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Fecho de serviços públicos acelera a pobreza do mundo rural

Fecho de serviços públicos acelera a pobreza do mundo rural

Henrique Reis é um dos autarcas há mais tempo em actividade na região e não pensa retirar-se

Presidente da Junta de Freguesia de Chancelaria e da concelhia do PSD é uma voz incómoda no concelho de Torres Novas, onde tem sido um dos principais opositores do socialista António Rodrigues. O antigo basquetebolista do Belenenses e ex-emigrante na África do Sul pensa pela sua cabeça, critica o Estado pelo abandono do mundo rural e diz que há gente no seu partido que oferecia de bom grado.

O que acha de decisões como as que se têm verificado nos últimos anos, de encerramento de escolas, postos de saúde e outros serviços públicos em freguesias rurais como a sua?Vêm matar um pouco a vida rural. Mas tenho consciência que não era comportável manter escolas com 5, 7 ou 10 alunos. O mundo rural está cada vez mais pobre e o fecho de serviços públicos acelera essa pobreza. Não havendo a nível local forma de fixar as pessoas, estas vão-se embora. Costumo dizer que um quilo de peixe para mim, que moro na Chancelaria, é mais caro do que para quem mora em Torres Novas. Se quiser beber um café ou comprar um jornal tenho que ir à cidade.Há uma desresponsabilização do Estado em relação a essas populações?Sim, o Estado desresponsabilizou-se um pouco do seu papel. As zonas do litoral ficaram repletas de gente, o interior despovoou-se. Penso que os políticos não tiveram a noção do que ia acontecer a este país.Esse fenómeno aconteceu também dentro dos próprios concelhos.Temos um exemplo típico que é Torres Novas. A cidade cresceu mas o problema que se coloca é se o concelho cresceu no seu todo. Será que todos beneficiaram por igual da melhoria de condições de vida dos torrejanos da cidade? Que investimentos foram feitos na área do saneamento básico no concelho nos últimos 15 anos?Considera-se um munícipe de segunda?Pessoalmente dividiria este concelho em três áreas distintas: Torres Novas; Riachos e Meia Via; e o resto do concelho. Basta olhar para a zona norte do concelho - Pedrógão, Chancelaria e Assentiz - e perguntar quantas terras têm saneamento básico. Na Chancelaria tivemos o privilégio de terem arranjado agora a estrada do Alvorão, 20 anos depois. Quantos carros foram destruídos nessa estrada? Porquê esse tempo todo? Será que a zona norte não tem os mesmos direitos que os vizinhos de Torres Novas? O imposto sobre veículos custa o mesmo na cidade e na aldeia.Houve filhos e enteados na gestão da câmara?Sim e eu já o disse muitas vezes.Se quiserem agregar a sua freguesia a outras como vai reagir?Agregar a quem? A Fátima? Se for para Fátima eu fugia já. O presidente António Rodrigues nunca teve em consideração a serra de Aire. Essa zona está muito mal aproveitada.Fazia sentido essa ligação a Fátima?Claro que não, estou a brincar. Lei dos Compromissos só peca por tardiaA Câmara de Torres Novas, como muitas outras no país, vive uma situação complicada em termos financeiros. Considera que se viveu acima das possibilidades?Hoje quase todos os autarcas reclamam contra a Lei dos Compromissos mas para mim essa lei só peca por tardia. Não se pode andar a comprar sem ter dinheiro. A mim não me afecta nada. Percebo que foi uma situação muito brusca, passou-se do 8 para o 80, mas é um mal necessário, não só para o município de Torres Novas mas para todos. Os nossos filhos não têm de pagar as dívidas que contraímos, as nossas loucuras. As câmaras e as direcções de outros organismos cometeram tantos erros que é um crime não termos uma justiça que os obrigue a responder pelos atropelos que cometeram, mesmo que muitos deles tenham sido inadvertidamente.Houve algum investimento feito em Torres Novas que não faria?Houve alguns mal conduzidos, como o do Teatro Virgínia. Quanto custa aquilo ao município? As bandas de música, os ranchos que têm subsídios em atraso e ainda por cima este ano a câmara cortou-lhes os apoios. Um jovem