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A comandante que impõe o feminismo num mundo dominado por homens

A comandante que impõe o feminismo num mundo dominado por homens

Paula Peneda é uma das duas únicas mulheres superintendentes da PSP e escolheu Santarém para trabalhar

Oficial está há duas semanas a comandar a PSP no distrito de Santarém. Prestes a fazer 45 anos, escolheu trabalhar nesta região e nos primeiros dias já comprovou que foi uma boa opção. Tem sob a sua alçada 410 operacionais. Só 20 são mulheres. A comandante que nas primeiras funções que teve de liderança chegou a ser tratada por “menina”, vai nos próximos dias visitar as várias esquadras da região para ficar a conhecer todo o dispositivo. A sua experiência e visão do mundo, o sentido prático da vida, o feminismo que tenta impor não vão fazer com que seja melhor ou pior que os antecessores, mas promete ser diferente.

Quando era pequena costumava brincar aos polícias e ladrões?Não. Mas chegava a participar em algumas brincadeiras em que havia os bons e os maus, os índios e os cowboys. Não era das que desejava ser polícia quando fosse grande…Durante muito tempo o meu sonho era ser peixeira. Achava graça. Conseguia pôr a canastra à cabeça sem a deixar cair. Naquela altura as peixeiras iam vender o peixe a casa, talvez por isso achasse uma coisa fantástica. Depois, na adolescência, fiz os meus estudos com a perspectiva de ir para um curso de Direito.Já tinha familiares na polícia quando decidiu abraçar esta profissão?Sou o desgosto da minha família. Não tenho ninguém que seja polícia ou militar. O meu pai nem a tropa fez. De repente quando disse em casa que ia concorrer à Escola Superior de Polícia caiu o Carmo e a Trindade. A minha mãe pensou que estava a endoidecer, porque a filha única, a menina querida dos pais, tinha que ir para Lisboa.Decide que quer ser polícia por impulso?Tinha uma amiga no liceu que queria concorrer para a polícia. Fiquei a pensar naquilo e resolvi ir a uma esquadra pedir informações. Tinha uns 17 anos e era a primeira vez que entrava numa esquadra de polícia. Fui sozinha, meio tímida com alguns nervos à mistura. Fiquei com a vontade de experimentar.Hoje já devem ter orgulho em terem uma filha superintendente…Já não tenho pai. A minha mãe já se habituou e acho que agora já gosta. Lembro-me que quando ia fazer as provas de acesso à escola o meu pai ia comigo, tínhamos que ficar num hotel. Ele chamava-me a atenção que era muita gente a concorrer para poucas vagas. Cada vez que superava uma prova eu ficava com mais esperança e o meu pai mais apreensivo.Lembra-se do primeiro dia em que entrou na escola?Foi para fazer as provas físicas. Nunca tinha estado com polícias na minha vida e vi dois senhores vestidos de verde e achei que não tinham nada a ver com a polícia. Eram o comandante e o segundo comandante da escola, mas eu não fazia a menor ideia. Vi um que, como diz o povo, tinha uma série de coisas nos ombros e achei que aquilo era super importante e que ele devia ser o comandante. Fui pedir-lhe se podia ir dar um beijo ao meu pai e ele autorizou. Mais tarde vim a perceber que ele era subchefe ajudante. Era apenas responsável pela educação física.Em jovem já tinha espírito de liderança. No grupo de amigos já era quem mandava?Acho que não. Adquiri esse espírito depois na polícia.Trabalhou na rua em operações?Quando somos comandantes de esquadras participamos em operações Stop, em operações em feiras, etc… Comandar uma esquadra é também muito de trabalho de rua.Era uma jovem de vinte e poucos anos, imagino as reacções das pessoas…Estava a comandar a esquadra de Espinho. Na altura tinha dois subchefes ajudantes. Um para a área operacional e outra para a administrativa. O da área operacional tinha mais de 50 anos e levou-me a ver a feira semanal que era uma coisa muito importante na zona. Toda a gente que passava dizia: Bom dia chefe, olá menina. Ele deve ter feito uma acção de sensibilização, deve ter dito que eu era a comandante, que tinha tirado um curso, porque passado um tempo já diziam: bom dia chefe, olá doutora.Os polícias também devem ter ficado admirados quando lhes apareceu uma jovem comandante.Nunca tive problemas a esse nível. Sempre fui respeitada. Mas tive algumas situações engraçadas com pessoas que se dirigiam à esquadra. Por exemplo, alguns que pediam para falar com o comandante chegavam ao meu