Após dez anos de total isolamento o velho campino sai de casa para ser homenageado
Manuel Borda d’Água tem 86 anos e quem o conhece pensava que ele já tinha morrido
Não é fácil arrancá-lo da casa onde vive, no meio do campo. Nos últimos dez anos nunca de lá se afastou mas no dia 18, sábado, abre uma excepção. Manuel Borda d’Água, 86 anos, vai ser homenageado em Samora Correia durante as Festas em Honra de Nossa Senhora da Oliveira e Nossa Senhora de Guadalupe.
Manuel Borda d’Água, de 86 anos, campino, apesar de viver sozinho, sem vizinhança, e da sua idade já avançada, não abandonou a lezíria de Vila Franca de Xira onde toda a vida trabalhou a cuidar do gado. Já não sai de casa e até havia muita gente que pensava que já tinha morrido. Mas o decano da campinagem apesar de já não ter fulgor para andar a cavalo pelos campos ainda goza de saúde e vai ser homenageado no sábado, 18 de Agosto, durante as Festas em Honra de Nossa Senhora da Oliveira e Nossa Senhora de Guadalupe que decorrem em Samora Correia.Para chegar à casa de Manuel é preciso percorrer uma estrada de terra batida imprópria para amortecedores de um carro ligeiro. A modesta habitação no Mouchão da Cabra destaca-se na imensidão de terrenos. O campino sai à porta para ver quem chega. Depois, durante a conversa sobre a homenagem que lhe vai ser feita, não é de meias palavras. “Esta homenagem já me deveria ter sido feita”. Há cerca de 20 anos que mora isolado. Nos últimos 10, devido à idade avançada, não se sente com coragem para se aventurar pelas estradas até à povoação mais próxima. “A maioria dos campinos já nem se lembrava que o meu pai ainda era vivo”, confessa o filho Estêvão, que visita o pai de dois em dois dias, levando-lhe comida e uma garrafa de vinho tinto. Nascido e criado na aldeia de Casais de Baixo, em Azambuja, Manuel Borda d’Água, começou a guardar gado quando ainda era miúdo. Na maior parte da sua vida foi maioral de vacas e de toiros em muitas casas da região, terminando na Casa de Herdeiros de Norberto Pedroso, que lhe permite viver na casa apesar de estar reformado. A memória de Borda d’Água já o trai de vez em quando. Diz com convicção que a arte da campinagem está em vias de extinção. “Os ordenados são baixos e não há quem esteja para aguentar a dureza do trabalho do campo”, sentencia. Conta episódios de tempos de cheias em que se via obrigado a montar o cavalo de noite para mudar o gado para terrenos enxutos. Vestia sempre o seu traje festivo de campino para participar em todas as festas do Ribatejo. Guarda religiosamente no quarto algumas medalhas que conquistou ao longo dos anos em provas de condução de cabrestos e em corridas a cavalo entre campinos.Sem ninguém para conversar são os dois cães, a Esperta e o Valente, e duas ovelhas, que lhe fazem companhia. Não tem frigorífico nem água quente. Deixou de ter televisão porque ainda não comprou o aparelho para o sistema digital terrestre. Sabe do mundo através de um pequeno rádio portátil. Conserva a carne numa velha salgadeira como sempre fez. Há muito que deixou de poder montar a cavalo. Trata de uma horta onde produz alguns legumes. “O meu pai só sai daqui no caixão. Tirá-lo do seu meio, era matá-lo”, explica o filho. Naquele lugar ermo não se ouvem motores de carros. Só o assobio do vento e à noite os grilos. À pergunta se não se sente sozinho, o campino responde logo que “mais vale só que mal acompanhado”. A sua vida pertence ao campo e é por lá que quer acabar os dias.
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