hoje, por muito que goste da sua terra, não se vai meter no associativismo. Tenho uma expressão muito minha: na vida é tudo à vez. Temos tempo para tudo e temos vez para tudo. E as loucuras que se fizeram nos futebóis, nas câmaras, nas políticas alguém vai ter de as pagar. E esse alguém vai sentir-se incomodado porque não foi ele o responsável.O socialista António Rodrigues vai deixar a presidência da Câmara de Torres Novas no próximo ano. Vai sentir saudades?Eu sinto saudades de quem me fez bem. O António Rodrigues convenceu-se que eu, mais tarde ou mais cedo, iria ser candidato à Câmara de Torres Novas. Não tenho sequer relações com ele. Só trato de coisas institucionais com ele em público, na sessão de câmara ou na assembleia municipal.Como se chega a uma situação dessas?Enfim, na vida deixamo-nos enganar uma vez, duas vezes, três vezes... Há quem consiga viver permanentemente a engolir sapos e há outras pessoas, como é o meu caso, que não.Quantos sapos teve de engolir até chegar a essa conclusão?Muitos sapos, mas houve uma altura em que disse basta!E António Rodrigues acabou por se enganar porque o senhor nunca foi candidato à Câmara de Torres Novas. Só pode acertar se for candidato em 2013.Mas se eu for ele já não é de certeza, pois não pode recandidatar-se.Está disponível para ser o candidato do PSD?É tudo uma incógnita. Não vamos decidir nada antes de Novembro ou Dezembro.É o presidente da concelhia do PSD, portanto tem a faca e o queijo na mão?Tenho a percepção de quanto vai custar ao PSD as próximas autárquicas devido à acção governativa. O problema é saber se as pessoas vão entender as medidas que o Governo PSD/CDS tem tomado. Parece que o PSD tem de aparecer sempre como tábua de salvação após os governos PS e isso tem custos. A minha postura é esperar, até porque há ainda situações por resolver como a da agregação das freguesias e a nova lei das autarquias. O próximo presidente da Câmara de Torres Novas não vai ter vida fácil.O futuro presidente vai ter de arranjar uma sebenta muito grande para receber as reclamações dos credores e dizer quem está a mais no quadro de pessoal da câmara para ser dispensado. Esse vai ser o trabalho do próximo presidente, porque não acredito que vá ter capacidade financeira para fazer qualquer coisa.Um desportista que é pau para toda a obraHenrique Reis nasceu a 16 de Novembro de 1944. Aos 67 anos é um dos autarcas há mais tempo em actividade no distrito. É presidente da Junta de Freguesia da Chancelaria, concelho de Torres Novas, há sete mandatos, não podendo recandidatar-se ao cargo nas próximas autárquicas. Antes disso esteve na assembleia de freguesia da sua terra (Chancelaria) e foi vereador da oposição na Câmara de Torres Novas. Sempre pelo PSD. Foi recentemente reeleito presidente da concelhia do partido de Torres Novas. Garante que ainda não está decidido quem será o próximo candidato do seu partido à câmara torrejana mas não descarta a hipótese de ser ele próprio a avançar.O autarca é também presidente do Centro Social Santa Eufémia e da Associação de Caçadores da Chancelaria, o que faz dele pau para toda a obra. Um dos seus prazeres é passear pela serra com os seus cães. Caça sobretudo coelhos e perdizes. Considera-se um caçador mediano. Tem por hábito não comer o que mata, só se for para algum petisco com os amigos. Normalmente oferece a sua caça a familiares e amigos. Henrique Reis é alto e magro e confessa que se preocupa com a saúde. Todos os dias pratica desporto, hábito que já vem dos seus tempos de juventude. Como não tinha jeito para o futebol mas tinha resistência, foi jogador de basquetebol no Belenenses e também jogou ténis. Agora opta pelas caminhadas. Também a alimentação é cuidada optando por comer muita fruta. O autarca tirou o curso comercial em Torres Novas tendo estudado também em Lisboa. Quando chegou a altura da tropa foi destacado para a guerra colonial. Esteve na Guiné e em Moçambique. Lá conheceu uma sul-africana com quem viveu na África do Sul durante quatro anos. Quando a relação terminou regressou a Torres Novas. É divorciado e pai de dois filhos.Ainda trabalha na área comercial de uma empresa de produtos químicos. Já tem idade para estar reformado mas não sabe quando vai parar. O seu tempo é dividido entre a sua profissão, a junta de freguesia e o centro social. Um projecto que é um dos maiores empregadores da freguesia com 35 funcionários e 70 utentes. Em breve vai ser construído um novo lar que tem o projecto já aprovado.