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Há crianças que gostavam de aprender música mas os pais não deixam

Há crianças que gostavam de aprender música mas os pais não deixam

Délio Alexandre Gonçalves, maestro da banda do Ateneu Vilafranquense há onze anos, garante que a música é importante na formação das pessoas

O maestro da banda do Ateneu Artístico Vilafranquense é um homem que conhece os cantos da casa há onze anos mas ainda não tem a chave da sala de ensaios. A entrevista realizou-se num corredor do Ateneu, associação onde não se compra um instrumento desde 2002 por dificuldades financeiras. Délio Gonçalves foi pontual, fumou um cigarro antes da entrevista e confessou ser um maestro pouco dado a compor. Considera que saber música ou tocar um instrumento pode ser um seguro contra o desemprego. Diz que as bandas são o parente pobre da música mas que estas se empenham para darem o seu melhor. O também maestro da banda da Armada lamenta que a cidade esteja morta culturalmente. O seu palco de sonho é o da orquestra de Berlim.

O maestro da banda do Ateneu Artístico Vilafranquense garante que há muitos jovens em Vila Franca de Xira que gostavam de aprender música mas são impedidos pelos pais, que consideram a actividade como algo acessório e pouco importante para o seu futuro. “Isso não acontece por falta de dinheiro porque o ensino da música é gratuito. Acontece por uma questão de mentalidade”, sustenta Délio Alexandre Gonçalves, maestro da banda há 11 anos. Para Délio Alexandre Gonçalves ainda existe a cultura de que os filhos têm é que se concentrar em tirar um curso superior. “Acham que os miúdos perdem tempo com a música que poderiam gastar nos estudos”, lamenta, considerando que a maioria dos pais tem uma ideia errada da música. E explica a importância do ensino musical. “Estas casas são um complemento educacional e formativo, não só para os valores da vida mas também no ensino de uma actividade que pode gerar por si uma solução de emprego”, nota. O agravar da crise económica tem feito com que o maestro seja também um pouco psicólogo ajudando as crianças que acabam por levar para a banda os problemas que vivem em casa. “Vivemos um tempo de inexistência de valores sociais e espírito de sacrifício. A geração dos anos 90 está impreparada para os sacrifícios que hoje se pedem”. A crise também tem dificultado o Ateneu, que desde 2002 não adquire um novo instrumento para a sua banda composta por 50 músicos. Numa arrecadação estão empilhados vários instrumentos que aguardam reparação há meses, como clarinetes, bombardinos ou tubas. Para que a banda possa tocar uma peça tem de adquirir a partitura e respectivas pautas a preços que vão dos 60 aos 500 euros. Délio Gonçalves, que é também maestro da banda da Armada, considera que o seu trabalho é gratificante mesmo enfrentando um crescente afastamento da comunidade. “Hoje a nossa vida social está muito complicada, as pessoas não têm tempo e isso afasta-as das colectividades. Sobretudo porque precisam de fazer face a necessidades primárias e depois não têm tempo para outras coisas”, lamenta. Délio considera que “as bandas são o parente pobre da música, o que não significa que não se empenhem para dar o seu melhor. Não é possível comparar uma banda com uma orquestra, que tem músicos profissionais. Aqui a maioria é amadora, tem de praticar e aperfeiçoar todos os dias. As actividades amadoras podem fazer um bom trabalho, com muita qualidade”, conclui.Os maestros não são ricosDélio Alexandre Coelho Gonçalves, 39 anos, nasceu em Azambuja e garante que ouve uma música como todas as outras pessoas, sem pensar no tipo de nota que está a ser tocada. Já chorou em palco durante a homenagem a um ex-músico, no Ateneu. Délio cresceu em Azambuja, onde ocupava a meninice a fazer corridas de carrinhos de rolamentos pelas ruas. Começou a tocar clarinete no Centro Cultural Azambujense e mais tarde aprendeu fagote. O violoncelo é o seu instrumento favorito. Actualmente, por causa do trabalho na Armada, vive em Algés com a mulher e os três filhos. Diz que ao contrário da crença comum os maestros “não são ricos”. Gosta de ouvir bandas sonoras e a lealdade é um dos seus princípios e dos que mais aprecia nas pessoas. Já se perdeu uma vez de carro em Paris, enquanto tentava encontrar o caminho da Torre Eiffel. Diz que o seu destino de sonho é Madagáscar e não usa transportes públicos. Quando está em Vila Franca vai aos cafés e já chegou a caminhar no passeio ribeirinho. Diz que não é pessoa de ler livros mas que actualmente tem na secretária o título “Merdas que o meu pai diz”, de Justin Halpern, que diz gostar por ser divertido.“Muita gente diz que não gosta de música sem a provar”Ainda temos maestros como antigamente, capazes de produzir sinfonias que perdurem no tempo?Os maestros de hoje são iguais aos de antigamente, embora exista a tendência profissional para haver uma dedicação maior a uma área em concreto, seja a compor ou a dirigir. Compor música é uma capacidade que se desenvolve naturalmente num indivíduo e não está ao alcance de todos. Acredito que vai ser cada vez mais difícil haver um Bernstein, um Beethoven ou um Mozart. Vão aparecendo alguns grandes maestros mas são casos pontuais. Alguns géneros têm um público muito específico. É possível cativar gente jovem para a música clássica por exemplo?Falta provar a música, como se de uma sopa se tratasse. Por vezes vemos uma sopa e dizemos logo que não gostamos antes de a provar. Estamos socialmente a separar as coisas e banimos um género logo à partida sem o conhecer devidamente. Ainda existe a ideia errada de que a música clássica é só para ricos. Não somos ignorantes musicais, mas socialmente o nosso país está organizado de uma forma onde as pessoas pensam que a educação é apenas a escola e que tudo à volta se vai desenvolvendo no indivíduo à medida que vai envelhecendo.Está no Ateneu há onze anos e é natural de Azambuja. Como vê o estado da cultura nestes dois concelhos?Parada. Não quero acreditar que nos dois lados seja por falta de vontade dos intervenientes. Ou que seja por falta de vontade dos interlocutores sociais. Atravessa-se um período muito difícil para todos. Parece que neste momento está tudo tão angustiado com o futuro e tão fechado que se cria uma barreira à realização de eventos.
Há crianças que gostavam de aprender música mas os pais não deixam

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