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Alinhava por qualquer partido desde que fosse para o bem do concelho

Alinhava por qualquer partido desde que fosse para o bem do concelho

Deolinda Simões foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Assembleia Municipal de Ourém

Foi uma das fundadoras do PSD em Ourém e continua a defender os ideais do fundador do partido, Sá Carneiro, embora diga que era capaz de alinhar por qualquer partido desde que fosse pelo bem do concelho. Vai no segundo mandato como presidente da Assembleia Municipal de Ourém. A boa relação com o actual presidente da autarquia, Paulo Fonseca (PS), tem-lhe valido algumas críticas do próprio partido mas a antiga professora de Educação Física não se importa. Em vésperas das comemorações do feriado municipal de Ourém, a 20 de Junho, Deolinda Simões mostra nesta entrevista que não morre de amores pelo discurso politicamente correcto e que a disciplina partidária não a impede de dizer o que pensa.

Ana Isabel BorregoÉ pública a sua boa relação com o actual presidente da câmara, o socialista Paulo Fonseca, apesar de serem de partidos diferentes. Tem arranjado ‘inimigos’ à conta dos elogios públicos que lhe faz?(risos) Inimigos não sei se arranjei. Já houve quem me dissesse que não devia exteriorizar tanto o aplauso e a crítica positiva, mas vou continuar a fazê-lo.As críticas são de companheiros de partido?Essencialmente as críticas vêm do próprio partido embora depois faça compreender que temos que estar bem connosco próprios. Se estivermos bem connosco próprios estamos bem com o mundo que nos rodeia. Para isso acontecer tenho que me rodear das pessoas de quem gosto e dou-me bem com todos os elementos desta câmara. São pessoas que confiam, que quando têm necessidade de ter uma opinião sobre um problema mais grave abrem a porta do meu gabinete e falam comigo. Se o actual presidente da câmara, Paulo Fonseca, a convidasse para integrar as listas do PS aceitava?Desde que não me retirasse a minha identidade de social-democrata, aceitava. Eu alinhava até com o Partido Comunista. Eu alinho, é preciso é que depois se esqueçam os partidos e coloquem o nosso concelho acima de tudo.Foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Assembleia Municipal de Ourém. Sente uma responsabilidade acrescida?Sinto. Às vezes não é fácil porque nós mulheres, por muito que façamos, ainda estamos num mundo dominado pelos homens.Temos que dar mais provas que os homens?Temos que continuar a trabalhar para que o valor da mulher seja reconhecido. O actual Governo, por exemplo, tem apenas duas mulheres ministras. Os cargos de chefia normalmente são ocupados por homens quando sabemos que as mulheres possuem, actualmente, um grau académico muito superior. Mas, nós mulheres também somos muito responsáveis pela situação.Porquê?Não lutamos para chegarmos a esses cargos de chefia. Acomodamo-nos. É verdade que a mulher tem múltiplas tarefas. Além de trabalharmos ainda temos que desempenhar os papéis de mãe e esposa, que como sabemos são exigentes. Os homens concentram-se apenas na sua actividade e isso é uma vantagem. As mulheres são mais diplomatas?Sem dúvida. Faço parte da assembleia municipal há muitos anos e noto que comigo a presidir aquele órgão autárquico as pessoas não se excedem tanto. Têm mais respeito pela figura feminina que está a presidir. Neste último mandato foi eleita após uma segunda votação. Teve receio de perder?Houve ali um momento em que tive dúvidas, houve alguém que ‘furou’ a votação. (risos) No final houve uma pessoa que me confidenciou que não tinha votado em mim na primeira votação por causa de algumas pessoas que estavam na minha lista. Como houve empate lá alterou o voto (risos)...Fátima é o altar do mundo ou é o lugar da maior mentira do mundo?Sou cristã e tenho uma devoção enorme por Nossa Senhora de Fátima, por isso considero que é o altar do mundo. Mas como qualquer lugar do mundo em que existe gente pode descortinar-se alguma mentira. Eu acredito em Fátima, agora o que os homens fazem paralelamente a essa fé já não me diz respeito. Concorda com a extinção de freguesias?Concordo que a actual situação não está bem. Devia haver a coragem, que