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Um ribatejano à frente do Comité Olímpico de Portugal

Um ribatejano à frente do Comité Olímpico de Portugal

José Manuel Constantino, natural de Santarém, deixou a sua cidade natal aos 17 anos para ir tirar o curso superior de Educação Física em Lisboa. Regressa com regularidade às origens para visitar a mãe e matar saudades. Homem ligado ao desporto e à administração pública, lamenta que em Santarém não se tenha apostado ao longo dos anos no desenvolvimento das infra-estruturas desportivas e saúda o investimento que Rio Maior tem feito nesse capítulo. Mesmo assim, o novo presidente do Comité Olímpico de Portugal acha que Santarém mudou para melhor no primeiro mandato de Moita Flores, que curiosamente é agora candidato à câmara do concelho onde reside e onde preside também a uma empresa municipal.

Desempenhou cargos de chefia na Câmara de Oeiras e está ainda à frente de uma empresa municipal nesse concelho. O que pensa da candidatura do ex-presidente da Câmara de Santarém, Moita Flores, à Câmara de Oeiras?A circunstância de ser ainda presidente do conselho de administração de uma empresa municipal em Oeiras obriga-me a ter uma atitude de isenção relativamente às diferentes candidaturas. Considero a candidatura do dr. Moita Flores em igual plano com as outras. São candidaturas legítimas, de pessoas que entendem que podem ser úteis ao concelho de Oeiras e oxalá que os seus intentos possam vir a concretizar-se.Com que ideia ficou da passagem de Moita Flores pela Câmara de Santarém?Fiquei com uma ideia positiva relativamente ao primeiro mandato. Creio que Santarém se alterou significativamente, embora a minha leitura seja muito superficial. Vou a Santarém, por razões de natureza familiar, de 15 em 15 dias e a percepção que tenho da realidade é muito física. E, nesse sentido, apercebi-me que a intervenção no primeiro mandato introduziu alterações muito significativas na forma como a cidade estava organizada. Notei também uma maior exposição pública derivada de um conjunto de eventos culturais a que a cidade passou a estar associada. Penso que isso é mérito dele e da sua equipa. Quanto ao segundo mandato...Aí já não tenho a mesma opinião. A situação não teve o mesmo ritmo de mudança que ocorreu durante a primeira fase do seu exercício. Mas repito: tenho uma leitura muito distante da realidade e portanto é uma avaliação muito superficial. Olha para a cidade que o viu nascer e o que sente? Que imagem tem dela?Tenho algum sentimento de nostalgia quando a visito, sobretudo relativamente aos espaços que estão associados à minha infância e à minha adolescência, como ruas, cafés, locais onde jogava futebol. Saí de Santarém muito novo. Tinha apenas 17 anos. Vim viver para a Cruz Quebrada, no concelho de Oeiras, de onde nunca mais saí. Tenho mais vida deste lado do que tenho em Santarém. O que mais o marca na cidade, para além das ligações familiares?Marca-me o facto de lá ter nascido, da minha identidade enquanto pessoa estar muito ligada a essa cidade. E marca-me também o facto de haver um conjunto de personalidades ligadas à cidade e que marcaram não apenas o nosso futuro colectivo, mas que também me ajudaram a ser o que sou. No primeiro dos casos a figura que me ocorre com mais significado é Salgueiro Maia. Mas há um conjunto de outras personalidades, como o Jorge Justino, o Mário Viegas, o Eliseu Beja, que estão ligadas à minha adolescência e que já nessa altura tinham na cidade uma posição de cidadania muito activa.Que memórias mais marcantes guarda da sua infância e juventude em Santarém? As futeboladas que jogávamos nos baldios do Choupal num terreno inclinado e que com regularidade exigia que fugíssemos da polícia, que proibia os jogos de rua e nos ficava com as bolas!Foi dolorosa a separação da sua terra natal ou na altura já tinha como ambição rasgar novos horizontes? Diria que foi difícil nos primeiros dois anos, em que todos os fins de semana regressava a casa. Depois habituei-me à vida da capital, comecei a namorar, casei cedo e progressivamente fui-me afastando.