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“Se Moita Flores continuasse em Santarém seria o descalabro total”

“Se Moita Flores continuasse em Santarém seria o descalabro total”

José Luís Cabrita é uma referência na oposição e não tem papas na língua

José Luís Cabrita subiu na vida a pulso desde o Lar dos Rapazes até à direcção da Federação Nacional das Cooperativas de Consumo. Numa altura em que a suspensão de mandato do presidente da câmara, Moita Flores está na ordem do dia, o militante comunista diz que o concelho deve sentir-se aliviado com a partida do autarca e escritor.

Sente-se aliviado com a partida de Moita Flores da Câmara de Santarém?O concelho é que se deve sentir aliviado, porque se ele se mantivesse à frente dos destinos do município seguramente seria o descalabro total.O que diria a um amigo de Oeiras caso se confirme a candidatura de Moita Flores a esse município?Diria para estar muito atento e alertar as pessoas, porque o discurso dele não corresponde à prática.O que espera de Ricardo Gonçalves como presidente da Câmara de Santarém?Ricardo Gonçalves está amarrado pelos compromissos que foram assumidos por Moita Flores ao longo destes anos. O que terá pela frente até final do mandato será resolver os múltiplos problemas que Moita Flores deixou e enfrentar a situação caótica em que se encontram as finanças do município.Acha que tem arcaboiço para essa missão?Julgo que não tem equipa capaz para resolver todos os problemas. Por outro lado, o tempo também escasseia.Disse na última assembleia municipal que Moita Flores tinha deixado apontada uma espada aos seus vereadores. O que quis dizer com isso?Quis dizer que ele, ao não se demitir e optar pela suspensão do mandato, deixou sobre todos a ameaça de que ou se mantêm na linha política que ele traçou ou, se se desviarem do caminho, regressa.O que faz correr um comunista em tempos de capitalismo reinante?Fundamentalmente as cada vez maiores injustiças sociais. As desigualdades, a fome, a miséria e o fosso cada vez maior que existe entre pobres e ricos.Nunca sentiu a sua fé ideológica em risco?À medida que os tempos vão correndo e as injustiças aumentando mais acredito que a ideologia que escolhi está correcta.Quer dizer que o seu casamento com o PCP é para toda a vida.Não acho que os casamentos sejam para toda a vida mas, neste caso concreto, enquanto o PCP mantiver a sua política naturalmente que serei fiel militante.Teve pesadelos quando viu cair o muro de Berlim?Não. Foi de alguma forma um choque mas não uma surpresa. Conhecia alguns países e dirigentes de partidos comunistas da Europa de Leste e havia algumas práticas com que não concordava, mas acho que foi uma perda para toda a humanidade e particularmente para a Europa. Julgo que os efeitos deste capitalismo desenfreado resultam exactamente de não haver um contraponto a todas estas políticas.Quando o acusam de estar sempre a repetir a mesma cassete como responde?Respondo que as injustiças mantêm-se e agravam-se, pelo que não vejo razões para mudar de discurso.Não tem reservas ideológicas relativamente a determinadas marcas ou produtos?Todos os produtos são feitos por trabalhadores e todos eles dão emprego. Desde que o produto esteja dentro das minhas possibilidades e que tenha alguma utilidade não vejo objecção nenhuma.É frequentador do McDonalds?Raramente. Quando ia mais ao estrangeiro, recorria por vezes para uma refeição apressada. Mas em Portugal entrei uma ou duas vezes. Aprecio mais a comida tradicional portuguesa.Um apreciador das tradições ribatejanasÉ um algarvio há muitos anos radicado no Ribatejo. Deu-se bem cá por cima?De vez em quando tenho saudades, por isso lá vou abaixo. Apesar de ter andado por diferentes partes do mundo e de ter durante quase 27 anos a minha actividade profissional em Lisboa nunca senti qualquer vontade de ir para lá residir. Sempre me senti bem em Santarém.As tradições ribatejanas dizem-lhe alguma coisa?Dizem bastante. Gosto de tauromaquia, das largadas, das corridas de toiros.