O hábito de fotografar os mortos com família e amigos antes do funeral
Relatos de situações em Portugal e em algumas zonas de origem de imigrantes de Leste
De um modo geral as pessoas gostam de recordar os seus mortos, sejam familiares ou amigos, como eles eram em vida, mas guardar os últimos momentos da presença dos falecidos ao cimo da terra, é uma tradição que ainda vai subsistindo. Há relatos de casos em Portugal embora longe do Ribatejo e de países de origem de imigrantes que trabalham no nosso país.
Em Abril de 1989, na Chamusca, no decorrer do primeiro encontro “Atitudes Perante a Morte”, o professor universitário de Antropologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Brian Juan O’Neill, referiu a certa altura da sua comunicação “Morte Social e Linhas de Família numa aldeia nortenha, 1870-1990” que no decurso do seu trabalho de campo, tinha sido “empurrado” para começar a fotografar mortos em urna aberta, em velórios, missas de corpo presente e enterros, o que fez durante algum tempo.O relato feito pelo antropólogo está registado no livro”Atitudes Perante a Morte” (Livraria Minerva - Coimbra 1991) onde o coordenador do encontro, professor António Matias Coelho reuniu cinco diferentes abordagens da Morte apresentadas no encontro. Diz ele que o pedido para que fotografasse os mortos lhe foi justificado com o desejo de os familiares dos falecidos desejarem ficar com a memória do parente “nos seus últimos momentos”.Não existe relato de situação semelhante no Ribatejo mas O MIRANTE descobriu, junto de imigrantes provenientes da Ucrânia, que a tradição de fotografar os mortos com a família, vizinhos e amigos ainda existe em algumas regiões daquele país. Com essa informação contactámos algumas casas de fotografia da área de abrangência do jornal para saber se alguma vez tinham sido solicitados para fotografar imigrantes ucranianos falecidos em Portugal mas as respostas foram todas negativas. Tal facto também poderá ser explicado pela vulgarização das máquinas digitais, que permitem que tal trabalho seja feita por um amador, sem custos. Num trabalho jornalístico sobre um imigrante romeno que morreu afogado na praia fluvial de Valada, no Cartaxo, foi dito ao jornalista que a família tinha pedido para o morto ser fotografado na urna antes do corpo ser enviado para o seu país natal. O pedido, que seria satisfeito por um amigo do falecido, acabaria por não ser satisfeito devido à decomposição que o corpo sofreu por ter faltado a luz durante dois dias na casa mortuária onde estava a câmara frigorífica.Em Portugal é normal serem feitas reportagens de funerais de pessoas ilustres, nomeadamente de políticos ou artistas. O MIRANTE fez algumas mas os jornalistas destacados para as mesmas fizeram o trabalho constrangidos e em certos casos sentiram que a sua presença apenas era aceite porque o falecido era figura pública. De um modo geral a intromissão em momentos de dor é encarada com alguma hostilidade e fotografar ou filmar o defunto é um sinal de falta de respeito. Tal não acontece, no entanto, em grandes funerais nacionais e há registos fotográficos e em vídeo de mortos famosos como Salazar, Amália Rodrigues, Álvaro Cunhal e outros. A fotografia que ilustra este artigo, foi cedida por uma família ucraniana da aldeia de Kobaky na região de Ivano-Frankivsky, que é porta de entrada para a zona montanhosa dos Cárpatos. Faz parte de um álbum relativo ao funeral de um senhor falecido em Maio de 1991. Actualmente o ritual de fotografar os falecidos com a família, amigos e vizinhos, antes e durante o funeral mantem-se, nomeadamente nas vilas e aldeias rurais, embora já surjam algumas excepções, ditadas muitas vezes pelas próprias pessoas em vida, como tivemos ocasião de constatar numa conversa com um dos habitantes da aldeia de Kobaky, que tem duas filhas a trabalhar em Portugal, que já comunicou à família a sua recusa em ser fotografado depois de morto.Nas aldeias e vilas da região pré-carpática e nos Cárpatos, os mortos continuam a ser velados nas suas casas onde permanecem durante três dias. O fotógrafo é chamado para o funeral que ocorre ao terceiro dia. Faz fotografias da família, em pose, junto ao defunto e fotografias da família, vizinhos e amigos também em pose junto ao caixão aberto. A seguir faz fotografias tipo reportagem durante a cerimónia religiosa que ocorre na altura antes da saída para o cemitério. Muitas das fotografias são feitas no exterior, em frente à casa, quando a sala onde está o morto não é suficiente para albergar todas as pessoas ou por questões relacionadas com aspectos técnicos como a luminosidade. Para além do álbum que fica na posse da família, as pessoas podem encomendar fotografias para si, como se faz normalmente nos casamentos. Tal como em Portugal, também noutros países, como a Ucrânia que aqui serve de exemplo, o acto de fotografar os mortos, está confinado a determinadas regiões. O MIRANTE contactou cerca de uma dezena de imigrantes, através de contactos disponibilizados pelo ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural), para saber se nas suas regiões de origem existia tal tradição e nenhuma das respostas foi positiva.
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