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“A arquitectura tem que ser vista como uma actividade de valor prioritário para o país”

“A arquitectura tem que ser vista como uma actividade de valor prioritário para o país”

Pedro Costa, presidente da delegação de Abrantes da Ordem dos Arquitectos

É um defensor de uma maior participação dos arquitectos na construção do país. Quer ver os seus pares a participar noutras áreas de actividade para além da construção civil, tal como acontece com outras profissões, porque considera que a sua visão do mundo é uma mais valia que não pode ser desperdiçada. E defende que esse caminho tem que começar por uma maior participação nas actividades da Ordem.

Quando pensamos em arquitectos pensamos nos grandes arquitectos premiados como o Siza Vieira e o Souto Moura. De que forma é que vê essa situação? É motivo de grande orgulho e mostra o trabalho que foi feito nos últimos anos. Há uns anos atrás muitas pessoas nem sequer sabiam o que era um arquitecto. O facto de muita gente que sabe quem é o Siza Vieira ou o Souto Moura significa que a sociedade portuguesa valoriza os seus melhores. Não é muito normal noutros países as pessoas conhecerem as suas estrelas da arquitectura. Mas também há razões para isso. O ano passado houve seis grandes prémios internacionais de arquitectura que vieram para Portugal. Nós temos dois prémios Pritzker. Se formos fazer o rácio e compararmos com a Espanha e com a França ou com a Itália, é absolutamente extraordinário.A arquitectura já é devidamente valorizada?É mais valorizada mas ainda não acontece como na Alemanha, por exemplo, onde a arquitectura é considerada uma actividade de valor prioritário para o país, como a medicina, por exemplo.A profissão ganhou importância. O tempo em que os projectos eram assinados pelos desenhadores já lá vai.Sim. Isso já não acontece mas houve uma época muito engraçada em que os únicos projectos em que se exigia uma assinatura de um arquitecto eram os projectos de jazigos. Para um jazigo era obrigatória a assinatura de um arquitecto, para o resto não era. Foi muito importante a anulação do decreto 73/73 que permitia tal coisa. Foi a única vez, depois do 25 de Abril, que uma lei foi anulada por iniciativa popular. Os arquitectos têm a noção que trabalham um bem público e têm a ideia de que são responsáveis pela defesa de um bem público. E nessa lógica baterem-se por serem as pessoas com as qualificações certas a proporem as coisas certas. Mas a legislação não resolve tudo...Claro que não. Há pessoas que dizem que se se fizer a legislação certa os problemas se vão resolver. Eu não acredito nisso. Que se entregarmos certos trabalhos a certas pessoas tudo vai correr bem. Acho que só quando toda a sociedade compreende o valor do que se está a fazer. Quando tem cultura suficiente para apreciar as coisas que têm qualidade e a qualidade dos intervenientes é que conseguimos. Ainda há legislação limitativa da actividadeO problema maior não só para os arquitectos mas calculo que para muitas profissões é a complexidade, a quantidade e a má qualidade geral da legislação produzida. Há leis que se contrariam umas às outras. A Ordem está a tentar promover e promulgar uma coisa que existe noutros países que é um código da construção civil. Que haja um código onde esteja reunida toda a legislação respeitante à arquitectura e construção civil. O problema é de tal ordem que por vezes é impossível saber se existe ou não legislação sobre determinado assunto. Como é isso de o mesmo projecto servir para construir cinquenta escolas, por exemplo? Isso é discussão que tem muitos anos. Depende do que se está a falar. Um projecto deve servir as pessoas que o vão utilizar. Um fato feito por um bom alfaiate para uma dada pessoa, serve bem a essa pessoa. Se nós fizermos fatos iguais para pessoas diferentes é evidente que eles não assentam bem a todas as pessoas.Estamos a falar do pronto-a-vestir da arquitectura. Uma escola de Bragança pode ser igual a uma escola dos Olivais, por exemplo?De maneira nenhuma. As necessidades e problemas dos Olivais são diferentes dos problemas de Bragança. As condições climatéricas são diferentes, as condições sociais são diferentes, o número de pessoas não é o mesmo. A maneira como as pessoas aprendem é diferente. É preciso compreender o espírito do lugar. Repetir um projecto é prestar um mau serviço porque ele foi estudado para responder a um determinado número de problemas.Benefícios das novas tecnologias na profissão? Na nossa área a evolução foi fantástica e permite coisas maravilhosas, como testar e experimentar antes de construir, por exemplo. E os malefícios? O principal é aquele que diz respeito a todas as actividades. A expectativa de as coisas poderem ser feitas instantaneamente. Esta sociedade tem