passado e das nossas tradições.Quando começou a sua ligação à Associação?O primeiro núcleo museológico da Glória foi inaugurado quando eu tinha 14 anos e já nessa altura tinha noção da importância de uma casa tradicional. Recordo-me da importância patrimonial que esta habitação representaria porque é um exemplar da arquitectura gloriana.Diz-se que o povo da Glória do Ribatejo é oriundo da Beira Litoral e Estremadura. Que memórias guardam desses antepassados?Fala-se muito na ligação à Nazaré sobretudo pelas vestes da mulher gloriana e da mulher nazarena que são muito semelhantes. A mulher gloriana veste sete saias como as nazarenas. Também as viúvas nazarenas colocavam uma saia costurina pela cabeça para esconder o corpo à semelhança da mulher de Glória do Ribatejo. Mas a Glória também tem outras influências.Quais?Por exemplo, as casas de habitação sofrem influências alentejanas. Os bordados a ponto cruz são idênticos aos do Minho. A que se deve esta conjugação de influências de locais diferentes?A Glória quando foi criada no século XIV teve isenção militar até meados do século XIX, o que contribuiu para fixar pessoas na terra. Depois também houve uma tradição histórica importante para esta cultura tão tradicional da Glória.Que tradição histórica foi essa?A endogamia. As pessoas da própria terra casavam entre si. É uma espécie de costume nobre em que casavam famílias entre si com o objectivo de aumentar o património. Na Glória do Ribatejo estamos a falar de uma casta mais baixa mas, ao casarem com pessoas da própria terra aumentavam o património e não apareciam pessoas de fora. Esta endogamia, que durou cerca de três ou quatro séculos, criou nesta freguesia uma espécie de protecção invisível que manteve esta cultura que chegou aos nossos dias.Daí o bairrismo tão conhecido dos glorianos.Talvez venha daí o tão falado bairrismo da Glória (risos). Esse bairrismo também se deve ao facto da população ter estado tanto tempo isolada do mundo exterior devido à isenção militar da população.Esse isolamento foi positivo?Em termos históricos e etnográficos foi positivo porque conseguimos manter uma cultura muito peculiar que chegou aos nossos dias. Mas também pagamos a questão do isolamento. Quem não tinha dinheiro não tinha acesso à escolaridade. É o reverso da medalha.Obra de Alves Redol é repositório importante para a aldeiaO Museu da Glória do Ribatejo foi criado com o objectivo de mostrar as tradições e costumes do povo gloriano. O responsável do museu afirma que trabalham muito com o público escolar sobretudo os alunos do concelho de Salvaterra de Magos. Roberto Caneira considera que este espaço, e a casa, são um dos pontos turísticos mais interessantes do concelho. Não têm condições para ter o museu sempre aberto mas quando aparecem visitantes, um funcionário da junta vai abrir o espaço. As entradas são gratuitas.Que importância teve a obra de Alves Redol, “Glória - uma aldeia do Ribatejo” para a existência do museu e do desenvolvimento da terra?A obra de Alves Redol é um repositório muito importante para a freguesia e é curioso que passados 70 anos continua a ser um livro actual no que respeita à história da Glória. Quando se fez o núcleo museológico, a primeira obra onde fomos buscar alguma influência para sabermos como era o interior de uma habitação foi precisamente à obra de Alves Redol. Sempre que os estudantes universitários estão a fazer trabalhos sobre a Glória e procuram informação a primeira coisa que lhes pergunto é se já leram a obra de Alves Redol que deu uma grande projecção à Glória. É quase como uma homenagem à nossa terra.Os glorianos visitam o museu com regularidade?Sim. Infelizmente não conseguimos ter uma pessoa a tempo inteiro no museu mas temos um protocolo com a junta de freguesia e sempre que alguém de fora, ou mesmo da terra, quer visitar o museu um funcionário da junta vem cá e abre a porta.As escolas da região vêm visitar o museu e a casa?Trabalhamos muito com o público escolar, sobretudo com as escolas do concelho de Salvaterra de Magos, para que venham cá ver as exposições temáticas que realizamos todos os anos e possam conhecer as suas origens e tradições.Também existe essa interacção com as escolas de outros concelhos?É mais difícil, em especial a comunidade escolar, mas há pessoas, mais velhas, que sobretudo durante o Mês da Enguia, que se realiza agora, vêm provar a nossa gastronomia e os locais de interesse do nosso concelho e dão um salto à Glória para conhecer o museu e a casa. Em termos turísticos, o que representa esta casa para a aldeia?É muito importante. É um dos pontos mais interessantes, senão o mais interessante, do ponto de vista turístico e histórico.Onde vão buscar o vosso espólio?Todo o espólio - com cerca de duas mil peças e que todos os anos aumenta - é doado por pessoas da terra. A associação não comprou nenhuma peça. Antes da exposição contactamos algumas pessoas, elas mostram interesse. Devolvemos muitas peças mas muitas pessoas doam-nos o que nos cria alguns problemas de espaço.Transmitir o legado cultural aos mais novosRoberto Caneira nasceu a 10 de Junho de 1974 na Glória do Ribatejo, concelho de Salvaterra de Magos. Foi dos últimos a nascer nas instalações da antiga Raret, posto de transmissão de rádio americano que possuía uma enfermaria onde as crianças daquela localidade ribatejana nasciam.Licenciado em História e com uma pós-graduação em Museologia, Roberto Caneira é presidente da Associação de Defesa do Património Etnográfico e Cultural (ADPEC) de Glória do Ribatejo há cerca de 15 anos. É técnico superior de História no Museu do Rio, no Cais de Interpretação da Vala Real, em Salvaterra de Magos, onde trabalha também há 15 anos. A associação é responsável pelo museu etnográfico e a casa modelo onde se mostra como eram as casas da Glória há meio século.Quando entrou para a Universidade de Évora já estava ligado à ADPEC por isso foi com naturalidade que surgiu o convite para dirigir a associação local. Diz que ainda é capaz de fazer mais um ou dois mandatos mas que depois pretende passar a “pasta” a outro. “É difícil conciliar o trabalho, a família e ainda a associação sobretudo nos meses antes da inauguração da exposição. Dá muito trabalho preparar tudo e a minha família, sobretudo os meus dois filhos, precisam da minha atenção”, explica o presidente da associação que, actualmente, conta com cerca de 800 sócios.A ADPEC foi criada em 1986 numa altura em que estavam a desaparecer os últimos carros de bois e carroças e a mulher começou a vestir de maneira diferente. O objectivo da associação é conservar, recolher e assegurar o legado para as gerações futuras conhecerem os costumes dos seus antepassados que vão desaparecendo. “Esta ruralidade está a desaparecer e é importante mostrar aos mais novos como era a sua terra há 50 anos”, diz a O MIRANTE durante a entrevista que se realizou no museu local.A próxima exposição, a inaugurar em Agosto durante as Festas em Honra de Nossa Senhora da Glória, vai ser sobre o “Farnel Aviado”, que mostra como era quando as pessoas iam trabalhar para o campo durante três semanas e tinham que levar o avio para comerem. “É um trabalho muito interessante uma vez que hoje em dia já existem transportes que permitem às pessoas deslocarem-se para casa diariamente”, explica.
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