Quando fazer a festa era uma festa
Das flores naturais às de plástico, o olhar de um morador sobre a evolução das tradicionais Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem em Constância.
António Carlos Calhau, 67 anos, é uma figura bem conhecida em Constância e uma pessoa indicada para falar sobre a evolução das festas. Se tivéssemos dúvidas, elas dissiparam-se durante a hora em que se desenrolou a nossa conversa, na Praça Alexandre Herculano, interrompida vezes sem conta com saudações ou cumprimentos ao nosso interlocutor por parte de quem por ali passou. Nascido a 8 de Maio de 1945, “dia em que acabou a II Guerra Mundial”, em Fronteira, Alto Alentejo, vive há 39 anos em Constância, terra para onde foi parar quando começou a trabalhar na antiga casa “Santos Costa”, onde vendia ferragens, armas e muitos outros utensílios. Até aos anos 80, as Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem confinavam-se às cerimónias religiosas, recorda, com os marítimos a fazerem a procissão, na segunda-feira de Páscoa, com os barcos engalanados e a banda de Rio de Moinhos a tocar. Em seguida, a festa continuava nas tabernas. António Carlos Calhau recorda o momento de viragem, em meados dos anos 80. António Mendes era presidente da câmara e convidou os comerciantes para uma reunião onde propôs o adorno das ruas com flores. “No primeiro ano só apareci eu e a Anabela do talho. Começámos a incentivar as pessoas e enfeitámos as ruas com flores naturais”, recorda, acrescentando que as pessoas, de todas as idades, juntavam-se para distribuir tarefas e trocar ideias. Faziam-se grandes amizades. Era uma festa fazer a festa. No primeiro ano, enfeitaram a Rua Luís de Camões e a Rua dos Ferreiros.”Faziam-se corredores e uns arcos com verdura do campo e as flores eram apanhadas frescas”. As flores naturais foram substituídas - quatro festas depois - por flores de papel, dando origem a uma nova forma de artesanato popular. “Com papel cada um faz a flor que quer”, indica. Carlos Calhau compreende a evolução, fruto da crise e da ordem natural das coisas. “Constância cada vez tem menos gente na parte de baixo da vila, aquela que é precisamente a mais engalanada. Se não fosse a escola era difícil manter esta tradição”. Recorda ainda como é que convenceu o presidente da autarquia a deixar de atribuir prémios às ruas mais bonitas. “Foi numa edição em que deram dois primeiros prémios. Disse-lhe que devia acabar com os prémios porque senão acabava com a festa, pois pelo menos comigo deixava de contar”. A tasquinha dos “Chaparros” A mudança de figurino - cerimónias religiosas e pagãs - cativou mais visitantes que, até ali, vinham apenas no dia da procissão. Recorda que, no segundo ano, juntamente “com mais quatro alentejanos”, pediram autorização à câmara para abrir uma tasquinha (“Os Chaparros”) na Praça Alexandre Herculano pois na primeira edição com o novo figurino tinham chegado à conclusão que as pessoas queriam comer e não tinham onde. “Convidámos o Sérgio Carrinho (presidente da Câmara da Chamusca) para descerrar a placa e comprámos meio borrego, para fazer ensopado, e peixe do rio. Acabámos com tudo no primeiro dia”, recorda, acrescentando que os “dezassete contos e tal” que ganharam nesse dia foram “investidos” numa rodada de camarões.No ano seguinte, o número das tasquinhas aumentou e foi crescendo com o andar do tempo. Actualmente, as festas vivem um impasse por causa da crise económica. “É pena não existirem fundos para a festa mas penso que se tiverem um bom cartaz musical, um bom espectáculo as pessoas continuam a vir”, defende. Aliado ao pouco dinheiro, o morador considera que, nos tempos que correm, as pessoas estão muito viradas para o seu umbigo e não incorporam o espírito comunitário que antes caracterizava as festas. “As pessoas deviam ter orgulho em enfeitar a sua rua com flores para poderem receber os elogios pelo seu esforço. Por vezes, recebem elogios dos visitantes e nem sequer sabem quem é que teve o trabalho de as enfeitar. Cabe às novas gerações o futuro da festa”, considera.Para além da chegada das embarcações engalanadas - “uma imagem linda de se ver” - António Carlos Calhau acha que um dos momentos mais marcantes é a bênção das viaturas na Praça Alexandre Herculano, lamentando que, como nos primeiros anos, já não deixem estacionar os carros dos moradores junto à viatura dos bombeiros. “Era uma emoção sempre que tocavam as sirenes e a bênção era feita pelo pároco”, assevera. Muita animação de sábado a segunda-feiraA reactivação da Feira de Artesanato, embora em moldes diferentes, é uma das novidades das Festas de Nossa Sra. da Boa Viagem / Festas do Concelho’ 2013, em Constância, que se realizam entre 30 de Março e 1 de Abril. As ruas floridas, a procissão e bênção de barcos e viaturas na tarde de segunda-feira e um programa musical variado onde pontificam nomes como os de Ana Laíns e convidados (domingo), Amor Electro (segunda-feira) e o DJ Nuno Calado (madrugada de sábado) são alguns dos atractivos. Exposições, folclore, provas desportivas e actividades radicais são outras apostas do programa.
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