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Crise leva-nos a olhar para a terra com outros olhos

Crise leva-nos a olhar para a terra com outros olhos

João Ramalho Ribeiro, veterinário ligado à investigação agrária, diz que a agricultura tem futuro e é uma boa aposta para os jovens

Médico veterinário, fez o seu trajecto profissional ligado à Estação Zootécnica Nacional na área de produção animal, continuando ligado ao complexo da Fonte Boa como presidente dos serviços sociais, onde não lhe falta que fazer. Apesar de aposentado, Ramalho Ribeiro continua a ser o representante português no Comité Permanente de Investigação Agrária, no âmbito da Comissão Europeia, e faz avaliação externa para acreditação de cursos de veterinária a nível europeu. Residente na Póvoa da Isenta, Santarém, garante que a agricultura tem futuro e que o Ribatejo tem condições excepcionais para se afirmar nessa área, exortando os jovens a virarem-se para a terra.

Foi professor na Escola Agrária de Santarém. Como vê a pouca procura de alguns cursos nessa escola? É um sinal dos tempos. Mas o que ontem era verdade hoje já poderá não ser. Muita gente tem andado a fazer um discurso de que a agricultura é uma desgraça, que está em queda, que não tem futuro, e de repente vem o Instituto Nacional de Estatística dizer que em relação ao PIB o único sector que cresce é o agrícola. Santarém tem excelentes condições para ser um pólo agro-alimentar. Tem excelentes terrenos, excelentes empresários nas áreas da pecuária, das culturas intensivas, dos hortofrutícolas…O que falta fazer?É necessário que a Escola Superior Agrária vá de encontro ao sector empresarial e vice-versa. Mas penso que isso está a ser feito, os resultados é que por vezes não são tão rápidos como poderíamos pensar. Mas os jovens não parecem muito interessados na agricultura.Sejamos francos: a população jovem até há muito pouco tempo utilizava critérios de selecção de cursos que hoje provavelmente já não serão os mais correctos. Antigamente toda a gente queria ir para medicina porque se pensava que era um curso que garantia emprego. Era mais por garantia de futuro. Hoje estamos numa situação que pode levar a que daqui a uns tempos medicina possa ter excedentes. Portanto a escolha já pode não ser a adequada.Uma licenciatura por si só já não garante nada.Até há não muito tempo havia a ideia que a pessoa se licenciava e depois era o mercado que tinha que resolver o problema. Tinha que lhe arranjar um emprego. Hoje as pessoas têm que criar as condições para criar o seu emprego. Hoje há espaço para ter iniciativa, para se ser empreendedor, para se fazer a leitura correcta do mercado e ajustar-se aquilo que o mercado quer. Se pensarmos assim, com a perspectiva que o sector agro-alimentar tem no Ribatejo, estou convencido que a Escola Superior Agrária e os seus diplomados vão ter futuro.Se um jovem lhe pedisse o conselho sobre que curso seguir, o que lhe recomendava?Não podia recomendar senão a minha área, porque é a que conheço. Na área agrária todos os empresários que hoje se lançam no ramo do agro-alimentar precisam de apoio, de consultoria, de aconselhamento, de estudos de mercado, de parcerias. E isso é feito por técnicos. Mas não é fácil, é preciso pôr as botas na lama. Há muito a ideia que os jovens não querem a agricultura, mas esta crise veio mostrar o contrário. A agricultura portuguesa tem futuro?Não sou eu que acho. Por vezes falta-nos memória. Ainda não há muito tempo ouvia-se dizer que vinha tudo de Espanha, os hortícolas, o melão, o tomate, e de repente estamos a exportar. Estamos a colocar produtos, aqueles a que chamam os primores, nos mercados do centro da Europa. Estamos a exportar carne de suíno, que era uma coisa impensável há uns tempos atrás.Esta crise obrigou-nos a olhar para a terra de outra forma?Penso que sim. A agricultura estava muito desvalorizada, as pessoas achavam que a evolução e a promoção não passavam por lá e toda a gente queria ter melhores condições de vida e preferia ir para o sector da indústria ou dos serviços. Hoje começa-se a pensar que a agricultura