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Crise está a fazer pelo urbanismo o que os responsáveis não fizeram nos últimos anos

Arquitecto Paulo Almeida diz que quem está a construir agora está a fazê-lo com gosto e critério

O arquitecto Paulo Almeida, que tem ateliê em Benavente, onde se dedica também à pintura, reconhece que seria perigoso se lhe oferecessem uma retroescavadora, porque havia muita coisa pela região que poderia ser demolida, quanto mais não fosse acidentalmente.

Não ofereçam uma retroescavadora a Paulo Almeida que ele é capaz de arrasar algumas coisas. O arquitecto com ateliê em Benavente confessa que faria alguns estragos primeiro por falta de perícia em manobrar a máquina e depois quando já a conseguisse dominar para acabar com alguns atentados urbanísticos. Demolir seria a parte mais fácil, o problema era depois saber onde colocar o entulho, criticando assim o facto de em Portugal haver dificuldades em encaminhar os restos de obras e demolições para o sítio indicado, quer por falta de locais para depósito quer pelos custos que isso representa. Mas também usava a máquina para coisas construtivas. Como construir estradas que fossem alternativas à retirada do trânsito de pesados dos centros das localidades a começar por Benavente. De qualquer das formas seria sempre perigoso ter uma retroescavadora, apesar de “gostar da cor, do amarelo” e de considerar que o mau gosto ao nível urbanístico até é relativo e que acaba por se disfarçar por habituação, por nos adaptarmos a conviver diariamente com as construções. A construção desregrada foi potenciada pelo fácil acesso ao crédito. Paulo Almeida lembra que a partir de determinada altura se começou a construir em tudo o que era espaço, a fazer prédios em terrenos onde depois não havia espaço para estacionamento, para zonas verdes. Mas mesmo assim, por exemplo, no caos que se foi instalando, em cidades como Alverca, é possível sempre encontrar alguma ordem. “Se repararmos, as pessoas conseguem descobrir sempre um banco onde se sentam para conversar à sombra de uma árvore ou uma mercearia tradicional que resiste. A ordem vai sendo dada pelas vivências, pelo lado humano”. Nesta altura a construção está em crise. Mas isso apesar de ser mau para arquitectos e construtores, acaba por ter um lado positivo. É que evita-se a construção desenfreada e os projectos que têm surgido “nota-se que têm algum bom gosto e algum critério”. Quem tem dinheiro agora para construir são pessoas com algum gosto e que estão a preferir fazer projectos interessantes”, realça, acrescentando que o problema é quando está toda a gente feliz e a ganhar dinheiro com o sector da construção civil porque “fazem-se edifícios que acabam por prejudicar as cidades, as vilas…”. Na região, há algumas coisas que incomodam o arquitecto. Diz que se tivesse que ser conseguiria viver no Entroncamento, uma das cidades que teve um grande crescimento urbanístico nos últimos anos. Mas confessa que também há sítios piores. Faz-lhe confusão a desproporção entre os edifícios. O prédio localizado na urbanização do Arneiro dos Corvos, em Samora Correia, é o exemplo mais evidente de uma construção “esteticamente desagradável” que também se verifica na parte nova da vila de Benavente. Dos edifícios que mais gosta destaca o Cine-Teatro na Praça da República de Benavente, pelas linhas típicas do Estado Novo, as escolas, os correios ou o antigo matadouro onde funciona o Museu Agrícola.Irrita-se quando está de um lado da auto-estrada e não tem forma de a atravessar. Costuma andar por estradas nacionais, mas quando passa na auto-estrada em Vila Franca de Xira confessa que não fica bem. “A auto-estrada é uma marca muito grande naquela zona onde passa em viaduto por cima da parte construída. O que pensarão as pessoas que vêem os carros a passar lá em cima? Que serão superiores a elas?”, questiona. No Ribatejo já se apercebeu que existe uma construção tipo bolo de noiva, que é feito por camadas e é sempre igual. Considera que as casas mais tradicionais são importantes na paisagem, mas o problema foi o que se fez com o compêndio de Raul Lino (que projectou entre outros a casa dos Patudos em Alpiarça) sobre as casas portuguesas. Com o acesso a novos materiais e mistura de estilos criou-se uma grande misturada. Fruto também do facto de nos últimos anos haver muita gente a fazer projectos sem serem arquitectos. “Provavelmente até alguns construtores fizeram projectos”. A somar a isso há os departamentos técnicos das câmaras, que têm um papel importante, reconhece, mas que muitas vezes estão mais preocupados com a funcionalidade das casas, com o seu interior, do que propriamente com o aspecto exterior.A pintura vai crescendo cada vez maisPaulo Almeida, de 42 anos, recorda-se de realizar muitos retratos de familiares quando era mais novo. O gosto pelo desenho sempre o acompanhou e do grupo de amigos foi o único a ir para artes. Tirou o curso de Arquitectura na Universidade Lusíada de Lisboa, em 1995. Colaborou com diversos arquitectos e desde 1996 que é professor de artes visuais. Neste momento dá aulas de desenho e geometria descritiva em Alenquer. A pintura começou por ser um hobby, mas aos poucos vai crescendo cada vez mais. Só realiza trabalhos de arquitectura que o desafiem. Tem dois filhos, um rapaz de 14 anos e uma rapariga de 11. Nos tempos livres faz BTT, geocaching e joga basquetebol. Também gosta de ir a concertos, ao cinema ou ao teatro. Benavente proporciona uma maior qualidade de vidaPaulo Almeida diz que em Benavente faz praticamente o mesmo do que fazia em Lisboa, com uma grande vantagem - o facto de poder deslocar-se de bicicleta pela vila para chegar a qualquer lugar. Em relação aos dois filhos, a mudança acabou ainda por ser mais benéfica já que têm acesso a um sem número de actividades, proporcionadas pelas associações e colectividades do concelho, e viram o seu grupo de amigos a crescer. “O nosso nível de stress diminuiu e todos passámos a ter mais qualidade de vida”, repara.A paixão pela pinturaSe na arquitectura Paulo Almeida debate-se com o rigor é na pintura que encontra a liberdade. Quando o primeiro filho nasceu, colou um desenho numa parede da sua casa. No primeiro aniversário do menino, tinha a sala repleta de desenhos e o material para a primeira exposição - “Não basta dizer que resulta” - que realizou em Vila Nova de Famalicão em 1998. Vive em Benavente há dez anos. Costumava deslocar-se para Santarém, onde dava aulas de desenho e geometria descritiva, e começou a tirar fotografias com o telemóvel que começaram a ser usadas em pinturas. Um dia “fotografei o pôr-do-sol e quando olhei para a imagem vi as placas da auto-estrada. Notei que todos os elementos urbanos ou industriais eram importantes e decidi mantê-los na pintura”, explica. É assim que nasce a exposição “mais do mesmo” que esteve patente no Museu Municipal de Benavente em 2009. Tem sido influenciado pelas paisagens da região. Quando se metia pelas estradas no meio dos campos não conseguia ficar indiferente à variação das cores das searas, das plantações de tomate ou dos arrozais ao longo do tempo. “Temos paisagens em termos cromáticos muito ricas e é muito bom ter a possibilidade de as contemplar”, diz. Para a última exposição - Sono - que esteve no Museu Municipal de Benavente este ano, desenhou e pintou numas chapas de offset que arranjou numa tipografia. “Nunca vês a lua assim?”, por exemplo, é um quadro inspirado na zona ribeirinha de Benavente. Paulo Almeida trabalha principalmente com cores primárias e para montar as telas usa madeira de móveis antigos.

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