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Uma política na pré-reforma

Luísa Pato fala das suas várias frentes de trabalho e admite que a política é a actividade de que abdicava primeiro

Luísa Pato é um nome incontornável na vida pública do Cartaxo. A provedora da Misericórdia local está ligada à política desde 1975, sempre pelo PSD, e já desempenhou vários cargos autárquicos sendo actualmente eleita da assembleia municipal. Para além disso, gere a sua empresa de construção civil e ainda tem tempo para cavar na horta da família. Em tempo de Festa do Vinho no Cartaxo, a engenheira civil confessa que às refeições ou bebe vinho ou não bebe nada. Ou não fosse ela uma cartaxeira de gema.

Se fosse obrigada, de que actividade prescindiria: engenheira, provedora ou política?Da política. As pessoas têm o seu tempo e sou favorável à renovação das pessoas, se a decisão for livre. É difícil pedirmos às pessoas que se entusiasmem e que se agarrem a um projecto que é nosso. Se não fosse nada disto, o que gostava de ser?De vez em quando gostava de ser uma mulher sem responsabilidades nenhumas. Durante dois ou três dias talvez. É muito cansativo qualquer dos cargos e qualquer dos papéis que assumo. O papel de provedora tem muitas solicitações e situações por resolver. Gosto muito de estar em casa e estar na minha horta com a enxada na mão a cortar e arrancar ervas.A tarimba da política tem-na ajudado nas funções como provedora?Claramente. Permite-nos ser críticos em relação a algumas coisas.Ajuda também a não se fecharem algumas portas?Acho que sim, mas ajuda-nos sobretudo a perceber que há coisas que não são realmente o que é dito, mas algo mais que está por detrás. É um espírito crítico que já era característica do anterior provedor, senhor Tomás Estêvão, e que eu também tenho. A Misericórdia do Cartaxo sempre foi conhecida a nível distrital por ser um espírito crítico e não uma instituição que abana a cabeça. De que forma é que a crise se manifesta no funcionamento da instituição?As pessoas hoje têm mais dificuldade em assumir os seus compromissos com a instituição.Está a falar dos clientes, como se diz hoje?Sim, mas não gosto dessa palavra, é muito fria. Nós aqui damos um apoio e um carinho que não se dá a um cliente, dá-se a um utente, a uma pessoa que necessita de um apoio físico e moral.O que acontece quando as pessoas falham e não têm recursos?Temos que ir tentando gerir a forma de pagamentos, facilitando o pagamento faseado e, noutras vezes, assumindo aquilo que as pessoas não pagam.Acontece aqui como nos bancos, há um crescimento do malparado?Tentamos que as pessoas não se atrasem muito. Ao fim do mês temos que tentar ir receber o dinheiro, porque se as pessoas deixam acumular é muito pior. O que se passa é que nalguns casos os filhos se gerem com a reforma dos pais e não pagam à instituição. Essa parte é mais complicada ainda.Deparam-se com situações de fome?Há situações de fome mas temos de fazer a triagem. Há as verdadeiras e há as situações de fome em que as pessoas se habituaram a vir à instituição pedir refeições em vez de irem ao supermercado. Nós fazemos muito bem essa triagem e não temos problemas em dizer não quando se tenta a fraude.A fiscalização sobre quem recebe apoios sociais devia ser mais efectiva?Esse é um problema que o secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social lembrou quando da inauguração da remodelação do Lar de S. João, afirmando que o Estado não dá nada, apenas redistribui o que recebe dos cidadãos. Os apoios que as pessoas recebem de forma fraudulenta saem dos nossos bolsos. Não querendo entrar num Estado em que somos fiscais uns dos outros, as instituições que gerem esses apoios têm que ser responsabilizadas por esses apoios fraudulentos. Faz-me muita impressão que as pessoas não saiam dos seus gabinetes para ir ver se as coisas são verdade ou são mentira.Como o caso do Rendimento Social de Inserção?Esse e outros, como o caso das mães solteiras, que optaram não casar com o pai da criança mas dormem com o pai da criança. Não me custa que as