gabinete, olhavam para mim e diziam: “desculpe mas eu queria mesmo era falar com o comandante”.Nunca lhe atiraram um piropo?Nunca me aconteceu. As pessoas têm respeito pela polícia.Alguma vez teve que usar a força?Uma vez levei uma bofetada. Na esquadra de Espinho tínhamos poucas mulheres e quando era preciso fazer revistas a mulheres não havia agentes femininas disponíveis e entrava eu. Uma vez estava a fazer uma revista e mandei levantar as saias. Ela dá-me uma bofetada tão grande que vi estrelas. Tive que usar a força, claro.Já deteve alguém por desobediência.Já, talvez uma meia dúzia de pessoas.Na polícia um homem impõe mais respeito?Não relaciono isso com o sexo. Acho que há pessoas que são mal formadas e que não acatam as ordens do agente de autoridade, seja ele mulher ou homem. Considero que para o comum dos cidadãos ser abordado por um polícia ou uma polícia é indiferente.Num meio mais dominado por homens, tenta impor o feminismo ou compreender o machismo?Impor o feminismo, sem dúvida nenhuma.E como consegue fazer isso?Através da minha maneira de ser. Sou muito feminina e critico as colegas, em sentido geral, que lidando com uma maioria de homens passam a agir como eles. A beleza está exactamente em serem mulheres dentro da polícia e não em passarem a falar como os homens, a andarem como os homens…Dizem que as mulheres preferem trabalhar com homens.As mulheres são mais complicadas, mais conflituosas entre elas. É mais complicado comandar mulheres. Os homens são mais simples, mais práticos. Eu não sou complicada, detesto e irritam-me coisas complicadas.A primeira mulher a comandar a PSP distrital foi recebida com floresSerá a primeira vez que existem jarras com flores no gabinete reservado ao comandante distrital de Santarém da PSP. Na ampla sala com vista para o centro da cidade destacam-se jarras de vidro com vários tipos de flores oferecidas por elementos do comando, que é liderado há duas semanas por Paula Peneda. “Nunca tinha sido recebida desta forma. Só mesmo no comando de Santarém”, revela antes de um sorriso rasgado e espontâneo a comandante que já tratou de telefonar a vários colegas para os deixar roídos de inveja.As flores assinalam também um momento histórico. Nunca uma mulher tinha comandado a PSP distrital. E logo uma mulher que é uma das duas únicas superintendentes na polícia e uma das três primeiras que entraram na Escola Superior de Polícia em 1985. Era também a única civil e licenciou-se em ciências policiais.É casada e tem duas filhas. Conheceu o marido na polícia. Tinha a intenção de regressar no final do curso ao Porto, onde nasceu. Mas o amor levou-a a radicar-se em Lisboa. Quando terminou o curso em 1990 saiu com o posto de chefe de esquadra e passado um ano foi promovida a subcomissária. Esteve a comandar a esquadra de Espinho cerca de dois anos e meio. Esteve na Escola Prática de Polícia de Torres Novas na direcção de ensino tendo como colega o actual director nacional da PSP.Em 1997 foi para os serviços prisionais para ser chefe de divisão de segurança, tendo a seu cargo a segurança de todos os estabelecimentos prisionais. Isto numa altura em que o presídio militar de Santarém foi transformado em Estabelecimento Prisional Especial, destinado a agentes de segurança, entre outros.Comandou a divisão de Cascais. Esteve no comando metropolitano de Lisboa, onde foi segunda comandante em substituição. Em 2005 teve um convite que apelida de “inesperado”. Recebeu um telefonema da então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Foi à reunião pensando que o assunto tinha a ver com o projecto Escola Segura da PSP e foi munida de tudo o que era estatísticas. Mas o objectivo era convidá-la para formar um gabinete de segurança para as escolas. Deve ter sido das decisões que mais tempo demorou a tomar. Mulher de decisões rápidas, neste caso demorou três meses a decidir-se e aceitou.Bastam uns minutos de conversa para perceber que Paula Peneda é uma pessoa prática, objectiva, simpática. Diz que para além de polícia tem a profissão de mãe e de dona de casa. Adora estar com gente. Costuma fazer jantares em casa para os amigos porque gosta de conversar, de conviver. Gosta de cinema e de ler romances. É fã de Alçada Baptista, tem os livros todos do autor, e gosta de Isabel Allende.
A comandante que impõe o feminismo num mundo dominado por homens

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