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Uma mulher de fibra que gosta de ver os outros felizes

Uma mulher de fibra que gosta de ver os outros felizes

Dúnia Palma é presidente da delegação distrital de Santarém da Associação de Solidariedade Social dos Professores

Foi professora, vereadora na Câmara de Santarém durante oito anos, autarca na assembleia municipal e actualmente lidera a associação também conhecida como Casa do Professor. Dúnia Palma gosta de servir a comunidade e de concretizar projectos. A morte inesperada do marido e o cancro que teve de enfrentar nos últimos anos não lhe tolheram a vontade de continuar a contribuir para uma sociedade melhor. Confessa ter saudades de dar aulas e considera que os professores já foram mais respeitados. “Hoje acontece qualquer coisa com o aluno e, para os pais, a culpa é quase sempre do professor”, afirma.

Assumiu recentemente a presidência da Direcção da Associação de Solidariedade Social dos Professores em Santarém. Tem necessidade de estar ocupada?Gosto de participar. Não sou muito de assumir atitudes passivas face a determinadas situações. Comecei a colaborar com a Casa do Professor durante a minha passagem pela vereação da Câmara de Santarém e contactava esporadicamente com a sua actividade. Quando me convidaram para integrar a lista anterior aceitei e fui vice-presidente. Gostei muito de trabalhar com o presidente João Peres. Foi um trabalho gratificante em que vimos resultados. E sempre compreenderam muito bem os meus episódios em Lisboa para tratamentos devido à doença grave que atravessava e que atravesso, porque a luta continua.A superação de um cancro é uma experiência marcante.Sim. Há muitas coisas a que nos agarramos. Para mim foram muito importantes a família, os amigos, o facto de ter uma obrigação para com a comunidade, no caso como dirigente da Casa do Professor.Passou a ver a vida de outra forma?Sempre valorizei muito esses aspectos que referi. Praticar tai chi e chi kung é também muito importante. A componente de meditação dessas artes orientais faz com que haja uma certa libertação dos episódios imediatos, parece que somos elevados para um patamar diferente. Dá-me uma paz interior que me permite essa tal luta e manter sempre um espírito positivo ao encarar cada etapa.Há seis anos enfrentou o falecimento do seu marido. Depois lutou contra um cancro. A sua capacidade de resistência foi posta à prova.Foram embates muito grandes e ainda está por provar se não houve uma relação directa entre o desgosto que sofri e o aparecimento da doença. Seja como for, cá estou, preparada para continuar a lutar. Claro que os meus filhos não acham muita piada que eu passe os dias na Casa do Professor. Preferiam que estivesse com eles em Lisboa. Gosto imenso de estar com eles e com os meus quatro netos, mas também gosto de participar na vida da comunidade. Achei que era importante participar nesta associação, dar atenção aos problemas dos colegas.Os professores continuam a ser respeitados?Acho que sim. Talvez tenha é encurtado a distância entre aquilo que os pais pensavam e o resto da sociedade. Antes os pais colocavam os professores no alto, e a sociedade colocava-os a meia altura. Acho que agora essa distância se encurtou, que os pais perderam um pouco de respeito pelos professores. Em termos gerais acho que se aproximaram da média. Os pais estão a deixar a educação dos filhos um bocado a cargo das escolas, demitindo-se das suas responsabilidades?Por aquilo que ainda vivi e que tenho vindo a constatar, noto hoje uma grande diferença em relação a certos comportamentos. Hoje acontece qualquer coisa com o aluno e, para os pais, a culpa é quase sempre do professor. Dantes, irremediavelmente, a culpa era do aluno. Se tinha más notas ou portava-se mal, a culpa era sempre do aluno. Hoje, a maioria dos pais acha que são os professores que têm a culpa. Não vou dizer que antes é que se pensava correctamente. Mas, globalmente, antes havia mais respeito pelos professores. A escola deve ensinar e os pais devem educar?O professor nunca se pode dissociar da sua função de educador. Os alunos estão numa idade em que assimilam tudo. Há muitos alunos que vêem no professor uma referência e o professor deve ter isso em conta.Muitos professores queixam-se da indisciplina, da falta de educação dos alunos. Há quem diga que a escola já não tem a autoridade que tinha.A escola teve uma abertura brutal a seguir ao 25 de Abril e nós lutámos convictamente pela escola para todos. Se dantes alguns alunos estavam na escola com um sacrifício brutal dos pais, agora eles estão é a fazer um favor imenso aos pais pois a escola não lhes interessa nada. Por vezes conclui-se de uma maneira um bocado ligeira que a escola não lhes interessa porque não há perspectivas de emprego e de futuro. Outros justificam esse desinteresse dizendo que os alunos conseguem saber tudo pela Internet e que por muito que o professor faça nada lhes interessa.