pessoas recebam esse dinheiro, o que me custa é que há pessoas que precisam e não recebem porque o dinheiro não estica, é limitado.Sem as IPSS o que seria do nosso Estado Social?Fazemos um trabalho que o Estado não consegue fazer, muito em parte por algo que nas instituições não está contabilizado, que é a não remuneração dos órgãos sociais. O sucesso de muitas casas passa por aí, por pessoas que dão contributos de tempo, profissionais e de disponibilidade para ajudar os outros sem receberem por isso.Há casos de misericórdias que pagam vencimentos.Entendo que é preferível haver um funcionário que esteja diariamente e que represente a direcção, um director-executivo, que seja remunerado. Prefiro que os órgãos sociais continuem a ser voluntários e ainda não mudei de opinião.“País está cheio de regulamentos que não servem para nada”Luísa Pato é uma veterana nas lides da política no Cartaxo, onde já foi vereadora da câmara municipal e é actualmente eleita da assembleia municipal, sempre pelo PSD, seu partido desde 1975. Actualmente, diz que está na fase da “pré-reforma” e pondera a retirada pois há coisas para as quais já não tem paciência.“Há conversas e discussões que já não valem a pena”, refere, sublinhando que se considera uma mulher de acção desagradada com a forma “demasiado teórica” como se faz política no nosso país. “Faz-se política com coisas que não interessam à vida das pessoas. O país está atulhado de leis e regulamentos que não servem para nada”, afirma.Admite “alguma desilusão” por nunca ter tido funções executivas na política local para poder aplicar a sua forma de trabalhar mais pragmática. Sobre o facto de ter estado sempre na oposição, confessa que lhe faz “confusão” que os eleitores do concelho do Cartaxo não dêem oportunidade a outras forças políticas de gerirem o concelho, teorizando que isso deriva do facto de grande parte do eleitorado não estar “minimamente informado, nem se querer informar”.E reforça: “Os programas eleitorais dos partidos só interessam às tipografias. Ninguém lê aquilo. Acho que os portugueses são pouco críticos quando se trata de julgar e penalizar. Só se revoltam quando lhes tocam no bolso”.Luísa Pato é uma pessoa que diz o que pensa. E que pensa pela sua cabeça. Admite que essas características por vezes colidem com a chamada disciplina partidária, mas isso não a preocupa muito. “Sou mesmo assim e se mudar é porque estou doente. Nunca precisei da política para viver, mas gosto de fazer política e é um vício que não se perde”. O outro é o tabaco.Câmara do Cartaxo gastou muito dinheiro de forma pouco criteriosa Que impressões tem dos primeiros seis meses de Paulo Varanda à frente da Câmara do Cartaxo?Dou-lhe o benefício da dúvida. Não sei se vai conseguir resolver os problemas, pois acho que recebeu uma herança muito pesada, mas sinto que tem vontade. A equipa de vereação está à altura?Penso que se as pessoas se esforçarem um bocadinho, talvez esteja. Acho que agora está melhor do que há três meses. Espero que as pessoas não caiam no facilitismo do antigo presidente.Que balanço faz do trabalho do antigo presidente Paulo Caldas?Foi um homem que fez coisas boas pelo Cartaxo mas que o fez de forma facilitista demais e agora está-se a ver o resultado. Tem que se dizer que não de vez em quando, não podemos dizer que sim sempre e a toda a gente.Construir o parque central sem ter dinheiro é um desses passos?É, mas não só. Convinha perceber se aquilo era importante. E na sua opinião era?Nunca foi importante. Não gostei do projecto, continuo a não gostar e acho que o Cartaxo não precisava daquilo. Para a gestão socialista destes anos todos parece que os únicos sítios onde é preciso fazer obras é na praça 15 de Dezembro e na rua Batalhoz. Não se está a fazer investimentos noutras zonas. Não precisávamos aqui deste modernismo porque o Cartaxo é uma terra antiga. As pessoas, com este tempo de vacas magras, vão ter de seleccionar as obras.A crise pode ter essa vantagem?Acho que a crise vai ser boa nalgumas coisas e repor equilíbrios. Todos na nossa vida já tentámos