pouca paciência. Quer tudo instantaneamente. Rapidamente. Para ontem. E a arquitectura ...um projecto, é um trabalho de amadurecimento. É como querer fazer vinho do Porto em três semanas. A boa arquitectura não é para fazer a correr e nós temos pouca paciência.Quando passa por alguns mamarrachos fica com azia?Os gregos diziam que os homens têm seis sentidos. O sexto sentido, que para eles era o mais importante, é a sensatez. É preciso ser sensato. Não há possibilidade de fazer tanta coisa e de tudo correr bem. Por outro lado há muitas coisas que são consideradas mamarrachos quando são feitas mas que com o passar do tempo passam a ser consideradas obras primas. Com a Torre Eiffel em Paris passou-se isso, por exemplo. Ter razão antes do tempo é complicado.O que aconteceria se algumas obras antes de serem feitas fossem referendadas pelo povo?O voto popular em questões de arte e cultura não é um bom sistema. Muitas vezes tem que ser a minoria a decidir. Mas para isso acontecer tem que haver uma sociedade que tenha a ideia que essa minoria tem a credibilidade suficiente para defender coisas que ainda não são bem compreendidas. Isso é sinal de um grande país.A sua casa foi projectada por si? Não. Mas foi projectada por um arquitecto.E de vez em quando roga umas pragas a esse seu colega?A beleza às vezes merece sacrifícios. Sim, há coisas pouco práticas. A minha mulher é lindíssima mas por vezes não é muito prática mas eu casava-me com ela outra vez se fosse possível voltar atrás. Estar confortável e sem problemas não é o valor principal da vida. Nem é muito inspirador. Como é a participação dos associados na Ordem?Presumo que não difere do que se passa noutras profissões. A Ordem deve estar a atingir os vinte mil associados. Normalmente em cada congresso participam cerca de seiscentos. É uma questão que tem a ver com a nossa sociedade. Somos uma comunidade de consumidores. Eu faço a minha arquitectura e tu fazes o teu papel associativo. Eu vou lá consumir o que tu fizeres. Nós já tivemos a ideia de que o trabalho da Ordem é uma parte importante da profissão e agora já não temos. É importante inverter isso. A Ordem devia investir fortemente na ideia que todos nós temos a ganhar com a participação na vida profissional da Ordem.Qual o papel que os arquitectos podem vir a desempenhar no futuro? Veja o que se passa em Portugal. O engenheiro também é político, administrador, gestor, bancário. Tem uma ideia que a sua formação como engenheiro lhe permite uma determinada intervenção. Isso é igual para os médicos, advogados. Os arquitectos, acho que incorrectamente, restringem-se a determinada área de actividade, quando a sua formação lhes permite fazer uma diferença enorme em imensas áreas do país. É preciso trabalhar fortemente na ideia de que o arquitecto é uma pessoa com uma visão especial dos problemas. A arquitectura e os arquitectos têm uma maneira especial de olhar para o Mundo e isso pode ser muito útil para além da construção civil.“Cheguei a propor que a sede fosse numa roulotte”Em Abril de 2004 foi formalizado o Núcleo do Médio Tejo da Ordem dos Arquitectos. O convite para a formalização partiu da arquitecta Leonor Cintra que na altura era presidente da Secção Regional Sul da Ordem. “Ela achou que para descentralizar as actividades da Ordem era necessário apoiar as estruturas locais e fez uma coisa muito pouco portuguesa que foi passar das palavras aos actos. No Congresso de Guimarães convidou-nos a formar o núcleo por saber que nós éramos um grupo de arquitectos que informalmente fazíamos coisas interessantes aqui”. conta Pedro Costa.O núcleo englobava os arquitectos que trabalhavam nos dez municípios do Médio Tejo. Agora o núcleo passou a ser Delegação de Abrantes da Ordem dos Arquitectos para abranger mais municípios e englobar mais profissionais. E fundamentalmente para poder desenvolver outras actividades. “Éramos dez no Médio Tejo. Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Tomar, Sardoal, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha. Agora saiu Alcanena que passou a pertencer ao Oeste e entraram Alter do Chão, Avis, Chamusca, Gavião, Golegã, Mora, Ponte de Sor, Sertã e Vila de Rei. O presidente da Delegação confessa que nem tudo lhe agrada na nova estrutura mas diz que isso não o atrapalha por aí além. “Estas coisas nunca são perfeitas. Foi discutido com Lisboa. Algumas coisas conseguimos e outras não. A delegação Nacional em Lisboa, decide o que se vai fazer mas não tem orçamento. As secções têm orçamento mas não decidem o que vão fazer. Para fazerem alguma coisa é preciso que se entendam. É um sistema peculiar e muito interessante. Mas há uma coisa que eu gosto de realçar. A delegação não é a delegação de Abrantes, embora tenha esse nome. É a delegação destes municípios todos. Ficou com esta