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Manuel dos Santos “Becas” é bandarilheiro porque nunca teve quem o ajudasse a ser matador

Manuel dos Santos “Becas” é bandarilheiro porque nunca teve quem o ajudasse a ser matador

Elemento da quadrilha de Ana Batista começou aos quatro anos a tourear um cão que tinha em casa

Manuel dos Santos, mais conhecido por “Becas”, 39 anos, é um bandarilheiro de Samora Correia que integra actualmente a quadrilha da cavaleira de Salvaterra de Magos, Ana Batista. O seu sonho era ser matador de toiros, mas os parcos recursos económicos e o facto de não ter encontrado quem apostasse nele, impediram-no de voar mais alto.

Becas é alcunha de menino que nunca mais o largou. Em pequeno gostava tanto de bolachas que os amigos baptizaram-no com o nome da personagem da Rua Sésamo. Manuel dos Santos cresceu na Rua 31 de Janeiro, em Samora Correia, perto do Largo do Calvário, com as largadas de toiros mesmo à porta da sua casa. Tinha ainda quatro anos e já ensaiava passes de capote com o cão a servir de toiro. O sonho era ser matador de toiros e até tem o mesmo nome daquele que é considerado por muitos um dos melhores matadores de toiros que actuou nas décadas de 50 a 70. Mas a oportunidade nunca surgiu. Hoje é um bandarilheiro reconhecido do meio tauromáquico. O pai, um grande aficionado, levava-o às corridas de toiros e os trajes dos cavaleiros deixavam-no fascinado. “Eram os meus heróis, era assim que eu queria ser”, diz. Numa pequena quinta onde o pai criava alguns animais, Becas passava tardes inteiras com um saco a tourear o seu cão. Os pais cedo perceberam que o seu gosto se estava a tornar sério, mas as posses não eram muitas e andaram à procura de ajuda. Becas iniciou os seus primeiros passos aos oito anos com o toureiro António José de Oliveira e pouco tempo depois com o matador de toiros Eduardo Oliveira, ambos da Casa Oliveira & Irmãos, de Samora Correia. Ingressou aos dez anos na Escola de Toureio “José Falcão”, em Vila Franca de Xira, onde começou a treinar para ser novilheiro, embora no seu íntimo quisesse ser matador de toiros. Já por volta dos 18 anos, esteve a morar na casa de alguns bandarilheiros, em Espanha, que ainda lhe trazem más recordações. “Prometiam-me algumas novilhadas que nunca chegaram a concretizar-se. Os meus pais enviavam dinheiro para essas pessoas para a minha alimentação, mas passava muito mal. Estive meses na casa de um senhor onde almoçava todos os dias atum com salada, mas o sonho era tão grande que ia aguentando tudo”, recorda. Fartou-se e regressou a Portugal onde actuou nas principais praças do país, mas as novilhadas eram muito mal pagas e Becas precisou de mudar de vida. “Precisava de alguém influente em Espanha que me desse uma oportunidade e apostasse em mim para ser matador de toiros. Infelizmente, esse momento nunca chegou”, explica. Tornou-se bandarilheiro profissional em 1997 na Praça do Campo Pequeno, em Lisboa. “Senti que desci um pouco, mas não me importo. Um bandarilheiro é sempre uma figura de segundo plano, deve ser discreto, mas também gosto de fazer os meus brilharetes”, diz. Fez parte da quadrilha dos cavaleiros João Salgueiro, José Manuel Duarte, Sónia Matias, Rui Fernandes, João Moura Jr. e agora acompanha Ana Batista. Gosta de trabalhar com mulheres. “Por um lado sinto mais responsabilidade, tenho de estar mais atento, mas por outro são mais belas, mais triunfadoras. Penso que trouxeram um grande fulgor à Festa Brava em Portugal”, admite. Manuel dos Santos não consegue viver só dos toiros. Trabalha numa fábrica e só depois do trabalho é que vai treinar com Ana Batista. Antes de sair de casa para uma corrida, coloca um fio de ouro com a figura de Jesus, que a filha de quatro anos beija também. Espera continuar a sua carreira de bandarilheiro até ter forças para aguentar. Depois de sair de cena, quer concretizar um sonho: abrir uma escola de toureio em Samora Correia. Existem muitos interesses instalados no mundo tauromáquicoUma das maiores traições que Becas diz ter vivido ao longo da sua carreira aconteceu no início do ano passado, quando o cavaleiro João Moura Jr. o dispensou, substituindo-o por um primo. “Para se ser uma figura do toureio é preciso ser primeiro um homem. Deixou-me pendurado no início da temporada, senti-me apunhalado, mas infelizmente coisas destas estão sempre a acontecer”, declara o bandarilheiro, admitindo que na festa brava existem muitos interesses instalados, tal como em muitos outros sectores da sociedade. Colhida grave numa largada em Benavente Na última edição da Festa da Amizade e Sardinha Assada de Benavente, Becas esteve à beira da morte quando resolveu tourear numa largada. “Era um toiro que me cativou. De repente começou a partir a tronqueira. Fui tirá-lo de lá com o capote mas caí”, recorda. Sofreu uma cornada no pescoço. A médica aconselhou-o a ir acender umas velas a Fátima já que a cornada só não atingiu a carótida por milímetros. A cicatriz no seu pescoço ainda é visível. “Muitos criticam-me porque sendo um profissional não me deveria meter nestas coisas, mas não aguento”, garante. Nas Festas de Samora é comum estar ao “serviço” para ir salvar alguém que se encontre em apuros numa largada. Esta foi a lesão mais grave da sua carreira. Já partiu pernas, braços ou costelas. Sempre que tem a mãe a assistir a uma corrida, consegue distinguir o grito dela no meio da multidão.
Manuel dos Santos “Becas” é bandarilheiro porque nunca teve quem o ajudasse a ser matador

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