repor equilíbrio nalgumas coisas. A crise vai servir para percebermos hoje que há coisas que são prescindíveis e que basta fazermos alguns acertos para gerirmos melhor o pouco dinheiro disponível que temos hoje em dia. Houve muita coisa feita no Cartaxo nestes últimos mandatos que era prescindível?Muita mesmo, não tenho dúvidas, começando pelo bendito parque central. Os autarcas não podem pensar só numa solução, devem ter várias propostas e soluções para poderem escolher. Quando foi apresentado o projecto do parque central, que não é o que existe no terreno, nem se sabia quanto se ia pagar ao arquitecto. Para mim, haveria outra opção que era criar uma passagem subterrânea, um túnel, desde a zona do Ateneu até à saída da rua Serpa Pinto. Também não seria uma solução barata.Não se sabe que custo teria porque nunca se fez qualquer estudo, mas poder-se-ia aproveitar essa obra para fazer o parque subterrâneo. Como é que se faz a entrada e saída de um parque subterrâneo como o que existe, na zona mais alta do terreno?As verbas devem ser gastas com alguma parcimónia e se calhar gastou-se muito dinheiro sem ser em obra. Também houve coisas bem feitas nestes últimos mandatos?Há duas obras que o Cartaxo pode agradecer a Paulo Caldas e que beneficiaram os cartaxeiros: o acesso à via rápida da A1 e melhoramento da estrada até ao nó da auto-estrada. Mas gastou-se muito dinheiro de forma pouco criteriosa em muitas pequeninas coisas, o que tudo somado dá milhões de euros e não foi calculado o retorno social desse investimento. “Paulo Varanda recebeu uma herança pesada”O presidente da câmara devia ter levado o mandato até ao fim, evitando que Paulo Varanda seja tomado como o “pai da criança”?A questão é saber se ele tinha noção exactamente do estado em que estavam as finanças da câmara. Paulo Caldas fez o seu trajecto e ponto. Não foi eleito por obra e graça do espírito santo, as pessoas votaram nele. Mas voltamos à questão dos votos, as pessoas informadas saberiam que ele não ia cumprir o mandato todo. Mas mesmo que cumprisse não ia resolver problema algum, só assumir as culpas dos erros. Espero que o engenheiro Paulo Varanda tenha sabido naquilo em que se estava a meter quando aceitou ser vice-presidente.Acredita que sabia?Quero acreditar que sim. Acho que a herança é tão pesada que se as pessoas não têm noção dela é muito perigoso. Acho que tem vontade e tem força para tentar resolver as coisas. Não sei se o consegue com a falta de receitas que a câmara tem.Tem falado na vontade e força de Paulo Varanda, ao contrário dos vereadores do PSD na câmara que salientam a sua inexperiência e da sua equipa e incapacidade para resolver os problemas.Podemos ter visões diferentes sobre a pessoa, mas acho que ainda falta Paulo Varanda dar mostra de que consegue resolver os problemas e isso não vai contra aquilo que os vereadores e o PSD pensam. Provavelmente vai ter de encontrar essa força, porque não consegue fazer no Cartaxo o que o doutor Moita Flores fez em Santarém: já não consegue fazer flores. Acha que 2013 pode ser o ano do volte-face, a oportunidade do PSD?Eu até me pergunto se o PSD quererá ganhar as eleições em 2013! (risos). Acho que a herança é tão pesada que não sei quem quererá lutar para assumir os destinos do município em 2013. Mas acredito que é um ano em que está em cima da mesa alguma possibilidade de mudança que pode passar por vários cenários. Se o PS perder a maioria absoluta já é uma vitória. Já se candidataram Vasco Cunha e Paulo Neves. Quem se deve seguir no PSD?Prefiro manter para mim e não tornar pública a minha opinião que já tornei pública nos órgãos próprios. É uma pessoa do Cartaxo e do PSD?Sim, mas essa deve ser uma escolha livre e dos órgãos do partido. “Bebo sempre vinho à refeição”A Festa do Vinho, que se vai realizar no próximo fim de semana no Cartaxo, é um evento que continua a fazer sentido?Acho que é um evento que podia ser melhorado e tirar-se mais partido desse símbolo do Cartaxo que é o vinho. Poderia ser reestruturada e não ser só as tasquinhas e beber uns copos. Do ponto