e os sectores a ela associados são tão dignos e criam tão boas condições de futuro como qualquer outro sector. Logicamente com muito trabalho e risco.Uma licenciatura não deve ser o fim da linhaPertence ao Conselho Geral do Instituto Politécnico de Santarém (IPS). Como antevê o futuro da instituição?Acho que o Politécnico de Santarém tem feito um esforço enorme para se adaptar aos novos tempos, para se abrir à comunidade, para se reorganizar em termos de ofertas formativas, para se diversificar em termos de serviços. Num passado não muito distante, não só os politécnicos como as universidades estavam fechados e estavam muito concentrados nas formações de licenciatura. O mundo mudou. Hoje a educação é para a vida, há que fazer formação contínua, cursos de reciclagem, de actualização, de introdução de novas tecnologias. E o IPS tem estado a fazer isso, a internacionalizar-se, a criar novas ligações. Todas as escolas têm estado a fazer um esforço muito grande nesse sentido, sem grandes meios, com grandes cortes, como todos, mas com grande determinação. Esse tipo de formação ao longo da vida é uma forma dos politécnicos e universidades garantirem o seu futuro, já que a redução do número de alunos para licenciaturas, fruto da redução da natalidade, poderia pô-los em risco. Por um lado. Por outro lado, é também uma resposta à sociedade. Antigamente, concluir uma licenciatura era o fim da linha. Hoje não. Nada garante que esteja a fazer amanhã o que estou a fazer hoje. Nada garante que tenha de mudar de emprego, de adquirir novas competências, de me aperfeiçoar e tomar conhecimento com novas realidades e novas tecnologias. Isso exige que a relação das pessoas com as universidades deixe de ser pontual e comece a ser muito mais frequente. E o Politécnico de Santarém tem-se aberto a esta nova realidade.Mesmo assim não haverá escolas e cursos a mais?Não quero fugir à questão, mas passa muito tempo desde que se pensa um curso até que saiam os primeiros formandos, estes tenham contacto com a realidade e se verifique se o curso faz falta ou não. Tem que se ter algum cuidado quando se encara essa questão. O que é preciso é que as universidades e os politécnicos disponham de uma flexibilidade que permita inverter ou ajustar percursos com mais facilidade e, no fundo, dar respostas à sociedade e ao mercado com mais rapidez. Na Estação Zootécnica podiam ser concentrados serviços do EstadoA Estação Zootécnica Nacional (EZN) tem vindo a perder ao longo dos tempos o fulgor que tinha, com edifícios fechados. A que se deve?Sei que há uma tendência de concentrar e de reduzir chefias no sentido de os serviços serem mais coordenados a partir de uma estrutura central. Agora não sei o que está previsto porque há algum tempo que deixei de acompanhar a actividade da estação.Há aqui um grande património que não está devidamente aproveitado.Ponho a questão ao contrário. Não será que isto cresceu demasiado em termos de estrutura física? Cada metro quadrado de área coberta implica custos de manutenção elevadíssimos, em termos de electricidade, limpeza, etc... Houve a determinada altura, com o Dr. Vaz Portugal, algumas ideias bastante interessantes para a época. Ele imaginou que na Estação Zootécnica se poderiam concentrar as oficinas para os automóveis do Estado. Criaram-se dois espaços enormes mas o projecto não avançou e estes ficaram desactivados.Já não há necessidade de instalações para investigação?Noutros tempos a investigação precisava de muito mais animais que hoje. Precisava de muito mais dimensão. Hoje a investigação faz-se mais dentro de portas com equipamentos mais sofisticados. Muitos espaços da Estação ficaram devolutos por causa disso. A EZN cresceu muito com uma lógica, mas essa lógica foi mudando.De que forma é que a estação poderia ser aproveitada?A Estação tem anfiteatros muito bons, tem refeitórios, tem serviços sociais, tem bons acessos, estacionamento, está no centro do país e podiam ser aqui concentrados serviços do Estado. Aqui existe uma coisa que talvez não seja muito frequente em Santarém e até no país: temos duas subestações