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“Só com um tractor nas mãos não se consegue fazer agricultura”

António Saraiva é presidente da maior empresa agrícola nacional há três meses

António Saraiva, 49 anos, um engenheiro agrónomo de Lisboa, deixou uma empresa privada onde trabalhava há 21 anos para se tornar presidente da empresa de agricultura do Estado, Companhia das Lezírias. Mais do que deixar obra feita quer deixar marca no modo de gestão. Vai ser difícil igualar o resultado do antecessor, que conseguiu um milhão de lucro fruto da melhor colheita de cortiça, mas António Saraiva promete fazer o melhor. A privatização não está em cima da mesa e se alguma vez a Companhia for privatizada não será por falta de rentabilidade.

Qual foi a sua primeira preocupação quando chegou à Companhia das Lezírias?Conhecer as pessoas. Mesmo os que trabalham no campo. Para mim como gestor é fundamental. Na comunidade também havia muita gente a querer falar connosco. Depois de um período de interregno havia fome de contactos.Pelas reacções percebeu que não era prática comum?Não sei se era prática comum. O que senti foi que as pessoas gostaram deste primeiro contacto. Também sei que estão habituadas a uma certa rotatividade nas administrações.Isso é negativo para a organização?Alguma continuidade deveria ser assegurada. Mesmo que não fosse ao nível do presidente... O facto de ser uma empresa pública e de estar ligada ao poder político faz com que haja esta alternância sempre que há mudança de ciclo político.O anterior administrador era amigo do ministro e por isso foi nomeado. Receia ser alvo de críticas por vir do privado?O facto do antigo presidente ser amigo do ministro a mim não me choca…É amigo da ministra?Não sou amigo da ministra mas sou amigo do secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural (Daniel Campelo) e tenho muito orgulho nisso. Fizemos formação juntos e conhecemo-nos há muitos anos. A decisão foi da senhora ministra e perante os candidatos a escolha recaiu sobre mim. Fiquei orgulhoso e com vontade de começar com energia.Estando numa situação confortável numa empresa não pensou duas vezes antes de aceitar o desafio?Pensei quatro e cinco vezes em muitas outras coisas a partir do momento em que esta possibilidade aconteceu. Pesquisei informação e li relatórios da gestão anterior. O projecto pareceu-me tão aliciante para uma pessoa com a minha experiência profissional e formação académica que achei que era uma proposta irrecusável.Que projectos pretende implementar?Gostava de ser reconhecido não por qualquer obra em particular mas por deixar um modelo de funcionamento útil para uma gestão moderna da empresa com focalização nos resultados. Gostava que as pessoas conhecessem a Companhia das Lezírias pelos bons serviços que presta do ponto de vista agrícola, ambiental à comunidade e os contributos que dá ao nível da investigação científica.Isso não tem sido feito?Tem sido feito mas pode fazer-se mais. Há técnicas modernas que são hoje utilizadas em empresas públicas e privadas e que aqui por uma razão ou outra não têm sido postas em prática. É verdade que encontrei uma organização melhor do que esperava encontrar já que se tratava de uma empresa pública. Um dos grandes desafios do conselho de administração é melhorar o funcionamento das áreas de negócio para melhorar os resultados.Os resultados da última administração já são muito positivos (lucro de um milhão de euros em 2011)…Estes foram os melhores resultados de sempre. Um dos principais contributos para esse resultado foi a venda da cortiça. Colheu-se a maior mancha de montado que havia para colher e com a maior folha. Temos a maior mancha contínua de sobreiro do país com 6700 hectares. Sabendo que é impossível repetir os resultados do ano passado vamos tentar obter os melhores resultados possíveis. Temos 520 hectares de arroz que contribuíram também para os resultados do ano passado. Os rendeiros e as ajudas à produção têm também um peso significativo.É inevitável que a Companhia passe para as mãos de privados?Isso não está sobre a mesa.Um privado não teria a capacidade de potenciar a actividade?Aquilo que fazemos na maioria das áreas está ao nível do que melhor é feito por qualquer privado, senão acima. Se a companhia alguma vez for privatizada não será porque as coisas não são bem feitas mas por outros motivos.Nem todas as gestões têm sido de excelência e inclusivamente alguns administradores foram afastados, como aconteceu com Vítor Barros.Durante estes três meses já me foram referidos vários administradores. Alguns agradaram mais do que de outros. Não estou focalizado nas críticas. A ideia é que possamos desenvolver aquilo que as pessoas apreciaram.