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“Os grupos anti-taurinos fazem publicidade gratuita às touradas”

“Os grupos anti-taurinos fazem publicidade gratuita às touradas”

António Manuel Cardoso é o mais antigo empresário tauromáquico com a paixão de manter activa uma área da cultura portuguesa

António Manuel Oliveira Cardoso é o empresário tauromáquico há mais anos em actividade. Conhecido por Nené, alcunha que vem dos tempos em que jogava futebol, já explorou as praças de Vila Franca de Xira, Salvaterra de Magos, Santarém, Almeirim. Actualmente no Ribatejo tem as praças de Moita, Alcochete e Coruche. É um homem directo, terra a terra. Diz que os empresários tauromáquicos estão a sobreviver movidos pela paixão de manterem uma tradição activa. Fala dos borlistas nas corridas, dos que não sabem comportar-se dentro de uma trincheira, da necessidade de se encurtar a duração dos espectáculos e da importância de se cativarem novos aficionados.

Já teve vontade de investir contra os manifestantes anti-touradas como fez o cavaleiro Marcelo Mendes?Estamos num país livre. Cada um tem a liberdade de gostar do que quer. Não temos é o direito de impedir que alguém goste de alguma coisa. Já fui à ópera e não gosto de ópera e não sou contra as pessoas que gostam. Não posso investir contra pessoas que não gostam daquilo que eu gosto nem posso obrigá-las a gostar. O que aconteceu com o Marcelo foi um acto irreflectido.Também é de ferver em pouca água?Na vida sou directo e objectivo e por vezes até perco com isso. Há coisas que mexem mais comigo que outras. Sou mais um cidadão normal deste país. Não o chateia ter grupos à porta da praça a manifestarem-se?É bom haver os que não gostam, porque fazem com que os que gostam ainda gostem mais. A polémica tem que existir na vida senão estamos todos a dormir. Agradeço aos anti-taurinos que façam manifestações porque nos estão a fazer publicidade gratuita. Mas eles esquecem-se que também comem carne. Vendo a carne dos toiros depois de lidados a uns supermercados por um preço mais económico do que vendia a outros. Para que vejam que o toiro não serve só para ser espicaçado na arena, mas também para dar de comer às pessoas e a preços mais baratos numa altura de crise.Nos dias das corridas quantas pessoas andam à sua volta a pedir-lhe bilhetes?Muitas! Mas isso até é bom sinal. Quando não há gente a pedir borlas é porque não há interesse pelo espectáculo que foi montado. Quando aparecem muitos borlistas numa corrida é sinal que também há muita gente a comprar bilhete. Os bilhetes são oferecidos também para compor as bancadas da praça.Da minha parte não. Há umas borlas para uns amigos. Nos meus espectáculos 99,9 por cento das pessoas que estão a assistir têm bilhete comprado. Foi futebolista e forcado. Foi-lhe mais fácil enveredar por empresário tauromáquico do que de futebol?Fui um mau jogador do Alcochetense. Poderia ser empresário de jogadores de futebol como o Ronaldo ou o Messi. Isso valeria a pena. Foi uma área que não passou pela minha veia sentimental e a vida tem que ser vivida com sentimento. É fácil lidar com as vedetas da tauromaquia?Ao contrário do que se pensa a tauromaquia não é uma passarela de vaidades. Nas corridas de toiros há uns que são melhores e outros piores. É mais difícil lidar com as primeiras figuras. É uma questão também de mercado. As primeiras figuras são procuradas, as de segunda ou terceira oferecem-se para tourear. Há uma discrepância da qualidade artística que obriga a encontrarmos formas de lidar com as pessoas. Os empresários estão sempre a queixar-se mas se as corridas não dessem dinheiro não continuavam a trabalhar.Este sector está mau como está toda a actividade empresarial no país. Não quero estar a lastimar-me, mas neste momento estamos a sobreviver. Os toureiros e ganadeiros estão a ajustar-se à situação económica que vivemos. Houve um abaixamento de valores. Estamos todos a perder, mas todos com arte e amor à festa dos toiros, que é um marco da cultura portuguesa. Estamos a tentar manter essa cultura activa. Para isso é preciso baixar o preço dos bilhetes.Na generalidade os empresários já baixaram os preços, para que as pessoas tenham condições para irem a uma corrida. Ainda se justifica tanto cerimonial numa corrida fazendo com que demore mais de duas horas?Há alterações previstas no novo regulamento tauromáquico, que nunca mais é aprovado. O Ministério da Cultura deve andar preocupado com outras coisas. Já não sei se percebo ou se aceito isso. Pretende-se tirar esses pontos mortos e já temos vindo a adaptar-nos ao novo regulamento. Quando o cavaleiro vai à praça o seu bandarilheiro