Há um novo tratamento para o cancro da próstata em Santarém
Urologista Paulo Corceiro é o responsável pela implementação da braquiterapia no Hospital Privado da cidade
Método evita a cirurgia convencional e não afecta faculdades sexuais dos pacientes, mas tem dois óbices: é caro e só pode ser aplicado na fase inicial do tumor. Daí que a detecção precoce seja fundamental.
O médico Paulo Corceiro, 42 anos, é o responsável pelo desenvolvimento, no Hospital Privado de Santarém, de algumas técnicas no tratamento de doenças urológicas que não existem na nossa região ao nível dos hospitais públicos. Um novo método de tratamento do cancro da próstata através de braquiterapia abre perspectivas mais risonhas para quem sofre da doença na sua fase inicial, pois debela de vez o tumor e garante a manutenção das faculdades sexuais do paciente, que muitas vezes são afectadas após a cirurgia, que continua a ser a técnica de tratamento mais comum.O responsável pelo serviço de Urologia do Hospital Privado de Santarém exerceu durante alguns anos no Hospital Distrital de Santarém e refere que nunca teve ao dispor a nova tecnologia que proporciona métodos de tratamento mais eficazes quer de cálculos renais (pedras nos rins), através de cirurgia a laser, quer do cancro da próstata.A braquiterapia consiste na colocação de implantes radioactivos na próstata que acabam por eliminar as células malignas do cancro sem necessidade de cirurgia. O especialista ressalva que essa terapia só pode ser aplicada em casos de tumores na fase inicial. “Parecem umas sementes de material radioactivo que ficam a fazer radiação local na próstata durante cerca de seis meses. Acabam por debelar o cancro com menos agressividade para o doente e sem as consequências da cirurgia do ponto de vista da sexualidade. E estamos às vezes a falar de doentes na casa dos 50 e dos 60 anos”, explica.O médico diz que aparecem cada vez mais doentes com idades mais baixas, o que explica um maior índice de detecção precoce do cancro da próstata. “Os homens hoje estão mais susceptíveis a querer saber o que se passa com a próstata, vão à consulta e fazem análises como o PSA que permite detectar cancros em fases muito iniciais, sem que haja queixas urinárias ou outros sintomas”.O clínico refere que o cancro da próstata, mais vulgar a partir dos 60 anos, não se manifesta logo de início. Por vezes quando surgem sintomas, como a dificuldade em urinar, já está em fase bastante avançada. “O cancro da próstata tem no entanto uma coisa boa. Raramente evolui de uma forma muito rápida. Tem uma fase de latência grande. Mas no caso da braquiterapia a detecção logo na fase inicial é um factor essencial”.Por isso aconselha a que se façam exames a partir dos 50 anos para quem não tem antecedentes da doença na família, ou a partir dos 45 anos quando haja casos entre os parentes mais chegados. O factor genético e a idade são os únicos sinais de risco por onde a ciência se pode guiar. O médico diz estar provado que quem já teve um caso de cancro da próstata na família mais próxima tem cinco vezes mais probabilidades de o contrair do que um indivíduo que não tem esse histórico familiar. O factor genético leva ainda a que os homens de raça negra tenham mais propensão a padecer da doença, exemplifica.A cura da doença depende muito da sua detecção precoce. Se for tardia não é possível curá-la, embora nem sempre seja fatal. “O cancro da próstata tem um comportamento muito inesperado. Enquanto num cancro do cólon, do intestino ou do estômago conseguimos prever quase com certeza o que vai acontecer aquele doente dado o estado em que está, no cancro da próstata não há um padrão”.Um método eficaz mas caro Estes novos métodos não estão acessíveis na maioria dos hospitais públicos por razões financeiras. Uma braquiterapia no Hospital Privado de Santarém custa 11.500 euros. “Só as sementes radioactivas custam em média 4 mil euros por cada doente. São importadas, essencialmente da Alemanha. É uma tecnologia cara. E nos tempos que correm se há duas formas de tratar o mesmo tumor com igual eficácia é natural que o Estado opte pela menos dispendiosa”. Por isso, o médico reconhece que é uma felicidade para o paciente que o tumor seja detectado a tempo da braquiterapia e também que tenha um seguro de saúde ou posses que permitam custear o novo método de tratamento.A braquiterapia, técnica que nasceu há cerca de 10 anos nos Estados Unidos da América, é feita com recurso a anestesia geral, embora não seja uma cirurgia. O doente é algaliado, é colocada uma sonda no recto que permite a monitorização da zona afectada através de imagem, e são colocadas as tais sementes radioactivas na próstata. O procedimento demora entre 45 minutos a uma hora e o doente tem alta no dia seguinte.Exame à próstata é uma dor de cabeça para muitos homensO médico admite que o exame à próstata continua a ser uma dor de cabeça para muitos homens, embora as mentalidades estejam a mudar. “Também é uma questão cultural. Mas já ando nestas questões da Urologia há cerca de 17 anos e hoje noto que quando me entra na consulta um doente com 70 anos é completamente diferente do que era há 15 anos. Hoje há uma aceitação muito mais fácil de fazer esse tipo de exame, porque o toque rectal continua a ser o mais importante na detecção do cancro da próstata e o mais fiável a par com o PSA”. E para que não restem dúvidas, o urologista deixa claro que o toque rectal é imprescindível. “Os urologistas espanhóis têm uma expressão engraçada a esse propósito: Urólogo que no pone el dedo mete la pata. Ou seja, o médico que não mete o dedo faz asneira”.