eléctricas que disparam automaticamente quando há quebras de electricidade, pelo que aqui dentro nunca falta a energia e isso hoje em dia é uma mais-valia muito importante.O que é que poderia ser instalado neste complexo.Acho que isto deve ser um espaço que não deve ser encarado como exclusivo desta ou daquela instituição. Não vejo inconveniente em que as instalações sejam rentabilizadas por outros sectores, até mesmo privados.Era interessante fazer uma feira técnica ligada à agricultura ou à pecuária na EZN?Hoje o local não é o mais importante. A feira do milho é um exemplo paradigmático. É feita no meio do campo, com dificuldades de acesso e não foi por isso que deixou de ter procura. Actualmente as pessoas são mais selectivas e vão mais onde acham que vale a pena. A Estação tem condições, tem espaço…Um alentejano no RibatejoJoão Ramalho Ribeiro nasceu em Marvão, distrito de Portalegre, em 2 de Fevereiro de 1946. Licenciado em medicina veterinária fez o estágio na Estação Zootécnica Nacional (EZN), na Quinta da Fonte Boa (Vale de Santarém), com o professor Vaz Portugal, optando pela área da produção animal. Depois do serviço militar fez o mestrado e o doutoramento no Reino Unido e regressou. A sua vida profissional em Portugal foi sempre feita na EZN até à aposentação, em Abril de 2010, quando era coordenador da Unidade de Produção Animal do Instituto Nacional de Investigação Agrária. Foi professor universitário e da Escola Superior Agrária de Santarém desde que a antiga escola de regentes agrícolas assumiu esse nome, era então presidente do recém-criado Instituto Politécnico de Santarém o professor Veríssimo Serrão.Continua ligado ao complexo da Fonte Boa como presidente dos serviços sociais da EZN. A sua relação com o Ribatejo foi proporcionada pela via profissional que seguiu. Alguns dos quatro filhos já nasceram em Santarém. Tem sete netos e mais um a caminho. Reside na Póvoa da Isenta, perto da EZN. Esteve muito ligado às questões profissionais na Ordem dos Médicos Veterinários, foi candidato “perdedor” a bastonário e hoje ainda é representante português em Bruxelas no Comité Permanente de Investigação Agrária ao nível da Comissão Europeia. Em Portugal, fez avaliação de cursos universitários e politécnicos e a nível europeu faz avaliação externa para acreditação de cursos de medicina veterinária.Uma IPSS e uma empresa dentro dos muros da EZNA gestão de uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) e de uma associação ligadas aos serviços sociais da Estação Zootécnica Nacional (EZN) ocupam boa parte do tempo de João Ramalho Ribeiro, desde a sua aposentação há dois anos e meio. O Centro Educativo e de Solidariedade Social EZN da Fonte Boa tem valências de creche, pré-escolar e ATL que envolvem perto de 180 crianças; presta apoio domiciliário a 18 idosos em Almoster, Póvoa da Isenta e Vale de Santarém e gere uma cantina social que fornece 30 refeições diárias nas freguesias de Almoster e Póvoa da Isenta. A IPSS é também representante do Banco Alimentar Contra a Fome na zona sul do concelho de Santarém. Os serviços sociais da EZN nasceram para apoiar os funcionários do complexo e tiveram de se abrir ao exterior e diversificar a oferta para garantirem a sua sustentabilidade. Hoje a IPSS tem um quadro de pessoal com 34 funcionários e mais seis ao abrigo de programas do Centro de Emprego. Movimenta um orçamento anual da ordem dos 620 mil euros, cerca de metade para vencimentos.A Associação Centro de Alojamento e Restauração EZN da Fonte Boa gere a residência, com 100 camas e quartos de diversas tipologias, e o refeitório onde são servidas diariamente 280 refeições e que disponibiliza também serviço de catering. Esses alojamentos, com um preço apelativo, são muito procurados durante a realização na cidade de eventos como o Festival Nacional de Gastronomia, a Feira Nacional de Agricultura ou o Festival de Folclore Celestino Graça, bem como por peregrinos a caminho de Fátima. “São duas entidades que se complementam e potenciam as instalações”, diz Ramalho Ribeiro.
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