designação contra nossa vontade, para ser sincero. Mas já antes não era tudo perfeito. Eu no início do núcleo, quando se começou a discutir o local da sede cheguei a propor uma roulotte. Num ano ficava em Torres Novas, noutro ano em Tomar...” Como é explicado no convite enviado para a inauguração da delegação o objectivo de descentralizar a Ordem dos Arquitectos “é criar uma escala de proximidade com os profissionais que operam no terreno e estruturar programas locais que valorizem a profissão e a função do Arquitecto, ajudando a projectar no exterior o trabalho criativo e a envolver a comunidade num processo de simbiose e diálogo contínuo”. Pedro Costa complementa. “Em Lisboa consideraram, com razão, que era interessante que se abrisse o leque. Que além da divulgação se começassem a prestar serviços. O núcleo fazia muito divulgação do papel da arquitectura. Da vantagem da existência da arquitectura como serviço à comunidade que qualifica os ambientes, os espaços de trabalho, os espaços públicos. Que racionaliza os gastos. Não tínhamos uma estrutura permanente com pessoal que vamos passar a ter que permite a realização de actividades mais alargadas, formação, esclarecimentos, apoio a concursos, apoio às actividades da delegação e servirmos de ligação com Lisboa nas coisas que queiram difundir na região”.“Deixa estar que eu arranjo-te outra inspecção”Pedro Costa nasceu no dia de S. Pedro, 29 de Junho, no ano de 1962, no Hospital Militar em Lisboa. Toda a família estava ligada às forças armadas. O pai tinha feito o curso de fuzileiros e estava na marinha. Havia um tio que era Almirante. O bisavô tinha sido militar na GNR. O avô era de Artilharia. Foi ele que vinte anos mais tarde, quando o neto regressou a casa depois de ter chumbado na inspecção, ficando livre da tropa por ser demasiado magro, o animou com as seguintes palavras: “Deixa lá meu neto que eu arranjo-te outra inspecção!”. Alguém o deve ter dissuadido da ideia e apesar das forças armadas terem perdido um elemento de uma família com tradições militares o país ganhou um arquitecto. Apesar disso, o presidente da Delegação de Abrantes da Ordem dos Arquitectos faz questão de declarar. “Acho que gostaria de ter frequentado a Escola Naval. Gosto muito do mar!”. Fica registado.Com a passagem dos anos o lisboeta transformou-se em abrantino, por opção. “Vim para cá em 1986. Já vivi mais anos em Abrantes do que em Lisboa e gosto”. Depois de concluir o curso e de se inscrever na Ordem dos Arquitectos, Pedro Costa recebeu, como muitos outros recém-licenciados da altura, um convite para estagiar no interior do país. “Vim para o Gabinete de Apoio Técnico (GAT) de Abrantes. Outros colegas foram para os de Tomar, Torres Novas, Torres Vedras. Acabado o estágio fiquei. Está mais que provado, o que faz as pessoas mudarem de terra e fixarem-se noutras regiões é o trabalho”, diz.No seu caso pessoal a troca de Lisboa por Abrantes foi ainda mais fácil porque gostou da cidade e das pessoas. “Durante a guerra colonial o meu pai fazia comissões de dois anos e a família ia atrás. Estive em Moçambique, Angola (o meu irmão nasceu em Luanda), estive nos Açores. Estivemos num sítio que nunca mais esqueço que era a fronteira de Moçambique com a Rodésia. O Lago Niassa. É o interior de África. Aprendi cedo que os sítios são as pessoas. Se estivermos num local que tem as pessoas certas, estamos em casa”, explica.Em 1986 havia poucos técnicos no interior e havia apoios do Fundo Social Europeu para estágios e para obras. Foi uma grande oportunidade para jovens licenciados. “Quando acabei o meu primeiro trabalho no GAT fui ter com a directora e perguntei-lhe: ‘quem vê isto? Quem aprova isto?’. E ela disse-me que não há ninguém para ver ou para aprovar o que eu tinha feito. Que a responsabilidade era minha. Que eu é que sabia se estava bem. Era uma responsabilidade enorme mas era imensamente atractivo”, conta. Pedro Costa esteve no GAT até à sua extinção em 2009, que considera ter sido uma história triste. Desde então trabalha como profissional liberal. “Sempre tive actividade como profissional liberal mesmo quando estava no GAT. Isso deu-me acesso a outras perspectivas mais comerciais, mais de mercado, em que as lógicas e as competições são diferentes das do serviço público. Aprendi muito tanto numa vertente como na outra”. Quanto à região que viu crescer e desenvolver-se diz que tem pena que não tenha outra visibilidade. “Esta região tem um grande dinamismo mas é pouco valorizada. Vê-se pouco. Este triângulo Torres Novas, Tomar, Abrantes é muito interessante. Coimbra, Lisboa, Porto, Leiria vêem-se muito. Este é um triângulo muito discreto e é pena”.
“A arquitectura tem que ser vista como uma actividade de valor prioritário para o país”

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