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O professor de ginástica que tem um pavilhão com o seu nome

O professor de ginástica que tem um pavilhão com o seu nome

José Maia Pereira foi recentemente homenageado pela Câmara Municipal de Mação

Nascido no seio de uma família humilde, acalentava em criança o sonho de seguir Educação Física. Tinha 43 anos quando conseguiu o diploma e, a partir daí, o desporto não parou mais de crescer no seu concelho.

José Maia Marques, 63 anos, surge-nos na sua forma autêntica: calças de fato de treino, t-shirt e boné na cabeça. Homem alto e de porte atlético, foi professor de Educação Física até ao dia 1 de Abril de 2009, altura em que se reformou. Tem muitas saudades de dar aulas, “a sua grande paixão” e confessa que ainda vai até à Escola Secundária de Mação jogar badminton com os alunos, modalidade que ajudou a implantar no âmbito do Desporto Escolar. Mas não foi a única. Dinamizou a implantação do atletismo em Ortiga, do futsal, do futebol de onze, BTT, natação e, quando se deu a viragem do século, ocupou-se dos desportos radicais. “Ensinei milhares de pessoas a nadar nas piscinas de Mação. Não se ganhava quase nada mas tinha o Verão ocupado e divertia-me”, conta. Foi ainda menino, entre os sete e os onze anos, que começou a jogar futebol com uma bola de trapos que pediu à mãe. Esta resistiu à ideia porque “ele ia estragar os sapatos” mas acabou por ceder. Quem não tem cão, caça com gato e, por isso, lembra-se que fazia corridas de bicicletas apenas com guiadores ou jogava hóquei em patins com paus retorcidos e com uma bola de matraquilhos roubada. Mais tarde, já em Alvega, ficava encantado com as aulas de ginástica que tinha semanalmente com um professor que se deslocava à escola de propósito para esse fim. “Tinha onze, doze anos quando defini a minha profissão futura: professor de ginástica. Até ao 7.º ano foi fácil estudar mas o resto….”, confessa. Sempre ligado ao desporto como atleta, recorda que em jovem, onde hoje está o pavilhão municipal que recebeu o seu nome (ver caixa) existia um campo cheio de pedras e eucaliptos. “Juntei os mais velhos, rapámos os eucaliptos, terraplanamos o campo à enxada e pusemos as balizas”, conta. Com vontade de prosseguir estudos mas sem dinheiro vai trabalhar como ajudante de despachante para a Alfândega de Lisboa, pedindo ao patrão que lhe desse três meses para acabar o 7.º ano porque tinha chumbado a Matemática e sabia que a tropa estava para chegar. “Agarrei nos livros, estudei sozinho e passei com 16 valores. O emprego continuava à minha espera”, conta. Durante o tempo em que esteve em Lisboa, dormia em quartos alugados a pessoas de Ortiga que também tinham ido para a capital e que facilitavam a vida aos conterrâneos, fazendo preços mais em conta. “Tenho a agradecer muito a essas pessoas”, atesta. No sismo de 1969, recorda que estava a dormir num divã, debaixo de umas escadas de acesso ao primeiro andar, numa dessas casas. Por volta de 1970, veio a tropa e com ela a guerra colonial, uma experiência que registou num diário que guarda para si mas que partilha com quem lhe pedir (ver caixa). Quando regressou, o sonho de ser professor de Educação Física ficou “em banho maria” durante alguns anos. “A guerra foi uma perda de tempo. Via as colegas, senhoras, que fizeram comigo o 7.º ano já empregadas e estabelecidas na vida e eu tive que começar tudo de novo”, confessa. Encetou algumas tentativas infrutíferas para ingressar no ensino superior e volta a Mação quando ali abriram vagas para trabalhar como administrativo no serviço de Acção Social Escolar. Foi aí que lhe passou pelas mãos um folheto da Escola Superior de Educação de Castelo Branco a anunciar o curso de Educação Física. Já tinha 41 anos quando foi prestar as provas físicas e entrou para o curso, reivindicando o estatuto de trabalhador-estudante. Trabalhava nas férias, fins-de-semana, noites e fez o curso em quatro anos, com um divórcio pelo meio, atingindo a meta delineada aos 12 anos. Durante dois ou três anos andou a dar aulas em várias escolas até ficar efectivo na Escola Secundária de Mação. Foi