É abusivo generalizar, obviamente.Claro. Há professores que são verdadeiros artistas e seja o que for de que falem conseguem ter o interesse dos alunos.Cativar o aluno vai muito do professor?Sim, da sua personalidade e da sua competência. Tanto que se diz que nem toda a gente pode ser professor. Se não conseguirmos prender a atenção dos jovens que estão à nossa frente o que se vai fazer? Por isso é que há professores muito queridos pelos alunos, mesmo que a sua bagagem não seja excepcional, porque têm esse tal jeito. Um bom professor não tem que ser um sábio. Deve é saber motivar o aluno para o incentivar na pesquisa, no valor da educação, na sua experimentação diária.Foi professora de matemática, uma disciplina maldita para muitos alunos. Ficava desanimada com as más notas dos seus alunos?Não me posso queixar muito. A matemática tem uma vantagem muito grande. Permite fazer marcha-atrás e ir até ao ponto que eles não perceberam. Às vezes são coisas tão simples... Custou-lhe deixar a actividade docente?Tenho imensas saudades dos meus alunos. Gostava mais de ser professora de matemática do que de física e química, porque na matemática, sendo as coisas mais objectivas, podemos programar e cumprir melhor. Era mais seguro dar aulas de matemática por isso e foi um prazer ter tido muitos alunos que seguiram matemática. E alguns “culparam-me” disso. Santarém está com um ar tristeComo tem visto a evolução de Santarém. Enche-lhe as medidas ou nem por isso?Tem-me custado muito ver tantas lojas fechadas, não se vê ninguém na rua, há muitas casas em mau estado. A cidade está com um ar triste. Não sei se é por ser Inverno...Veio residir para Santarém em 1971 por via da actividade profissional do seu marido (que era militar) e por cá ficou. Santarém era uma cidade diferente para melhor ou para pior?Acho que era pior. Não gostava das ruas, eram muito más. Trabalhei no colégio Andaluz e o caminho para lá era uma autêntica picada. Mas a cidade não era tão triste.Converteu-se rapidamente às tradições ribatejanas?Menos às touradas. Sou contra as touradas, não gosto de ver sofrer o animal. Gosto muito de cavalos, pratiquei equitação, mas de touradas não. Nunca assisti a uma. A Câmara de Santarém nos últimos anos promoveu a festa brava com compra e oferta de bilhetes e organização de festejos junto à praça de touros. Como viu essa atitude?Quem sou eu para concordar ou deixar de concordar. Respeito muito quem gosta, tenho o espírito muito aberto. A variedade é que faz a nossa sociedade. Não gosto de fundamentalismos.O que mais a seduz no Ribatejo?Gosto muito da lezíria, do rio Tejo, apesar de não estar devidamente valorizado. Santarém foi um sítio para onde vim à descoberta, não conhecia nada da cidade e das suas gentes.“Dou tudo por uma boa discussão”Esteve algum tempo menos activa na comunidade. Foi um retiro após a passagem pela Câmara de Santarém?A partir de 2001 resolvi acompanhar o meu marido e estive fora, em Madrid dois anos, um ano no Porto e outro ano em Lisboa. Entretanto o meu marido faleceu, em 2007. Quando regressei de Lisboa já fazia parte da assembleia municipal novamente.O que aprendeu de relevante com essa passagem pela vereação da Câmara de Santarém durante oito anos?Com a multiplicidade de pelouros que tinha, dois deles de peso, a educação e a acção social, o que mais gostei foi de poder planificar e concretizar. Em 1995, com o Governo de António Guterres, saiu uma lei para generalização do pré-escolar. Criar salas de jardim de infância com pouco dinheiro, com a prata da casa, e ocupar mais educadoras foi óptimo. Quando me proponho fazer uma coisa faço mesmo. Era fácil trabalhar com o presidente José Miguel Noras?Sim. Achei sempre fácil. Evidentemente que havia alturas em que não estávamos de acordo. Mas sempre parti do princípio que era vereadora com pelouros delegados por ele, portanto