“Temos dos melhores solos do país para cultivar”O que fez com que a agricultura decaísse em Portugal?A agricultura não decaiu só no nosso país. Na Europa não tem muitos exemplos de sucesso. Aqui na zona temos dos melhores solos para fazer agricultura no país. Temos água, estamos perto dos grandes centros e temos agricultores muito profissionais por questões de tradição, familiares e de formação. Os rendeiros e os agricultores da lezíria têm uma actividade económica lucrativa daí que a procura de terrenos seja elevada. Poderíamos estar melhor mas existem condicionantes.Os apoios da União Europeia em vez de serem usados em algumas culturas foram aproveitados para a compra de jipes...O problema aí não está na política mas em quem os utilizou. O destino de algumas ajudas não foi o mais correcto. A minha verdadeira preocupação vai para a revisão da Política Agrícola Comum (PAC). Existe alguma indefinição sobre o que vai ser o pós PAC. A orientação da União Europeia em relação à agricultura condicionará também algumas decisões a tomar a médio prazo na Companhia. Preocupa-me as ajudas ao arroz. É preciso que o Governo e os negociadores que estão em Bruxelas tenham os olhos bem abertos sobre as ajudas ao arroz.Tem esperança de que agricultura volte a captar o interesse?Acho que estamos novamente numa fase de regresso à agricultura. Está na agenda política e as pessoas por causa da crise no mundo produzem bens alimentares nas hortas. Em 2008 os preços dos produtos agrícolas atingiram preços históricos. Os fundos de investimento olharam muito para este sector agrícola. É uma área que deverá mostrar melhorias no futuro. Sabemos que há dificuldades mas em zonas produtivas com agricultores organizados com acesso aos mercados para escoamento dos produtos as condições são imbatíveis.Sente-se ainda um pouco o estigma do agricultor, sobretudo entre os jovens…Hoje em dia o jovem agricultor tem que ser uma pessoa com uma formação muito completa. Não é só saber o que se passa no campo mas conhecer todos os mecanismos de ajudas e de escoamento da produção. O agricultor tem que ser um especialista em várias áreas. Não pode ser só a pessoa que vive no campo e observa as plantas acrescer. Só com um tractor nas mãos não se consegue fazer agricultura.Companhia vai continuar a apostar na cortiça e no arrozA seca prejudicou a produção?A seca também nos afectou mas o facto de termos culturas regadas diminui um pouco o efeito. Na lezíria temos água suficiente para um ou dois anos de culturas de regadio.Em que culturas vão continuar a apostar?Devemos continuar a dar uma atenção especial, como temos dado, à floresta. É um dos pilares dos nossos resultados. O nosso montado é gerido de forma exemplar. Tem certificação, o que traz vantagens interessantes em relação à procura e ao preço de venda da nossa cortiça. O arroz igualmente. O país consome muito arroz e continua a ser deficitário. Temos uma zona de excelência para a produção do arroz, um produto de qualidade e um canal de escoamento do produto através da nossa participação na Orivárzea. Não vamos alargar a área. Estamos a beneficiar daquilo que foi feito em anos anteriores. Vamos ter um bom ano de arroz. O gestor que pensa como um agricultorÉ engenheiro agrónomo, tem 49 anos e é há três meses o presidente da Companhia das Lezírias. Não tem filiação partidária e decidiu aceitar o desafio depois de trabalhar 21 anos numa empresa privada de onde saiu, com licença sem vencimento, com o estatuto de director ibérico (Syngenta). Na empresa de onde vem já estava habituado a “pensar como um agricultor” e diz com orgulho que agora que está mais ligado ao processo produtivo na Companhia das Lezírias vai passar a concretizar o lema.Nasceu em Lisboa e mora na margem sul. A viagem até Samora Correia, concelho de Benavente, onde está sediada a Companhia das Lezírias, leva-lhe 40 minutos sempre no sentido contrário à maior parte do trânsito. Chega por volta das 9h00 para não sair antes das 20h30. É depois de jantar com a família, quando o trabalho permite, que se senta no sofá para responder aos e-mails de trabalho até à meia-noite. Ganhou mais qualidade de vida nas deslocações diárias casa-trabalho. Pelo menos quatro noites eram passadas em Madrid por força das suas responsabilidades na empresa. O resto do tempo permanecia em Lisboa. No último ano contabilizou 52 viagens de avião entre Lisboa e Madrid. O volume de trabalho é grande mas admite que existem outras vantagens. “Não estou em Lisboa e posso sair do escritório e olhar o campo”. Ainda não provou o cozido de carnes