graças aos seus pedidos que o antigo presidente da câmara, Elvino Pereira, acedeu mandar construir um pavilhão coberto para a prática desportiva. “Apresentou-me um projecto para o pavilhão mas eu olhei para aquilo e disse que não servia, que era pequeno para acolher equipas de outras paragens, que não tinham futuro”, recorda. Após uma conversa demorada conseguiu convencer o malogrado autarca que lhe apresentou um novo projecto com dimensões adequadas. “Foi um passo muito importante. Antes disso era ao frio e à chuva que se praticava o desporto escolar”, sustenta. Como professor de Educação Física achava que as coisas deviam ser levadas “ao limite”. Nunca teve problemas em dar negativas a quem, “por ser lambão”, não cumpria os objectivos. “Uma das coisas de que mais me orgulho é que a minha teimosia levou a que Mação fosse falado devido ao Desporto Escolar. Ter alunos de Mação no pódio é um grande orgulho. Antes do presunto, já Mação, , era falado por esse país fora graças ao desporto escolar”, atesta. A riqueza que comporta um homem simplesJosé Maia Marques, 63 anos, nasceu em Ortiga, Mação, a 6 de Agosto de 1948 embora no bilhete de identidade esteja indicado o dia 19. “O meu pai atrasou-se no registo e para não pagar a multa ficou assim”, conta. Filho de um ferroviário, a mãe trabalhava no campos hortícolas e tem um irmão mais novo. Para onde o pai ia, a família ia também e foi no lugar de Livração, Marco de Canaveses, que frequentou a escola primária. Nascido numa família de fracos recursos económicos, o seu percurso escolar sofreu altos e baixos mas sempre com o objectivo de ser professor de Educação Física. A oportunidade de tirar um curso superior surge já depois de estar casado e do nascimento das filhas, com 41 anos. No dia em que se formou, quatro anos mais tarde, respirou de alívio. “Estava feito”, pensou. Após uma vida dedicada ao ensino e ao associativismo desportivo, ocupa agora o tempo livre com o grupo Os Maçaenses, que preside há quatro anos, e com a horta onde cultiva vários produtos para oferecer aos amigos e família. Uma homenagem em forma de Pavilhão DesportivoPor tudo o que fez pelo desporto no concelho, José Maia Marques foi homenageado no dia 24 de Junho com o seu nome a ser atribuído ao Pavilhão Municipal de Mação. Considerado “uma figura incontornável” da terra, desenvolveu ao longo de várias décadas um trabalho em prol da juventude, da educação, da cultura, do desporto e do associativismo no concelho de Mação. No dia em que alguém lhe ligou a perguntar o que pensava do pavilhão receber o seu nome, perguntou logo de quem tinha saído a sugestão. “Se fosse por questões políticas mandava-os dar uma volta, até porque sou da CDU, mas fiquei feliz quando soube que a ideia tinha partido de antigos alunos”, confessou a O MIRANTE. “Se soubesse o que sei hoje tinha feito tudo para escapar à guerra”Após ter pedido um ano de adiamento, José Maia Marques foi cumprir o serviço militar para Mafra, em Janeiro de 1970, para tirar um curso de oficiais, porque já tinha o 7.º ano do liceu. Como tinha estado no Serviço de Alfândega tentou continuar na alfandega militar mas quando chegou a altura de distribuir as pessoas pelas especialidades havia 11 vagas e doze candidatos. Colocado na Infantaria, decidiu ir para os Comandos, como voluntário. Em Lamego, numa prova de fogo real, levou três tiros de um amigo. Combateu em Moçambique, na 29.º Companhia de Comandos, e a voz denuncia-o ao recordar alguns dos episódios vividos na guerra colonial e diz que, se soubesse o que sabe hoje, tinha feito tudo para escapar à tropa. “ Escrevi um diário de todo o percurso desde que entrei para a tropa mas é pessoal demais para ser editado em livro… Só na minha companhia eram 180 homens”, explica. Desportista nato, admite que esta experiência condicionou o seu gosto por alguns desportos: “Não gostei dos desportos de combate apesar de dizerem que tinha aptidão para aquilo. E também nunca quis ser caçador. Fiquei farto de andar aos tiros na guerra”.
O professor de ginástica que tem um pavilhão com o seu nome

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