É consensual que a cidade cresceu muito nos últimos 30 anos. Na sua opinião cresceu bem? Não tenho um conhecimento muito sustentado, mas nos últimos anos quando visito Santarém tenho percorrido as ruas do centro da cidade e encontro um espaço com poucas pessoas, um comércio triste e desvitalizado. No entanto estou muito condicionado nesta apreciação por não ter um conhecimento regular e constante da vida da cidade.Política não, obrigado!Desempenhou funções técnicas, de docência e de administração. Nunca pensou em ser autarca, em seguir uma carreira política?Não. Abandonei a política em 1975.Foi precisamente a altura em que muitos da sua geração entraram na política.A minha ligação à política começou em 1969, nos movimentos de oposição democrática. Comecei pela CEUD e em 1973, se não estou a falhar, aderi a uma coisa chamada opção não reformista da Comissão Eleitoral Democrática (CDE) na altura à esquerda daquilo que viria a dar origem ao MDP/CDE. Nesse período estive sempre muito ligado ao movimento estudantil e a organizações situadas à extrema esquerda.Por que razão chegou a 1975 e decidiu cessar a ligação à política?Por desencanto. Quando a generalidade das pessoas, após o 25 de Abril de 1974, se começou a interessar por política do ponto de vista da organização partidária foi quando abandonei. Não me revi num conjunto de circunstâncias. Tinha da política uma visão muito romântica, muito centrada em volta da construção de valores e de ideais, muito marcada pela minha formação de base essencialmente marxista. Nessa altura tive um confronto com a realidade e desencantei-me.O golpe militar de 25 de Novembro de 1975 teve influência nessa decisão?Não. Nessa altura já estava numa posição de reserva em relação à política. Estava na tropa em Tomar. Depois, fui várias vezes convidado em Oeiras para exercer funções autárquicas. Essas insistências voltaram a ser renovadas em 2005 e nessa altura aceitei fazer parte de uma lista de cidadãos independentes liderada por Isaltino de Morais mas tive a sorte de não ser eleito. Estava em quinto lugar e tive a sorte de só entrarem quatro.Sorte porquê?Porque estou convencido que não me adaptava às funções de natureza política que têm um conjunto de rituais e de obediências que combinam mal com o meu espírito. Sou suficientemente liberal e heterodoxo para não me encaixar em determinado tipo de esquemas de funcionamento. Costumo dizer que sou dono do meu próprio comité central, da minha comissão política e do meu conselho nacional. Sou eu próprio que decido, daí a dificuldade em me adaptar a outros modelos de organização. Estudos acabaram com o futebol José Manuel Constantino jogou futebol nos escalões jovens dos Leões de Santarém entre 1962 e 1967, quando foi estudar para Lisboa. “Depois ainda joguei aí nuns clubezitos pequenos e na universidade, mas rapidamente cheguei à conclusão que nunca seria um craque da bola”, diz com humor o antigo médio de ataque. Ao contrário da maioria dos estudantes do Liceu de Santarém, que optava pela Académica para praticar futebol, Constantino optou pelos Leões. “Nessa altura já era um pouquinho desviado em relação à tendência geral. A minha heterodoxia já vem desse tempo”, diz. A influência partiu do pai, que era amigo do treinador dos Leões, José Guilherme.“Treinávamos duas vezes por semana, tínhamos chuteiras de travessas que eram dos seniores e que eles já não usavam por já não estarem em condições. As camisolas quase nos chegavam aos pés, não eram para os nossos corpos. Enfiávamos aquilo para dentro dos calções e até ficávamos a parecer mais gordos”, recorda.Poucos anos depois de lá ter jogado, a fusão dos Leões com o Operário deu origem à União de Santarém. Há quem diga que a soma dos dois clubes não deu origem a uma colectividade melhor do que as que já existiam. José Manuel Constantino acompanhou o processo à distância mas recorda-se de algumas vozes que pediram ponderação na altura. “A sensação que tive é que as pessoas acreditavam que da