
Uma fase da vida de José Niza posta a nu em livro
“Golden Gate - um quase diário de guerra” ajuda a perceber traços da personalidade do autor, falecido em Setembro de 2011, e expõe pormenores da sua vida pessoal e familiar a par de reflexões sobre uma grande variedade de coisas.
Para que servem as apresentações de livros? Esta foi a interrogação lançada pelo cantor Manuel Freire colocado perante a tarefa de apresentar em Santarém, ao fim da tarde de quinta-feira, 25 de Outubro, “Golden Gate - um quase diário de guerra”, o novo livro de José Niza, poeta, escritor, músico, compositor, político, autarca, psiquiatra e figura maior da cidade, falecido em Setembro de 2011. O cantor de “Pedra Filosofal” não conseguiu encontrar respostas definitivas mas saiu-se bem da missão e despertou o interesse do potencial leitor, arrancando com frequência sorrisos à plateia que assistiu à palestra na livraria “Leya na Caminho”.O livro é baseado nas centenas de cartas que José Niza escreveu à sua mulher quando se encontrava na guerra colonial em Angola, entre 1969 e 1971, onde era médico de um batalhão. Nele se encontram pormenores muito pessoais que ajudam a conhecer a personalidade de José Niza, como por exemplo a sua aversão à moda feminina das calças e das maxi-saias no início dos anos 70, como notou com humor Manuel Freire. “O Zé era um adepto da mulher com a perna à mostra”.Mais a sério, Manuel Freire elogiou a coragem de José Niza e da sua família directa, mulher e filhos, em expor em letra de forma uma fase da sua vida privada. “Um livro baseado nas cartas de amor que trocou com a mulher durante dois anos e tal é uma atitude corajosa”, disse o apresentador, definindo-o como um livro de amor recheado de episódios satíricos e surreais vividos naquela “guerra de opereta”.Os direitos do livro foram doados pela família de José Niza à Associação dos Deficientes das Forças Armadas. A viúva de José Niza, Maria Isabel Mota, visivelmente emocionada, agradeceu a todos os que possibilitaram a edição do livro, bem como a sua apresentação em Santarém, destacando o papel de Manuel Alegre por ter conseguido interessar a editora por aquele projecto literário.Retalhos da vida de um médico na guerraJosé Niza foi destacado para a guerra no norte de Angola como médico. “Uma guerra onde o médico e o capelão eram os terapeutas do espírito mais ou menos primário e sempre psicologicamente descompensado, daqueles mancebos que, por exclusivas razões de idade, foram incumbidos de defender a Pátria contra o fluir da História”. Segundo afirma na obra, “na consulta havia sempre mais gente que na missa”, a única excepção era a missa de Natal.Das cartas enviadas à mulher, foram retirados extractos que são apresentados nesta obra como páginas de um suposto diário. A 17 de Julho de 1969 Niza escreveu: “Chegou cá a notícia de que o Salazar está muito mal, que está mesmo a morrer. Aliás, ele já morreu há dois anos. A certidão de óbito é que está atrasada”.Noutra entrada, com data de 10 de Dezembro de 1970, dá conta dos presentes de Natal que os militares ali destacados receberam, enviados pelo Movimento Nacional Feminino (MNF): “Um pacote de amêndoas, o que dará uma por cada soldado; meia dúzia de lâminas de barbear; o que dará uma lâmina por cada caserna; e ainda meia dúzia de pastas de dentes, o que só dará para os desdentados”.José Niza, autor de temas como “E depois do adeus”, foi médico psiquiatra, compositor e deputado e autarca do Partido Socialista em Santarém, onde durante dois mandatos presidiu à assembleia municipal. Residia em Perofilho, nos arredores de Santarém.