de vista comercial havia algumas coisas que podiam ser feitas, como trazer uma prova de vinhos internacional com a participação de alguns especialistas. Era um custo que o Cartaxo teria que assumir, mas que traria alguma notoriedade e algum retorno ao fim de algum tempo.Costuma lá ir e provar a pinga?Francamente, é uma festa onde só vou quando o meu marido me leva. Vou lá beber um abafadinho, até porque acho que hoje já é muito caro ir à Festa do Vinho. Ir lá jantar ou almoçar fica caro. Provavelmente este ano não terá a afluência que costuma ter, ou então as pessoas vão lá beber o tal copinho e pouco mais. No que toca ao vinho: branco ou tinto?Conforme o que for para acompanhar. Gosto muito de um branco fresco, mas também gosto muito de um tinto. Gosto muito do vinho do Cartaxo. Um vinho que não aprecio muito é o do Douro, talvez por não ser especialista. Ribatejanos e alentejanos são os vinhos de que mais gosto.Sabe distinguir as castas de vinhos?Não faço a mínima ideia. Só sei dizer se gosto ou não gosto.Já alguma vez sentiu que já tinha bebido demasiado?Já. Foi num festival de gastronomia em Santarém, por um erro que provavelmente é comum, sobretudo à juventude, que é o equilíbrio entre o beber e o comer. E realmente a parvoíce nessa altura é que íamos petiscando de um pratinho para várias pessoas e o copo era sempre do mesmo tamanho. Bebi demasiado e comi pouco. Aliás, não aprecio vinho sem ser à refeição.E bebe habitualmente às refeições?Bebo sempre vinho, sou incapaz de beber água à refeição. Prefiro não beber nada. A aposta do Cartaxo na marca Capital do Vinho faz sentido?Faz mas tem que ir mais longe. Há coisas que têm de ser feitas se quer manter essa identidade com o vinho, nomeadamente apoiar a produção, senão daqui a uns tempos somos uma terra onde não há produtores. E isso é gravíssimo. A câmara pode ser o impulsionador e o rosto para conseguir financiamento e apoios noutros sítios.Uma mulher de obrasA actividade profissional do pai, Manuel de Oliveira Pato, construtor civil, determinou o trajecto académico e a carreira profissional de Luísa Pato, que se formou em engenharia civil no Instituto Superior Técnico de Lisboa e depois passou a exercer a actividade na empresa familiar de construção que mantém. O pai, falecido há três anos, construiu muitos prédios no Cartaxo e também noutros pontos da região, como Alpiarça.Casada, mãe de três filhos, Luísa Pato nasceu no Cartaxo em 11 de Abril de 1958 e ali viveu quase toda a vida, com excepção do tempo que esteve em Lisboa a estudar e onde encontrou o seu marido. O pai é que a convenceu a regressar às raízes, com um argumento de peso: é que ali tinha uma casa nova à sua espera, oferta paterna.As obras têm sido a sua vida, seja na construção de prédios e moradias seja noutras empreitadas. A crise no sector, diz Luísa Pato, começou a manifestar-se já há oito anos e tem-se acentuado. “Neste momento são os sócios das empresas que estão a financiá-las e a garantir os postos de trabalho. Não se sabe é até quando. Vai-se chegar a um ponto em que vão ter de escolher entre eles ou a empresa”, considera.O marido é empresário na área dos transportes de longo curso, com firma sedeada no Cartaxo. “Sermos empresários de dois ramos tão afectados pela crise é um acto de heroísmo”, afirma Luísa Pato com um sorriso, acrescentando que se lhe saísse o Euromilhões iria viver para um sítio à beira-mar, onde faça sempre calor.Enquanto não lhe sai a sorte grande, Luísa Pato, que é também provedora da Misericórdia do Cartaxo, desde Novembro de 2011, vai descomprimindo do stress diário cultivando batatas, alfaces, tomates, pimentos e outros legumes na sua horta, onde toda a família colabora.Luísa Pato tem uma visão curiosa sobre o concelho do Cartaxo, considerando que é uma zona onde se “trabalha pouco” e onde “não há muito emprego”. O diagnóstico é feito a partir do elevado número de cafés que diz existir na cidade. “É próprio de uma terra que tem pessoas disponíveis para ali passar o seu tempo”, justifica.

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