não há por causa dos votos, para se reorganizar. Passar uma esponja por cima do mapa de Portugal e, com sentido de responsabilidade, começar a agrupar as freguesias, os municípios e os distritos.Ourém tem freguesias a mais?Tem. Mas também compreendo o sentimento da população que lutou tanto para se tornar freguesia e não pretende agregar-se.A menina da cidade que veio viver para o campoDeolinda Simões nasceu a 15 de Agosto de 1943. Apesar de viverem em Lisboa, os pais eram naturais de Pêras Ruivas, em Ourém, e por isso fizeram questão que a sua única filha nascesse na terra natal de ambos. Nasceu em casa, assistida por uma parteira “velhinha” e experiente. Viveu na capital até aos 21 anos, quando terminou o curso do magistério primário, apesar de não ser a área em que se queria formar. “O meu pai sempre foi um grande companheiro mas era uma pessoa muito conservadora. Achava que o curso do magistério primário era o adequado para uma menina”, conta. O que a professora primária queria era dar aulas de Educação Física mas o pai não concordou. Teimosa e determinada, assim que casou voltou a estudar e licenciou-se naquela que sempre foi a sua verdadeira paixão: Educação Física. “Depois que casei o meu pai nunca mais deu opinião sobre a minha vida”, recorda. Ainda solteira, quando concluiu o curso do magistério primário regressou com os pais a Pêras Ruivas. Os primeiros meses de adaptação não foram fáceis. “Tinha aqueles sonhos cor-de-rosa de dar aulas numa escola perfeita, com alunos bonitinhos e não foi nada disso que aconteceu. A primeira escola onde dei aulas funcionava numa antiga fábrica de resina que não tinha vidros. Ia de mota para a escola mesmo quando chovia”, conta a antiga professora.As diferenças entre o campo e a cidade eram assombrosas. A casa dos seus pais era a única na aldeia que tinha televisão e a sala ficava repleta de miúdos que se reuniam para ver a ‘telinha’ mágica. Foi a consciência do muito que havia para fazer na sua aldeia que a despertou para a política. Após o 25 de Abril de 1974 é “seduzida” por Francisco Sá Carneiro e pelos seus ideais. É por ele que continua como militante do PSD.Candidatou-se à Junta de Freguesia de Seiça e foi eleita tesoureira. Entretanto, entrou na assembleia municipal e foi líder de bancada. Está no segundo mandato na presidência da Assembleia Municipal de Ourém, embora tenha substituído o companheiro de partido Mário Albuquerque durante ano e meio quando este foi Governador Civil de Santarém.Deolinda Simões está casada há 45 anos, tem dois filhos e dois netos. Adora viajar e se pudesse andava sempre atrás do sol, embora as responsabilidades autárquicas lhe deixem pouco tempo disponível. Diz que “em princípio”, não se recandidata ao cargo mas se a desafiarem ainda é capaz de aceitar. “Quando chegar o momento logo se vê. Nunca devemos dizer nunca”, afirma.O concelho de Ourém continua esquecidoComo vê a gestão política do concelho nos últimos 30 anos?Todos fizeram um esforço para governar esta terra que estava tão esquecida. Era um concelho quase de terceiro mundo. As estradas estavam em péssimas condições, não havia luz nem água. Foi uma conquista feita aos poucos. Não sei porquê mas não temos sido apoiados pelo governo central. O concelho tem sido muito desprezado e esquecido. Somos o segundo maior concelho do distrito de Santarém mas não temos infra-estruturas importantes como um hospital e o centro de saúde fecha às 20h00.Isso deve-se a quê?Não sei. Tenho presenciado a pressão que os nossos autarcas fazem em Lisboa mas o concelho continua esquecido. Só é lembrado em época de eleições. Somos muito pacíficos, se fossemos mais reivindicativos, se batêssemos mais o pé, talvez tivéssemos mais sucesso.O PSD tem capacidade para reconquistar a Câmara de Ourém nas próximas eleições autárquicas?Gostaria de dizer que sim porque é o meu partido mas neste momento, internamente, ainda não existe união. As últimas eleições autárquicas, em que perdemos depois de mais de 30 anos no poder, deixaram feridas muito fortes e o PSD ainda está a lamber essas feridas. Já houve uma oportunidade de união aquando da eleição para a concelhia, mas perderam-na. Neste momento estou mais afastada do