É um frequentador dos jardins públicos renovados por Moita Flores?Infelizmente não. Não tenho tido tempo e por outro lado acho que estão bastante descaracterizados.Está à beira da aposentação. Já perspectivou como vai ocupar o tempo livre que vai ganhar?Vou continuar a colaborar com o sector cooperativo e com a economia social naquilo que as organizações entenderem. Terei mais tempo para dedicar à militância no PCP e às questões do concelho e fundamentalmente poderei dar rumo àquilo que são as coisas da minha vida intensa de 27 anos.Fartou-se de correr mundo?Os últimos 30 anos da minha vida permitiram-me conhecer Portugal de lés a lés; os quatro cantos do mundo; presidentes da República, chefes de Governo e ministros mas também pobres habitantes das favelas do Rio de Janeiro e musseques de África; multinacionais mas também pequenas empresas de agricultores e artesãos.Do Algarve para o Ribatejo num percurso sempre a subirA imagem icónica de Che Guevara estampada a vermelho no maço de cigarros denuncia a ideologia que professa há muitos anos. José Luís Cabrita, comunista até ao tutano, é uma das vozes mais críticas da oposição à gestão de Moita Flores e do PSD na Câmara de Santarém. Líder da agora reduzida bancada da CDU na Assembleia Municipal de Santarém, manteve nesse órgão algumas picardias com o escritor e autarca agora com o mandato suspenso.Nasceu em 13 de Outubro de 1954 em Pera, concelho de Silves, no seio de uma família pobre. A mãe morreu quando tinha 18 meses. Mais tarde o pai teve de sair da terra para ganhar a vida mais a norte. “Naquela altura o Algarve era muito pobre, mais equiparado com o norte de África do que com o resto do país”. Ficou entregue aos cuidados de uns avós, pessoas de poucas posses que não o podiam sustentar. E assim acabou por ir parar ao Lar dos Rapazes, em Santarém, tinha “sete ou oito anos”.Nessa “escola de homens” esteve até aos 18 anos. Tirou o curso geral de comércio e nas oficinas da instituição aprendeu as artes de sapateiro e de encadernador, que pouco praticou. Quando saiu do lar foi trabalhar para a empresa Oliveira Lda., então concessionária da Ford na cidade. Também trabalhou no escritório do advogado Martins Leitão, com quem partilhava muitas ideias políticas. “Ele e a esposa influenciaram bastante a minha formação e educação”. Acaso do destino, estreou-se na Assembleia Municipal de Santarém em 2000, substituindo na bancada da CDU o advogado que foi seu patrão.O apelo da política chegou cedo. Em 1969, com 15 anos, já distribuía propaganda da oposição, mas só se filia no PCP em 1974, após a revolução de 25 de Abril. Vai ganhando tarimba e progredindo em termos políticos e profissionais. Foi sindicalista na área do comércio e serviços e um dos promotores do sindicato dos operários agrícolas do distrito de Santarém, do qual foi funcionário. Em 1985 chega a director da cooperativa de consumidores de Santarém e é por essa via que ascende ao cargo de presidente da Fenacoop - Federação Nacional das Cooperativas de Consumo em 1987. Desempenhou esse cargo até 2004, ano em que passa a ser exclusivamente secretário-geral da mesma entidade. Deixou essas funções em Maio último mas continua a colaborar com a Fenacoop, enquanto aguarda a aposentação. Foi também membro da direcção da Eurocoop - Comunidade Europeia das Cooperativas de Consumo.Pelo meio esteve casado seis anos com Ana Cristina Ribeiro, actual presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, e viveu em Muge onde foi secretário da assembleia de freguesia após as primeiras eleições autárquicas. Regressou a Santarém após a separação e teve uma filha, já adulta, de um relacionamento com outra mulher. Actualmente está divorciado.Tem um currículo extenso onde se inclui a participação em vários órgãos consultivos e executivos de áreas tão distintas como os seguros, o ensino ou a formação profissional. É dirigente concelhio do PCP e da CDU em Santarém. Quando lhe perguntamos se nunca pensou tirar uma licenciatura, brinca dizendo que está a preparar o currículo para o enviar a uma certa universidade privada.
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