bravas, confeccionado com a matéria prima da Companhia das Lezírias, mas é apreciador dos vinhos Catapereiro.Vive numa moradia. No canteiro, por detrás da cozinha, já tentou fazer agricultura para mostrar aos filhos o ciclo dos produtos agrícolas mas não tem sido bem sucedido. Apesar da experiência em produtos fitofarmacêuticos deixa a sua agricultura caseira ao sabor das pragas. É casado e tem dois filhos adolescentes. Gosta de bricolage, momento em que se sente criativo, carpintaria e jardinagem. Nos últimos meses tem lido acima de tudo relatórios mas é apreciador de romances. Saramago é o autor preferido. Tem a colecção autografada.Carne enriquecida com Omega 3 é projecto de sucessoO projecto de produção de carne de bovino enriquecida com Omega 3 está a ter sucesso na Companhia das Lezírias, sediada em Samora Correia, concelho de Benavente, de tal forma que o produto não chega para as encomendas já que a procura é maior do que a oferta. “Temos que pensar como podemos crescer, sabendo das nossas limitações, e desenvolver esse modelo de negócio”, revela o presidente da Companhia das Lezírias, António Saraiva. Para a produção deste tipo de carne os bovinos são alimentados em pastagens comuns aos outros animais até determinada altura. No processo de engorda, enquanto que os outros comem ração biológica, estes consomem um suplemento de Omega 3 composto de semente de linho que é produzido na companhia. “É uma ração produzida com base em algumas matérias primas que permite que o teor de Omega 3, ou seja uma gordura menos nociva, seja superior e se obtenha uma carne mais saudável mantendo as suas qualidades organolécticas e de textura apreciadas pelos consumidores”, explica o presidente, que está satisfeito com o resultado do projecto implementado ainda por anteriores administrações.Este tipo de carne está à venda nas grandes superfícies do grupo Sonae (Continente) apenas na zona da grande Lisboa dada a escassez do produto.Fundação Alter Real tem carência de liderança e gestãoO presidente da Companhia das Lezírias, António Saraiva, que é por inerência presidente da Fundação Alter Real, admite que o projecto enfrenta graves dificuldades e tem uma carência de liderança e gestão. “A Fundação merecia uma presença assídua de alguém porque tem muitas situações para resolver. Sete dias por semana tenho o meu pensamento em Alter porque é a área mais difícil destas funções” admite o responsável que é também presidente da Associação dos Beneficiários da Lezíria Grande e vice-presidente não executivo do conselho de administração da Orivárzea.O futuro da coudelaria de Alter não será decidido pelo presidente da Companhia, sediada em Samora Correia, concelho de Benavente, que “não tem uma varinha mágica” e que poderá apenas indicar caminhos já que a decisão terá que ser política. “A fundação tem três modelos possíveis. Poderá ficar mais na óptica do estado, ficar mais na óptica dos privados ou um modelo misto como aconteceu um pouco”.António Saraiva lembra que o projecto de 2007 já nasceu muito bem. “A fundação foi criada com algumas dificuldades e algum passivo que vinha do antigo serviço coudélico que nunca foi devidamente equacionado”, analisa.Companhia das Lezírias conjuga agricultura com biodiversidadeNa Companhia das Lezírias, a maior empresa agrícola nacional, detida pelo Estado e sediada em Samora Correia, Benavente, a agricultura é praticada com respeito pela biodiversidade e por isso são desenvolvidos projectos científicos como o Espaço de Visitação e Observação de Aves (Evoa) na Ponta de Erva e o dos corredores biológicos, que deverá ser concluído este ano.“Estamos a proteger algumas linhas de água que existem na propriedade para que não sejam danificadas por gado que se pode aproximar para beber água, por exemplo, de forma a que essas linhas de água possam cumprir o seu papel de corredores biológicos de mamíferos que povoem várias zonas da propriedade”, explica o presidente da Companhia das Lezírias, António Saraiva. No espaço da companhia das Lezírias subsistem espécies de mamíferos tão diferentes como ginetes, doninhas, sacarabos e raposas.A Companhia tem um conjunto de bungalows na zona de braço de prata disponíveis para turismo mas quer acima de tudo atrair visitantes. “Acho que não é necessário que as pessoas passem aqui uma noite para desfrutar da beleza e das condições que aqui temos. Temos que ser mais agressivos na forma como queremos chamar a atenção das pessoas para que nos venham visitar e tenham uma ideia clara do que a companhia representa também em termos ambientais”, afirmou a O MIRANTE.

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