partido.Porquê?Como presidente da assembleia municipal achei que devia fazê-lo.Revê-se no tipo de discurso conflituoso assumido pelos vereadores do PSD na câmara?Eles estão a cumprir o seu papel e devem desempenhá-lo da melhor maneira que entendem. Eu não me revejo nesse tipo de discurso uma vez que o meu papel actualmente não é de me embrenhar nessas lutas políticas. No entanto, respeito as suas decisões. Existe algum nome suficientemente forte no PSD em Ourém que possa destronar o PS?Prefiro não responder.Gostava de se candidatar à presidência da câmara?Neste momento, não. Há uns anos fui convidada, mas por motivos familiares recusei. Tive pena de não poder aceitar. Em 2005 fiquei um pouco frustrada com o partido quando era preciso uma mulher para as eleições legislativas - a lei da paridade obrigava à inclusão de um terço das mulheres nas listas - e não tiveram a coragem de vir ter comigo e convidar-me. Achei que merecia esse gesto. Nesse momento talvez tivesse condições para aceitar, mas o partido é que manda.Ficou desiludida?Fiquei. Podia até nem aceitar mas acho que deviam ter tido a humildade e o respeito por alguém que desde o princípio está a lutar pelo PSD. Sou fundadora do PSD em Ourém e deviam ter-me dito qualquer coisa. São mágoas que ficam. O gosto de dar uma boa gargalhadaViveu em Lisboa até aos 21 anos, altura em que veio morar para Ourém onde criou raízes. Era capaz de voltar a viver em Lisboa?Adapto-me bem a qualquer local, mas tenho uma certa dificuldade em ambientar-me a um meio muito fechado. Se fosse viver para Lisboa teria que ir para um apartamento e aqui tenho uma casa enorme com animais, onde oiço os pássaros. Não sei se teria facilidade em adaptar-me a um espaço pequenino. Mas sinto saudades de Lisboa e de todas as portas culturais que se abrem. Como foi a sua infância?Muito feliz. Vivia num prédio onde à minha volta existiam três casais que não tinham filhos e quase me adoptaram. Um gostava muito de toiradas e como tinha um camarote na praça do Campo Pequeno levava-me às corridas. O outro casal levava-me a ver museus e exposições. Além disso, era filha única e embora o meu pai fosse uma pessoa bastante conservadora, era a menina do papá. Fui muito mimada (risos).Como faz para estar sempre de bem com a vida?Das coisas que mais gosto na vida é dar uma boa gargalhada, mas desde que seja sentida. Neste momento até tenho o prazer de ter um presidente da câmara que também gosta de dar uma boa gargalhada e muitas vezes em momentos muito sérios em que temos que estar compenetrados, transmitimos uma anedota um ao outro e interiormente damos uma boa gargalhada. (risos) Gosto muito de rir e acho que o sorriso é um bom alimento para uma vida saudável.“O professor tem que ser respeitado”Como é que uma professora entra na política?Foi a vontade de querer ajudar a fazer algo pelo concelho para onde vim viver e de onde os meus pais são naturais. Quando cheguei percebi que era um concelho muito atrasado. As estruturas básicas eram quase inexistentes. Na minha aldeia ajudei a abrir o jardim-de-infância, fundei a associação cultural tentando, com os meus fracos talentos, ajudar a comunidade a crescer.Arrepende-se de ter entrado na política?Nunca. A política dá-nos coisas muito boas. Também nos dá dissabores, mas podermos chegar à noite e constatar que nesse dia conseguimos fazer qualquer coisa que vai ajudar a desenvolver a nossa terra é muito gratificante. Na política também tive o privilégio de granjear muitas amizades.É mais fácil lidar com alunos ou com políticos?Com alunos, mas alunos do meu tempo. Neste momento não sei. Vivem-se tempos complicados nas escolas.Porquê?Neste momento é difícil lidar com os alunos. Já não se respeita os professores como antigamente. O professor está a substituir a família durante várias horas por dia e por isso tem que ser respeitado. Basta um aluno com comportamento incorrecto para desestabilizar uma turma. No meu tempo o professor tinha mais autoridade, as crianças eram mais dóceis e o mundo à sua volta não era tão apelativo como é hoje, o que acaba por prejudicá-las.
Alinhava por qualquer partido desde que fosse para o bem do concelho

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