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“Ninguém consegue ser romântico a tempo inteiro”

“Ninguém consegue ser romântico a tempo inteiro”

Paulo Afonso Ramos tem publicados sete livros de poesia, prosa poética e sátira social

Quis ser escritor e decidiu conhecer o país real para se inspirar. Teve 30 profissões. Escreveu sete livros, quase todos de poesia, mas rejeita o título de poeta. Há um ano fundou a editora “Lua de Marfim”. Escreve com vista para o Tejo da janela do sexto andar de um prédio da Póvoa de Santa Iria. Agora já encontrou o amor da sua vida mas nos tempos de juventude foi a poesia que lhe garantiu sucesso entre a população do sexo feminino.

Escrever poesia e mostrá-la é um acto de coragem? Muitos têm receio de cair no ridículo…Acho que mais do que um acto de coragem é um acto de egoísmo. O ser humano é egoísta por natureza. O objectivo é recolher louros e ouvir elogios. Não digo que não haja um pouco de coragem nisso mas quando o faz o ser humano está a pensar sobretudo nele próprio.Diz que escreve para libertar as personagens que não consegue ser. Que multiplicidade de homens num só é o Paulo?Uma das coisas que nunca consegui fazer foi ser actor. Como gosto muito de teatro teria gostado de desempenhar algum papel. No fundo o que faço através da escrita é isso: ser actor. Ninguém tem uma personalidade só e não estamos a falar de bipolaridade…É o mesmo homem a falar nos seus poemas ou veste outras peles?Vou dizer uma coisa que parece ridícula. Só o digo porque já ouvi António Lobo Antunes dizê-lo e se é ele a dizer toda a gente acredita. Às vezes não somos nós a escrever. Parece que alguém nos encarna e quer passar uma mensagem. Somos meros portadores. Quando começo a escrever não tenho nada planeado e as coisas vão fluindo. Chego a ficar assustado.Gostaria de encarnar sempre aquele homem romântico que também se lê nos seus poemas?Sou um romântico por natureza mas ninguém consegue ser romântico a tempo inteiro. Ninguém consegue ser uma coisa só a tempo inteiro. Há momentos para tudo e há contextos sociais que nos condicionam ou modificam.É só o transcendental que o inspira ou pode ser uma coisa banal?Nada é banal. Banal é a forma como nós olhamos para as coisas. Há coisas à nossa volta que nos podem parecer banais mas se nós quisermos aprofundar esse olhar conseguimos extrair daí várias coisas fantásticas. Acho que os poetas estão mais treinados para isso. Nós temos na nossa terra coisas fantásticas a que não ligamos nenhuma. Todos os dias passamos por elas e não as vemos. No entanto se vamos de férias estamos com o sentido alerta no máximo, tiramos fotografias a tudo e achamos que tudo é o máximo.Os poemas que escreve, muitos dedicados a mulheres, não causam ciúmes à sua esposa?(Risos) Ia dizendo que isso não me causa problemas porque soube escolher mas nós homens é que somos escolhidos pelas mulheres. Neste aspecto tive sorte. Tendo em conta a forma como lido com as minhas amigas teria eu uma vida muito difícil se a minha mulher fosse ciumenta. Também é assim porque ela me conhece bem e tem confiança, o que é essencial numa relação.Acha que as mulheres no fundo gostam de homens que gostam de poesia ou de fazer poesia? É uma coisa máscula?Acho que as mulheres são mais românticas que os homens. Logo, quando um homem tem ligação à poesia, tem seguramente vantagens. Nunca fui muito bonito mas tive sempre belas namoradas. Na altura não pensava nisso mas hoje, com a idade que tenho, chego à conclusão que isso acontecia porque usava as vantagens que tinha, nomeadamente a conversa e a escrita. Numa altura de crise em que as pessoas nem têm dinheiro para ir ao supermercado (quanto mais para comprar livros) porquê apostar numa editora e em novos autores?É verdade. Tenho excelentes livros que vendem apenas seis ou sete exemplares, o que é incomportável. Mas isto é uma paixão. Uma vez entrei numa livraria e perguntei como estavam as vendas. Disseram-me que estavam mal e só vendiam livros a cinco euros. Fiquei a pensar naquilo e cheguei à conclusão que tinha que arranjar uma colecção de baixo custo mas digna. Como era uma área que conhecia decidi avançar com os cadernos de poesia. Custam cinco euros.O poeta dos trinta ofíciosO sexto andar de um prédio na Póvoa de Santa Iria, com vista para o Tejo, é o local de inspiração de Paulo Afonso Ramos, 46 anos. Nasceu em Lisboa, passou por África, onde o pai foi polícia, mas em 2001 apaixonou-se pela cidade às portas de Lisboa que lhe permite ter o elemento água à vista de casa. Vive perto da Quinta da Piedade, um espaço mágico, como lhe chama, num bairro onde todos se conhecem e cumprimentam.Ainda cedo decidiu que queria ser escritor. Preparou-se para conhecer o país real e as pessoas e teve 30 profissões . Foi dirigente sindical, fez transporte de valores e trabalhou num pronto a vestir. Passou pela hotelaria e trabalhou dia e noite em bares e discotecas. Numa fábrica de acrílicos chegou a partir uma perna. Paulo Afonso Ramos ou Eduardo Montepuez, um dos pseudónimos, quis enriquecer-se interiormente para escrever sobre as contradições do homem.Quando chegou à Póvoa deixou-se de devaneios profissionais e foi durante oito anos administrativo numa multinacional. Durante o dia dedicava-se aos números e à noite voltava às letras. Saiu, já este ano, e decidiu fazer avançar a editora que já tinha criado, “Lua de Marfim”, sediada na Póvoa. Não espera ganhar muito dinheiro com o projecto mas manter um sonho. Já publicou 51 autores e 69 obras. Escreveu o primeiro livro em 2006. Tem cinco publicados, a maioria de poesia, mas também prosa poética e sátira social. Não gosta de usar o termo de poeta porque não gosta de se comparar aos grandes da literatura. Prefere dizer que brinca com as palavras. Começou aos 10 anos. A escrever cartas de amor a uma vizinha. É contra o exagero da autopromoção dos títulos académicos. Não usa gravata mesmo nos eventos mais exigentes. Adora falar nas escolas. Não esconde que gostaria de ter sido treinador de futebol e político para ajudar a melhorar a sociedade. Pirata do mundo Estou ancorado ao portode abrigo dementesou um barco piratade créditos efémerosem que tragotripulantes da espadaperdida.Pompeio bandeiras do nuncaem esmeradas lacunassou um sonho perseguidosou um acto por cumprir.Envolvo-me nas maréspercorrendo um mundo imagináriode lés a lésentre as mazelas do sempree as apatias da solidão negadasou um piratadiscordantedisfarçado.Aguardo o assalto ao tempoo momento oportunode resgatar ao mundo. Meu tesouro profundo! Sou o abrigo piratao barco dementevestido de pomposaanormalidade… Sou o pirata do mundo!
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