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“Há uma crença irracional de que a nossa vida sexual vai ser sempre da mesma forma”

“Há uma crença irracional de que a nossa vida sexual vai ser sempre da mesma forma”

“Chá da Primavera” pôs mulheres com cancro da mama a falar de sexualidade

Falar de cancro da mama é falar de mulheres, dos seus parceiros e dos problemas que a doença coloca à sexualidade. O “Chá da Primavera”, organizado pela unidade de oncologia do Hospital de Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira, foi pretexto para quebrar tabus.

Haverá alguma diferença entre afectos e sexualidade? Poucos minutos depois da pergunta lançada pela psicóloga e psicoterapeuta Andreia Cardoso, numa sessão que antecedeu o tradicional “Chá da Primavera”, organizado pela unidade de oncologia do Hospital Reynaldo dos Santos, na tarde de sexta-feira, 9 de Março, chega-se a uma conclusão. As palavras escolhidas pelas mulheres que enchem a sala não divergem muito para definir um e outro conceito. “Amor, partilha, entrega, dedicação, união…”Apesar da consciência de que a fronteira entre os afectos e sexualidade é muito ténue muitas mulheres não conseguem retomar com facilidade a intimidade depois de ultrapassar uma doença traumatizante como o cancro da mama. Certo é que nem todas vivem o momento da mesma maneira. “Depois da doença tornei-me uma pessoa muito humana. Com o meu marido, que tem 74 anos, se a relação já era boa passou a ser muito melhor”, revela com naturalidade Maria José, 67 anos, fazendo soltar alguns sorrisos ao tornar públicos alguns aspectos do seu sólido casamento de 50 anos.Uma outra doente, que partilha com a mesma espontaneidade, testemunha a situação exactamente contrária: “Devia ter-me perguntado isso há vinte anos! Eu e o meu marido limitamo-nos a fazer companhia um ao outro. E quando há qualquer coisa sou eu que puxo por ele”, confessa com humor. Se a forma como se vive uma relação sexual vai variando ao longo da vida a mudança é ainda mais repentina quando surge uma doença. “Há uma crença irracional de que a nossa vida sexual vai ser sempre da mesma forma. Mesmo ao longo de uma vida normal há alterações. Com uma doença haverá maior alteração mas não tem que ser o fim”. A especialista admite que é muito difícil aceitar a mudança que advém da doença porque muitas mulheres passam a ter vergonha do seu corpo após terem cancro e fecham-se. O parceiro, fundamental na recuperação, muitas vezes quer ajudar mas não sabe como porque a mulher não comunica.“Apesar de vivermos numa sociedade muito sexualizada há muita coisa de que não falamos porque achamos que não é próprio ou não é necessário. Mesmo a dois não se fala”. Há casos de companheiros que rejeitam a mulher mas é uma minoria. “Quando há ruptura é porque não há disponibilidade do homem que tem uma perspectiva mais hedonista, da busca do prazer na sexualidade”.Andreia Cardoso explica que há consequências fisiológicas que dificultam o retomar da actividade sexual. “Há a dor, os tratamentos, a quimioterapia que causam muito cansaço. Mas os factores emocionais e os pensamentos negativos condicionam muito mais”, esclarece. “Provavelmente quem já não gostava muito não vai passar a gostar mais”, ilustrou. BONITAS POR DENTRO E POR FORA A psicóloga concorda que manter a auto-estima elevada cuidando do aspecto visual é meio caminho para a recuperação. Maria José, mãe de três filhos e avô de netos, residente em Vila Franca sempre foi dona de casa mas também sempre teve gosto em arranjar-se. Na doença não precisou de peruca porque só algum cabelo caiu com a radioterapia. O mesmo não aconteceu a Manuela Moreira que aos 33 anos descobriu que tinha cancro da mama e perdeu o cabelo durante o tratamento. Por opção não usou cabelo artificial. “Não me imaginava a olhar ao espelho e ter o choque de ver um cabelo diferente”. Conjugou as cores dos lenços com a roupa para se sentir bonita e carregou na maquilhagem para que não fosse alvo de olhares piedosos. O lenço ajudou também a disfarçar a depressão do peito na altura em que fez a reconstrução mamária.O marido apoiou-a incondicionalmente, tal como família e amigos e o filho, hoje com sete anos. Manuela, 37 anos, residente em Alenquer, secretária de profissão, fez questão de nunca esconder da criança que estava doente. “Com ele agi com naturalidade. Deixei os meus medos só para mim”, descreve.A liga dos amigos do hospital ajuda as mulheres a adquirir peruca mas a maioria, sobretudo as mais novas, dispensam o cabelo artificial. “É um bom sinal em termos psicológicos. É sinal que aceitaram a doença e estão a enfrentá-la e há lenços muito bonitos no mercado especialmente concebidos para estas situações”, descreve Ana Alcazar. No final da sessão do Chá da Primavera a unidade ofereceu uma lanche, com a colaboração das voluntárias das batas amarelas, e cada uma das mulheres soltou um balão como símbolo de um sonho que se concretizará ainda este ano.Falta de dinheiro impede mulheres com cancro da mama de ir ao hospitalAs dificuldades económicas sentidas por algumas mulheres a quem foi diagnosticado cancro da mama impedem que se desloquem ao hospital mesmo de transporte público. Quem o garante é a directora do serviço de oncologia do Hospital de Reynaldo dos Santos em Vila Franca de Xira, Ana Alcazar. A médica lembra que no processo de tratamento a paciente é submetida a diversos exames, análises e tratamentos, bem como a consultas regulares, o que implica muitas deslocações. Os gastos com as viagens, mesmo feitas de transportes públicos, pesam na carteira de algumas doentes com fragilidades económicas.“Muitas vezes têm que vir sozinhas porque os filhos estão a trabalhar e como têm trabalhos precários não podem faltar. Notamos essas dificuldades económicas e mais solidão”, confirma a médica. Quando são detectadas grandes dificuldades os serviços do hospital encaminham para Cáritas e para a Santa Casa da Misericórdia. Nos casos mais graves é o próprio hospital que vai buscar a doente a casa numa carrinha da unidade. “Tentamos arranjar estratégias para que os tratamentos sejam atempados e adequados”, confidencia Ana Alcazar.A médica revela que o número de incidência do cancro da mama mantém-se similar a anos anteriores, bem como as faixas etárias. Com o novo hospital o serviço de oncologia espera também potenciar o trabalho já que vai dispor de mais espaço e de mais meios complementares de diagnóstico e novas especialidades que funcionarão como mais valia.
“Há uma crença irracional de que a nossa vida sexual vai ser sempre da mesma forma”

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