atravessa a arena e todos se cumprimentam, todos se abraçam seis vezes. Basta uma vez e nas restantes o cavaleiro entrar já com a bandarilha na mão, por exemplo. Tenho feito corridas com uma média de uma hora e 45 minutos, duas horas. Com o novo regulamento ainda mais tempo se vai poupar. Banalizou-se as voltas à arena. É uma perda de tempo?No futuro vai ser o público a escolher com os lenços, como acontece em Espanha, e com a autorização do director de corrida o toureiro pode dar a volta. Evita-se que toda a gente dê a volta à arena como um simples condimento do espectáculo. Isto torna o espectáculo mais sério e mais honesto para com o público.Um profissional dos toiros que ganhou a alcunha no futebolA alcunha de Nené, pela qual é conhecido no meio taurino António Manuel Oliveira Cardoso, foi ganha quando o empresário tauromáquico era futebolista nas camadas jovens do Alcochetense e era comparado, pela sua forma pouco agressiva de jogar, com o conceituado futebolista com o mesmo nome que então brilhava no Benfica.“O Nené tinha a fama de nunca sujar os calções e eu era um bocado amaricado a jogar à bola. Ainda por cima aqui em Alcochete jogava-se rijo, era canela até ao pescoço. Diziam que eu parecia o Nené e acabei por ficar com a alcunha do meu amigo Nené”, explica o empresário, que nasceu em Alcochete em 16 de Junho de 1954.Com três filhos, de dois casamentos, que lhe dão uma mãozinha no negócio, o empresário vive por esta altura em alta rotação devido à realização da feira taurina da Moita. Durante as quase três horas que estamos com ele o telemóvel não pára de tocar, até ficar sem bateria. A logística de um festival taurino é pesada.Tem o ar confiante de quem já pisou as arenas como forcado, tendo sido cabo do grupo da sua terra. Sabe o que é sentir o medo de enfrentar a fera olhos nos olhos e a alegria de receber o carinho do público. Hoje, do outro lado da trincheira, a sua preocupação é garantir bons cartéis e boas bilheteiras, sabendo que tem de amealhar no Verão para viver no Inverno. Porque de Outubro a Março as praças estão fechadas e ele só vive disso, assumindo-se como “um profissional dos toiros”. O amor à festa brava é alimentado também nas tertúlias onde se debatem as corridas recentes ou se fala da tauromaquia em geral. “Sou muito conversador, se calhar até de mais”, afirma no seu discurso fluente e “com o coração ao pé da boca”.Antes de se dedicar de corpo e alma à festa brava, António Cardoso foi funcionário da Segurança Social. “Era uma actividade mais estável mas não me incentivava nada a trabalhar. Não tenho perfil para funcionário público”. Foi também presidente do Alcochetense, mas diz que a experiência no dirigismo desportivo não o motivou.Nené chega com algum atraso sobre a hora marcada e leva-nos até ao seu escritório, no centro da vila, onde decorre a conversa. O seu braço direito, Rui, está numa secretária ao telefone. Uma ventoinha ajuda a aliviar o calor. Não se vêem computadores e durante a conversa percebe-se que Nené não é um ás das novas tecnologias, embora as aproveite com a ajuda dos filhos.Actualmente é o empresário mais antigo em actividade, explorando seis praças, entre elas a de Coruche. Já explorou praças como as de Santarém, Vila Franca de Xira ou de Almeirim e defende que deve haver rotatividade entre os empresários, já que o efeito novidade ajuda a atrair o público. E sem público a festa não resiste.É mau quando os forcados amadores se regem por princípios comunsFoi forcado, mas como empresário não lhe custa que os forcados sejam os parentes pobres da festa?Os forcados organizaram-se e têm uma associação com normas que impuseram exigindo mais segurança e uma tabela de preços. Quando um forcado amador se gere por princípios comuns é mau. Cada grupo deve ter os seus princípios.É contra a existência de uma associação de forcados?Sou contra o facto de estarem todos normalizados. Quase que me parece um sindicato. Antes, como cabo dos forcados de Alcochete, cheguei a pedir mais dinheiro às empresas e conseguia conciliar uma justeza de valores. Agora há uma tabela. Como empresário não me custa pagar mais porque há grupos que valorizam mais a festa que outros. Há sempre os bons, os medianos e os maus e nos forcados é a mesma coisa. Prefiro contratar um grupo que está no auge e negociar o que vou pagar. Mas que influência é que isso tem? Dou um exemplo: Helder Antoño morreu na praça de Alcochete e o dinheiro que ganhámos foi para lhe fazer uma estátua. Tem que haver um espírito de união entre um grupo e não entre grupos, até porque há alguns que furam as regras da associação.
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