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O político passou à história

O político passou à história

A nova vida do ex-presidente da Câmara de Santarém passa pelo estudo e investigação histórica

José Miguel Noras concluiu recentemente o doutoramento em História, já prepara um segundo doutoramento em Literatura e vai começar a colaborar com a Fundação José Saramago.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. A sentença de Fernando Pessoa nem sempre se terá cumprido no trajecto de vida de José Miguel Noras mas, aos 56 anos, o antigo presidente da Câmara de Santarém consumou uma antiga paixão, doutorando-se no dia 20 de Março passado em História com louvor e aclamação. Um título que já deu frutos pois desde 5 de Abril pertence ao corpo de investigadores do Instituto de Estudos Regionais e do Municipalismo “Alexandre Herculano” da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Caso para perguntar se o político já passou à história? A resposta é afirmativa e elucidativa, quando diz que a política é algo que não deseja nem ao seu pior inimigo. “Para mim, trata-se de um assunto arrumado”, diz o ex-autarca, que tomou posse como presidente da autarquia escalabitana há 20 anos (16 de Abril de 1992), tendo estado uma década nessas funções. “A minha vida tomou um outro rumo, totalmente desligado da acção política, à qual não tenciono voltar”, reforça.E não lhe falta que fazer. A convite de Pilar Del Río, passará a colaborar com a Fundação José Saramago, na Casa do Bicos, em Lisboa, a partir do dia 20 de Abril. Na forja está já também um doutoramento em Literatura na Universidade de Coimbra, ao qual já apresentou candidatura. A tese baseia-se na investigação que tem feito há anos sobre a vida e obra de José Saramago e que desvendará aspectos menos conhecidos do Nobel da Literatura natural de Azinhaga (Golegã), com quem privou.“A altura para prosseguir é esta. Há que malhar no ferro enquanto o metal está quente. A investigação é um processo em continuidade, sem pontos de partida, nem de chegada, que leva anos e anos a formar-se na sua expressão científica”. José Miguel Noras refere que a parte mais curiosa das pesquisas feitas sobre Saramago talvez seja aquela em que descobriu que o escritor foi, ainda antes de ter completado 17 anos, editor de uma revista de cultura e de ciência, que se publicou somente até ao número 15, devido à sua extinção pela polícia política vigente no nosso país. Tal facto não consta de nenhuma das biografias do autor, publicadas até hoje. O MIRANTE desafiou o historiador José Miguel Noras a pronunciar-se sobre a vida recente de Santarém onde, como político, foi um dos protagonistas.Qual foi para si o grande momento da história de Santarém após a revolução de 25 de Abril de 1974?Foi o reconhecimento internacional de Santarém por parte de autoridades governamentais e não governamentais. Lembro, só a título de exemplo, que a nossa cidade recebeu a Ordem de Rio Branco, ou seja, a maior distinção que é concedida pela República Federativa do Brasil a instituições estrangeiras. Contudo, a história também é feita de gestos simples e dos nossos olhares contra a indiferença. Neste registo, a democratização do poder local, mediante a partilha de meios com todas as freguesias, e a chegada de água canalizada a todos os lugares do nosso concelho, que é várias vezes maior do que os municípios de Lisboa e do Porto juntos, representaram, igualmente, momentos felizes que, para mim, são efemérides inesquecíveis. O revés da candidatura de Santarém a Património da Humanidade pode ser considerado o grande fracasso da história recente da cidade?Esta candidatura, reformulada em Dezembro de 2001, por decisão da UNESCO, é, ainda hoje, um processo em aberto. A nossa terra tem pergaminhos suficientemente relevantes para ver o seu quilate patrimonial reconhecido, em termos formais e explícitos, como Património da Humanidade. Foi aqui que nasceram Primaveras de Liberdade para outras nações europeias, africanas e sul-americanas. O feliz êxito do “25 de Abril” deve-se, em larga medida, à coragem dos militares da Escola Prática de Cavalaria e, em especial, ao Capitão Salgueiro Maia. A sua ilimitada generosidade constituiu, igualmente, um património cujo brilho desafia as leis do tempo. Santarém merece, sim, esse estatuto de Património Mundial. Atreve-se a vaticinar que acto ou episódio da sua gestão autárquica em Santarém vai ficar marcado na história da cidade e do concelho?Abundam os acontecimentos que, em meu entender, ficaram inscritos na memória do tempo. Apenas a título de exemplo, contrariamente ao que se verificou nos concelhos de Abrantes, de Tomar e de Torres Novas, em igual período, o município de Santarém, entre 1992 e 2002, viu crescer a sua população. Maior privilégio não existe para um autarca que acompanhou tal marcha demográfica porque este indicador representa a maior riqueza de um território. Todavia, existem outros episódios que, pelo seu significado, não posso deixar de referir. Um deles é o caso das modernas piscinas municipais. As dificuldades com vista à concretização da Rua O traduziram uma prova da grande vitalidade do nosso concelho. Paralelamente, efectuou-se a maior e menos visível obra de Santarém. Aludo aos 13 quilómetros de colectores de cintura em redor da cidade, cuja topografia é deveras irregular, com as respectivas estações elevatórias e a maior ETAR da região, em todos os sentidos. Importa ainda assinalar que, durante esse período, o Governo construiu a maior ponte portuguesa localizada fora da área metropolitana de Lisboa. Abraçando Almeirim e Santarém, a ponte Salgueiro Maia deu um forte impulso no que toca ao desenvolvimento do Ribatejo, conferindo à nossa cidade o estatuto de principal pólo de articulação dos grandes eixos viários nacionais.O actual presidente da Câmara de Santarém, Francisco Moita Flores, já fez o suficiente para garantir um lugar na história de Santarém?Apreciei o esforço desenvolvido com vista a dotar o Conservatório de Música de Santarém de instalações condignas, sem esquecer a luta travada para a dignificação das instalações onde funcionou a Escola Prática de Cavalaria, cuja desactivação correspondeu, a meu ver, a um erro crasso da tutela. A “cidade judiciária” ficará como um marco de grande prestígio para o nosso concelho. Importa salientar, ainda, a criação da Casa de Portugal e de Camões, do Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, dirigido pelo Professor Doutor Martinho Vicente Rodrigues, e a que me orgulho de pertencer como historiador. O actual Presidente da Câmara de Santarém foi a personalidade mais votada, desde sempre, no nosso município. Quanto ao resto, caberá ao tempo pronunciar-se porque a história não pode ser vista tão de perto.Que cognome atribuiria ao seu sucessor na Câmara de Santarém em 2002, Rui Barreiro, e porquê?Grande parte das obras efectuadas durante o seu único mandato, enquanto Presidente da Autarquia, centraram-se na elevação dos padrões da qualidade de vida no nosso concelho. Alguns desses investimentos ficaram debaixo do solo. Outros, contudo, são bem visíveis, como é o caso da ligação da Rua O à Avenida Madre Andaluz, sem esquecer a aposta no promoção de equipamentos escolares, desportivos e culturais, a par da atracção de novas empresas geradoras de significativos postos de trabalho. Ser eleito local, ou melhor, ser ex-autarca, como no caso em apreço, já constitui, em si mesmo, um bom cognome.
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