“Não sou de Santarém mas é como se fosse”Paulo Alexandre Russo Corceiro nasceu em Angola em 10 de Março de 1970. Após a descolonização regressa com os pais a Portugal, indo viver primeiro para uma aldeia da zona da Guarda, de onde é oriunda a família, e depois para Lisboa. Em 1982 vai viver com a mãe e os dois irmãos para Santarém, onde ainda reside. “Não sou de Santarém mas é como se fosse, embora continue a ter alguma dificuldade em identificar-me com a cidade”, diz.Casou com uma escalabitana, a médica Rita Corceiro, e é pai de duas filhas, com 10 e 13 anos de idade. Paulo Corceiro completou o 12º ano de escolaridade na Escola Secundária Sá da Bandeira em Santarém e ingressou no curso de Medicina em 1988 na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa.Licenciou-se em Medicina em 1994 e começou a trabalhar no Hospital Distrital de Santarém em Janeiro de 1995, onde fez o Internato Geral que completou em Dezembro de 1996. Em Janeiro de 1997 iniciou o Internato Complementar em Urologia no Serviço de Urologia do Hospital Pulido Valente em Lisboa. Durante esse período fez vários estágios e cursos em Portugal e no estrangeiro. Obteve o título de Assistente Hospitalar em Urologia em Fevereiro de 2004 com a nota final de 19 valores.Em Maio de 2004 voltou para o Hospital Distrital de Santarém, como Especialista em Urologia, onde trabalhou até Setembro de 2010. Durante a sua actividade desenvolveu algumas áreas, nomeadamente no tratamento de doenças oncológicas e no tratamento da incontinência urinária feminina. Para além de ser o responsável pelo Serviço de Urologia do Hospital Privado de Santarém, inaugurado em Dezembro de 2011, trabalha no Serviço de Urologia do Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, desde Maio de 2008. Desde 2002 faz clínica privada na região de Santarém, nomeadamente em consultórios em Santarém, Almeirim e Cartaxo.“Há uma desmotivação geral nos médicos do Sistema Nacional de Saúde”Foi médico do Serviço Nacional de Saúde tendo decidido apostar no sector privado. Ser médico no sistema público não compensa?A questão não foi essa. Senti orgulho em trabalhar no Sistema Nacional de Saúde, até porque a vontade de ser médico conheço-a desde os dois ou três anos. E nessas idades a gente não pensa se vai ganhar dinheiro ou não. Sempre pautei a minha vontade de ser médico por uma questão de vocação. Saí porque surgiu este projecto do Hospital Privado de Santarém, que fazia falta. Foi uma questão de motivação?Sim, foi isso que me moveu mais. De há uns anos para cá há uma desmotivação geral nos médicos do Sistema Nacional de Saúde. Isso é incontornável. É diferente a forma como se trabalhava num hospital público há 10 ou 15 anos e a forma como se trabalha hoje. Andamos sempre a correr, há a questão das remunerações, das carreiras. Quando estava a tirar a especialidade lembro-me que de dois em dois anos ou de três em três havia um concurso que possibilitava progressão na carreira. Após acabar a especialidade não houve qualquer motivação de carreira no Sistema Nacional de Saúde. Zero! Até que chegou a oportunidade de sair.A vida de um médico é bastante complexa e temos de tomar opções. Quando surgiu este projecto do Hospital Privado de Santarém e me convidaram para ser o responsável da Urologia tive de optar. Não dava para me manter nos dois lados. Embora não ache que os sistemas público e privado sejam concorrentes, mas sim complementares. Era difícil estar nos dois lados numa cidade pequena. Mas não saí zangado.Além disso trabalha num hospital em Lisboa.Quando abriu o Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, em 2008, fui convidado a trabalhar lá. O que me ocupa também muito tempo. Por isso na altura reduzi o meu trabalho no hospital público. Há colegas meus que têm o dom da ubiquidade, mas eu nunca o consegui ter. Com este projecto decidi deixar o Serviço Nacional de Saúde, onde continuei até ao fim deste mês a fazer uma consulta do seguimento dos doentes que tinha, na altura mais de 700.São notórias as dificuldades de alguns hospitais públicos fora dos grandes centros em recrutar médicos para determinadas especialidades. Como se dá a volta a esta situação?Com uma remuneração mais aliciante. Neste momento o Estado está a fazer contratos com especialistas por 2 mil euros brutos mensais, em média, para 40 horas de trabalho semanais. Um indivíduo que viva em Lisboa e que venha a Santarém ganhar 2 mil euros brutos no hospital, com horário de 40 horas que não lhe permite fazer mais nada, deixa metade desse dinheiro na auto-estrada em gasóleo e portagens. Nos últimos cinco ou seis anos a remuneração foi baixando, cortaram nas horas extraordinárias e os sábados deixaram de contar como trabalho extraordinário. Essa compensação não transmite qualquer motivação.A agenda política está a pôr em causa o Serviço Nacional de Saúde?Penso que sim, embora de uma forma totalmente dissimulada, porque se calhar a saúde é o que dá e tira mais votos e não será muito correcto para um político mostrar que o Serviço Nacional de Saúde está a ficar de alguma forma abandonado. Assim nunca mais ganha uma eleição.
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