“Quanta mais tareia levava mais vontade tinha de pegar toiros”
Zé da Burra pegou 275 toiros ao longo da sua carreira nos amadores de Vila Franca e Lisboa
Filho e neto de campinos de Vila Franca de Xira, José Augusto, mais conhecido por “Zé da Burra”, diz que nasceu para a arte de pegar toiros. Ao longo de 18 anos de carreira partiu o pé, clavícula, costelas, braço e até deslocou o maxilar. Há 29 anos que se despediu das arenas, mas continua a acompanhar nos tempos livres os Amadores de Lisboa.
Num dia de chuva torrencial em Pamplona, Espanha, Zé da Burra olhava para a praça com esperança que o público arredasse pé. Na corrida que estava a ser transmitida em directo pela televisão, o toiro já tinha mandado três forcados para a enfermaria. Ninguém se ia embora. Zé da Burra encheu o peito de ar e entrou na arena. “Estranhamente o toiro deixou de arrancar. Mandei-lhe o barrete e um sapato e nada, só quando atirei o segundo sapato é que ele investiu. Peguei-lhe com toda a minha força e dei uma volta à arena sem o largar”, recorda. Esta é a melhor das 275 pegas que José Augusto, mais conhecido por “Zé da Burra”, pegou ao longo de 18 anos de carreira. Natural de Vila Franca de Xira, onde viveu toda a sua vida, diz que já nasceu com o dom de pegar toiros. Filho e neto de campinos, ia todos os dias a pé para a escola em Benavente, onde o pai trabalhava como maioral na ganadaria do Dr. Fernando Salgueiro. “Os meus colegas diziam-me que eu ia para a escola a cavalo numa burra, eu respondia que ia a pé, mas de nada valia. Meteram na cabeça que eu ia de burra e puseram-me a alcunha de Zé da Burra”, conta a rir-se. Mal acabou o ensino básico, teve de ir trabalhar nos campos para ajudar os pais. Tinha 16 anos quando começou com os amigos a pegar por brincadeira em novilhadas e vacadas. Surgiu logo o convite para entrar nos Amadores de Vila Franca de Xira e uns anos depois ajudou a criar os Académicos. Em 1969, Nuno Salvação Barreto viu uma das suas pegas e convidou-o a ingressar no grupo que criou, os Amadores de Lisboa. “Era um grupo de muito prestígio, chegava a ter cinco corridas por semana e eu não podia recusar”, explica. O sucesso começou a crescer e em 1971 pegou 31 toiros, tendo sido distinguido como o forcado do ano. Hoje ainda não consegue explicar os momentos que antecedem uma pega. “É um grande peso e uma responsabilidade perante o público. O medo é muito, mas a vontade de fazer uma boa pega ultrapassa tudo”. O barrete verde que usava e que pertenceu ao avô, que servia como um amuleto, protegeu-o de levar muitas cornadas. Partiu um pé, um braço, uma clavícula, várias costelas e deslocou o maxilar. A vontade de regressar era tanta que rapidamente esquecia os maus momentos. “Quanta mais tareia levava, mais vontade tinha de pegar”, confessa. Das memórias do público, recorda uma senhora que lhe atirava um xaile de varina sempre que pegava em Vila Franca de Xira. Fazia questão de dar a volta à arena com o xaile nas costas. Despediu-se das arenas aos 36 anos porque sentia que o corpo não dava mais conta do recado. Depois de uma pega em Vila Franca de Xira, anunciou num jantar aos amigos que tinha sido a sua última actuação. Não se desligou do grupo e ainda acompanhou de perto o filho que continuou a pegar nos amadores de Lisboa até 2010. “Um pai aficionado quando vê um filho na arena dá-lhe vontade de saltar para a praça e fazer a pega”, conta a rir-se. “Não concordo com mulheres na forcadagem”Não tem nada contra as mulheres que resolvam enfrentar vacas ou novilhos, mas sim contra as que se metem à frente do toiro. “Sem retirar-lhes o mérito, penso que devido à sua compleição física, não têm a mesma força física que possui um homem”, nota. Já gosta mais de ver uma mulher cavaleira ou matadora de toiros desde que toureie bem. Considera que existem grupos de forcados a mais, o que torna difícil arranjar corridas para tantos. “Os bons forcados encontram-se dispersos em vários grupos o que leva à diminuição da qualidade dos grupos”.Toiros mansos e ausência de ídolos levam à perda de públicoPara Zé da Burra actualmente os toiros são “mais dóceis e macios”. Não têm a raça e a raça do seu tempo. “Os ganadeiros adaptaram-se às exigências dos cavaleiros que recusam tourear toiros que os incomodam”, explica. Estes novos toiros conduziram à perda da emoção tanto no toureio como na pega. Para além da crise actual e do preço dos bilhetes, Zé da Burra diz que não existem ídolos que arrastem multidões. Vilafranquenses deixaram de acreditar na praça de toirosNo seu tempo, Zé da Burra assegura que a Praça de Toiros de Vila Franca de Xira enchia praticamente em todas as corridas. Os empresários que se seguiram desacreditaram a praça com “espectáculos desinteressantes, mais vocacionados para o lucro do que para a arte”. Defende que neste momento a praça está em boas mãos e o público está a regressar, embora seja um trabalho que ainda pode levar o seu tempo. Toiros ajudaram-no a vender carrosDepois de ajudar os pais e os avôs no campo, Zé da Burra foi aos 15 anos para uma oficina aprender a arte de mecânico. Depois de cumprir o serviço militar, começou a trabalhar aos 23 anos como vendedor de automóveis. Os toiros tornaram-no conhecido, de tal modo que o patrão não o quis mais na oficina a vender. Foi depois trabalhar para uma empresa de infra-estruturas de construção civil onde se manteve durante dez anos. A experiência permitiu-lhe abrir em nome próprio uma empresa dentro da mesma área - Silva, Duarte & Batista Lda, localizada na Castanheira do Ribatejo, onde ainda trabalha. Os tempos livres são ocupados com as duas netas de 4 e 7 anos, a acompanhar as corridas dos Amadores de Lisboa, e na sua quinta a tratar dos seus animais.
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