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A minha vida dava um bom obituário

É normal ouvir pessoas dizerem coisas como “a minha vida dava um livro” ou, modernamente, “a minha vida dava um filme”. Que eu me lembre nunca ouvi dizer a ninguém que a sua vida dava um belo obituário. E na verdade há muitos cidadãos anónimos cujas vidas davam melhores obituários que os feitos para certos defuntos ilustres. Quando era mais novo intrigava-me o interesse dos velhos pelas páginas de necrologia dos jornais. Agora sou eu que lamento que a maioria dos jornais não tenha mais páginas de necrologia e, principalmente, que não tenha obituários. Daqueles obituários relativos a pessoas famosas, escritos no mais fino estilo literário, por quem sabe da escrita de obituários, mas também obituários de pessoas simples que viveram honestamente as suas vidas, estudaram, trabalharam, tiveram filhos, netos, amores, desamores...enfim, tiveram vidas vividas com gostos e desgostos longe das câmaras de televisão ou das páginas dos jornais.Na minha cidade paro muitas vezes para ler os anúncios de falecimentos que os agentes funerários colam em locais próprios. Infelizmente a cidade cresceu e cada agente tem os seus locais o que me impede de estar a par de todos os funerais e missas do sétimo dia. Também consulto alguns sites de agências mas a informação é escassa. Sei que há famílias que não mostram interesse em dar a conhecer o falecimento dos seus membros. Outras não têm cabeça para pensar nisso no meio do desgosto. É pena.A informação sobre as mortes que ocorrem numa determinada cidade ou região são úteis. Já se têm gerado muitos mal entendidos por causa da falta dessas notícias. Se eu morrer como posso avisar os meus amigos do que se passou? E como sabem os meus familiares a quem devem anunciar o meu falecimento se no meu telemóvel há mais de trezentos contactos? Mas se algum dos meus melhores amigos ou familiar mais chegado faltar ao meu enterro por falta de conhecimento da minha morte, isso vai ser comentado.Mas do que eu queria falar mesmo era dos obituários. Informação sobre o falecido. Um homem por mais recatado que seja tem sempre algo de seu que deve ser partilhado. Que não pode morrer com ele ou ficar apenas com a família. Há pessoas que conheço há anos mas das quais sei pouco ou nada. A vida é uma correria e não há muito tempo para conversas sobre as nossas vidas. É pena mas é mesmo assim. É a tirania da vida moderna. Se alguma dessas pessoas com quem me cruzo e cumprimento com deferência desaparece é justo que, pelo menos nessa altura, eu possa ficar a saber um pouco mais sobre ela. Ao fim de tantos anos uma vida não se deveria riscar assim do mapa sem deixar rasto. Pensem nisto aqueles que me estão a ler. Aceitem a sugestão dos agentes funerários e noticiem o falecimento dos vossos mais próximos. Há mais pessoas que vão sentir a sua falta para além de vocês, acreditem. E há mais pessoas a achar que se a vida deles não deu o tal livro ou o tal filme, merece, pelo menos, um obituário.Rui Ricardo

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