se houvesse questões de fundo com que eu não concordasse entregava-lhe pura e simplesmente os pelouros.Aquela aposta na candidatura de Santarém a Património Mundial não foi desmesurada, megalómana?Não sei. Esse projecto já vinha do executivo anterior. Era uma entusiasta desse projecto?Eu ia por tabela... Sou muito mais prática e o que me leva a estar aqui ou a ter sido vereadora é tentar melhorar as condições de vida das pessoas. Gosto de ver o resultado das acções e de ver as pessoas felizes. Só faço estas coisas enquanto me sentir bem. Não sou pessoa para estar contrariada ou a desgastar-me.Se a desafiassem a voltar à política autárquica ia pensar?Acho que não. Não gosto de ser peremptória, mas dependia muito das condições. Sei reconhecer em determinadas pessoas melhores condições para certos cargos. Aconteceu-me isso agora. Desafiaram-me para a direcção nacional desta associação e eu achei que havia uma pessoa mais indicada para ir para lá do que eu. Não há aí um excesso de modéstia?Não. Acho que o mal do nosso país é que às vezes as pessoas não estão no lugar certo. Podem ser muito competentes, mas não é para aquilo. E há pessoas que têm uma noção das suas próprias capacidades hipervalorizada (risos). Gostou também da experiência na Assembleia Municipal de Santarém?Nesta última passagem não. Gostei da primeira passagem, antes de ter sido vereadora, entre 1989 e 1993. A política era mais correcta. Aprendi muito. Desconhecia completamente o que era uma assembleia municipal e estar lá com o Ladislau Botas e com outros camaradas foi muito interessante. O que correu mal desta última vez, entre 2005 e 2009?Gosto de estar nas coisas com prazer. Nesta última passagem saía muitas vezes das sessões mal disposta, montes de vezes enxovalhada...Por causa das intervenções do então presidente da câmara Moita Flores?Sentia-me mal. Perguntava-me o que estava ali a fazer. Não era bem pela crispação. Eu dou tudo por uma boa discussão, gosto de esgrimir argumentos. Agora quando a discussão é dirigida ao carácter das pessoas, quando se insulta uma pessoa, isso não!A conspiração contra o regime passou por sua casaDúnia Palma nasceu na Amadora em 4 de Maio de 1948 mas as suas raízes são algarvias. Veio para Santarém por via da profissão do marido, militar, oficial da arma de Cavalaria. Na sua casa na Rua Nuno Velho Pereira, em finais de 1973, realizou-se uma reunião conspirativa do movimento dos capitães que preparou a revolução de 25 de Abril de 1974. A jovem professora sabia que se preparava algo em grande, só não sabia quando. O seu marido, António Palma, ex-comandante da Escola Prática de Cavalaria falecido há seis anos, não participou no golpe militar pois estava mobilizado para uma missão em Moçambique e gozava na altura de um curto período de férias.Oriunda de uma família politicamente comprometida com os ideais de esquerda, Dúnia Palma perfilhou desde sempre esses valores, tendo participado na vida política escalabitana como eleita da assembleia municipal em dois mandatos e e como vereadora noutros dois, entre 1994 e final de 2001, sempre eleita pelo Partido Socialista, embora só se tenha feito militante do PS durante o último mandato na câmara.Mãe de um casal e avó de quatro netos, foi professora de Matemática e de Física e Química, primeiro na Escola Secundária Sá da Bandeira e depois na Escola Secundária Dr. Ginestal Machado. Deixou o ensino em 1994, quando foi eleita para a Câmara de Santarém, onde ocupou pelouros como os da Educação e da Acção Socal durante dois mandatos Formada em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico, actualmente dá boa parte do seu tempo à delegação distrital da Associação de Solidariedade Social dos Professores, de que é presidente recentemente empossada. Integra ainda a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Santarém, que ajudou a criar enquanto vereadora, agora como técnica cooptada.Adepta de uma boa conversa, Dúnia Palma salpica a entrevista com episódios vários para ilustrar as suas respostas. Procurou nas artes orientais como o tai chi as energias para enfrentar as agruras da vida que a atingiram nos últimos anos, como o falecimento súbito do marido em 2007 e o cancro da mama que a alvejou três anos depois. Porque, como diz a dado passo, a luta continua!
Uma mulher de fibra que gosta de ver os outros felizes

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