“Há gente do meu partido que eu oferecia de boa vontade”Foi reeleito há pouco tempo presidente da concelhia do PSD de Torres Novas. O partido tem tido uma postura um pouco apagada no concelho.O PSD tem vindo a pagar a factura ao longo dos últimos anos. Perdeu a câmara e a seguir fez duas apostas que não correram bem, uma delas comigo quando apostamos no Casimiro Pereira e o Rodrigues lhe ganhou. Depois apostou-se no Octávio Oliveira e as coisas mantiveram-se minimamente. Há sete anos apostamos no Nuno Santos para a câmara e o PSD limitou-se a ficar com um vereador e com uma freguesia, que é a minha. E chegámos a ter 11 freguesias.Quais as razões para essa perda de influência?No PSD de Torres Novas quem se devia ter chegado à frente em 2005 não o quis fazer. Não vou dizer quem é, mas preferiram ir buscar o Nuno Santos que foi uma espécie de “carne para canhão” frente ao António Rodrigues. Depois, em 2009, aparece o João Sarmento, que eu aconselhei a ser candidato à Junta de Olaia. Ele ganhava a Junta de Olaia mas preferiu ser candidato à câmara. Entretanto foi para Moçambique, entrou para a vereação o engenheiro Simões, que depois alegou não ter disponibilidade. Seguia-se na lista uma senhora do Entroncamento que prescindiu e nesta altura está como vereador o Vítor Antunes. É complicado fazer oposição com tanta mudança porque não há um trabalho continuado.O que ainda o move na política?Neste momento move-me uma coisa a que estou a achar piada. Já há muitos anos que não tinha uma juventude a mexer como agora. No meu horizonte estava terminar o mandato na concelhia no mês passado, mas acabei por ter de me chegar à frente. Esse grupo de 60 ou 70 jovens é uma maravilha e o PSD tem futuro em Torres Novas.Anda na política praticamente desde o 25 de Abril. Há mais oportunismo hoje por parte de quem procura a política do que havia nessa altura?É diferente. Antes ia-se para a política muitas vezes pelos ideais, os amigos levavam os amigos. Era praticamente uma família. Hoje, há gente do meu partido que eu oferecia de boa vontade a outros, tanto em Torres Novas como na região e no país. E se calhar nos outros partidos acontece o mesmo. Como não conseguimos ter democracia sem partidos temos de nos suportar uns aos outros. Mas penso que a actual juventude é de outro tipo. Parece-me que é gente que não está a pensar em coisa nenhuma.Que obra gostaria de ter feito na Chancelaria que não fez?Há uma obra que gostava de ver concluída, que era a de saneamento básico em três terras que faltam. Gostaria também de pôr uma cobertura no ringue polivalente. Não é preciso muito dinheiro e se o António Rodrigues pagar o que nos deve seguramente que vamos fazer. Fora disso, sem vaidade, o que havia a fazer pela freguesia penso que está feito. Temos casas mortuárias em todas a terras, vai para 25 anos que apoiamos os idosos do centro de dia e lar, por exemplo.O monumento das pegadas de dinossauros está junto à sua freguesia. Torres Novas não tem tirado grande partido dessa proximidade.As pegadas estão na minha freguesia e realmente Torres Novas não beneficiou nada com aquilo. O Alfredo Galinha, que durante muitos anos explorou a pedreira onde foram descobertas as pegadas, dava-nos e à Câmara de Torres Novas tudo o que precisássemos de tout venant e britas, para os caminhos, porque estava na nossa freguesia. Depois disso, a única coisa que recebemos foram cinco camisolas para os cinco alunos da escola da Chancelaria, no último ano em que ela funcionou.
Fecho de serviços públicos acelera a pobreza do mundo rural

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