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O último oleiro de Muge continua a trabalhar aos 70 anos

O último oleiro de Muge continua a trabalhar aos 70 anos

Gabriel Rosa já só consegue fazer peças de pequena dimensão

Há 54 anos que Gabriel Rosa, neto de um oleiro, molda barro. O plástico é o único culpado que aponta à extinção da sua arte. É em mercados que vai tentando escoar as peças que produz, embora garanta que muitas vezes tem mais prejuízo que lucro.

Gabriel Rosa, 70 anos, é um dos últimos oleiros da região que continua a trabalhar diariamente. Tem casa aberta em Muge, Salvaterra de Magos, embora os pedidos que recebe se contem pelos dedos. Percorre alguns mercados para ir escoando as peças que saem das suas mãos. Um problema no coração diagnosticado no ano passado quase o levou a arrumar com a roda de oleiro.É num pequeno barracão, junto da sua casa, que Gabriel Rosa se senta para começar a moldar o barro. Na parede tem pendurado um rádio que liga quando está sozinho. Está ainda combalido. Foi operado ao coração em Setembro e de vez em quando leva a mão ao peito. Fugiu-lhe a força para moer o barro que trazia da Casa Cadaval. Ia buscá-lo gratuitamente, mas precisava primeiro de o descobrir na terra, retirá-lo, transportá-lo para a sua casa e depois moê-lo. De Porto de Mós trouxe uma palete de barro por 120 euros que já vai directamente para a roda do oleiro. “Não me dá tanto trabalho, não tenho força para o outro, mas este sai muito mais caro. Uma palete destas, se trabalhar bem, não me chega para um mês”, explica. Nascido no Chouto, Chamusca, e com mais oito irmãos em casa, a sua vida cedo começou nos campos. Sabe assinar o seu nome e diz que aprendeu a ler um pouco. Desde os 16 anos que a sua vida passa pela roda do oleiro. O avô era oleiro, mas acabou por ser com um tio que aprendeu o ofício em Alpiarça. Mudou-se aos 20 anos para outra olaria em Almeirim. “Leva-se ainda uns três ou quatro anos para aprender o jeito”, explica. Há 35 anos estabeleceu-se em Muge por conta própria, contando com a ajuda da mulher. Em Muge existia mais um oleiro que já não trabalha activamente no ofício. “Não precisava quase de sair de casa, tinha gente aqui à porta para comprar as peças”, diz. Depois vieram os plásticos que começaram a aparecer em tudo o que era loja e supermercado e o oleiro garante que isso é que matou o seu ofício. O que mais saía das suas mãos eram bilhas para os ranchos de trabalhadores. “As pessoas não tinham água canalizada e socorriam-se das bilhas para levarem água fresca para os campos ou para casa”, explica. Vendia também muitos alguidares que eram usados para amassar o pão ou para as matanças dos porcos. Um pequeno vaso sai da sua roda em menos de cinco minutos. Já não consegue fazer peças muito grandes. O engenho é movido a electricidade e nem quer recordar a “dureza” de dar ao pedal na antiga roda. Depois de terminar uma peça, deixa-a a secar ao ar livre durante três semanas. Irá depois ao forno a lenha onde vai estar durante 12 horas. Mostra vários anexos na sua casa cheios de peças. “Isto antigamente estava sempre vazio porque vendíamos tudo”, aponta. Vai com a sua esposa para os mercados de Coruche, Marinhais e Santarém. “Muitas vezes o aluguer do espaço no mercado ou o gasóleo que gasto não chegam para cobrir aquilo que vendo”, lamenta. Dos três filhos, um ainda chegou a trabalhar algum tempo com ele, mas o negócio não chegava para os dois. “Tenho uma reforma muito pequena e apesar de vender muito pouco, sempre dá uma ajuda. Isto é a minha vida. Não me vejo a fazer mais nada. Trabalho de domingo a domingo e por cá vou continuar”, conclui. Quer as peças se acumulem em casa ou não.
O último oleiro de Muge continua a trabalhar aos 70 anos

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