fusão surgiria um grande clube para a cidade, que podia servir de bandeira no ponto de vista desportivo. As coisas correram bem durante algum tempo, mas depois as coisas desmoronaram-se e os resultados desportivos ficaram muito aquém do que as pessoas esperavam”.Um vasto currículo ligado ao desporto e à administração públicaJosé Manuel Constantino nasceu em Santarém a 21 de Maio de 1950. É casado e pai de dois filhos. Deixou a cidade natal com 17 anos para ir estudar no antigo Instituto Superior de Educação Física, onde se licenciou em 1975. Vive em Paço de Arcos (Oeiras) mas regressa com regularidade ao Ribatejo para visitar a mãe. O pai, natural de Amiais de Baixo, foi funcionário numa mercearia em Santarém até se reformar. Faleceu há cerca de três anos. Há uns bons anos, José Manuel Constantino foi distinguido pela Câmara de Santarém com o título de Scalabitano Ilustre. A sua costela ribatejana manifesta-se no gosto pela festa brava. Foi à inauguração da Praça de Touros Celestino Graça, em Santarém, e há poucos anos regressou lá para matar saudades e ver uma corrida. É adepto do Benfica, mas já foi mais assíduo nas idas ao Estádio da Luz.Como praticante de desporto, José Manuel Constantino foi atleta federado de futebol nos escalões jovens dos Leões de Santarém entre 1962 e 1967. Foi ainda secretário técnico da Direcção do Sport Algés e Dafundo em 1985 e assessor da Direcção da Federação Portuguesa de Halterofilismo de 1986 a 1990.Entre 1973 e 1986 foi professor de Educação Física no ensino básico. Foi professor do ensino universitário entre 1994 e 2002 em diversas instituições públicas e privadas. Desempenhou funções como quadro superior da Câmara de Oeiras entre 1996 e 2002, onde foi director do Departamento dos Assuntos Culturais e Sociais. É desde 2006 presidente do conselho de administração da empresa municipal Oeiras Viva.Na área da administração pública assumiu também cargos relevantes como os de presidente do Instituto do Desporto de Portugal (2002-2005) - e por inerência do Conselho Nacional Antidopagem e do Conselho Nacional Contra a Violência no Desporto - presidente da Confederação do Desporto de Portugal (2000 -2002) e presidente da Comissão de Coordenação Nacional do Ano Europeu de Educação pelo Desporto (2003-2004).Foi fundador de diversos organismos ligados ao fenómeno desportivo, como a Sociedade Portuguesa de Educação Física ou a Academia Olímpica de Portugal, participou em múltiplos projectos editoriais e é autor de diversas publicações, como os livros “Desporto, Política e Autarquias” ou “Um Novo Rumo para o Desporto”. Tem participado como orador convidado em inúmeras conferências em Portugal e no estrangeiro. O longo e diversificado trajecto culminou recentemente na sua eleição para presidente do Comité Olímpico de Portugal.O bom exemplo de Rio MaiorAs infra-estruturas desportivas em quase todo o país melhoraram significativamente nos últimos 30 anos. Mesmo assim a sua cidade natal continua sem ter um complexo desportivo em condições. O desporto, pelos vistos, nunca foi uma prioridade política.Se é como diz, não foi. Uma capital de distrito que não o seja também a nível do desenvolvimento desportivo fica aquém do que seria desejável. Natural seria que uma capital de distrito fosse pioneira em matéria de políticas desportivas, políticas culturais, políticas assistenciais. Por isso é que é a capital. Normalmente essa posição adquire-se não por questões formais, mas sim por questões substantivas, porque é efectivamente um pólo de desenvolvimento em todos os sentidos para todo o distrito.Ao invés de Santarém, Rio Maior apostou no desporto como factor estratégico para o seu desenvolvimento. Foi uma aposta ganha, na sua opinião?Completamente. Criou ali uma nova centralidade que ultrapassou claramente os limites de Rio Maior, do distrito e do próprio país. Hoje é um centro de atracção de atletas e equipas de todo o mundo. Houve ali uma determinação visionária do Silvino Sequeira e das suas equipas, que tem sido continuada por Isaura Morais. Rio Maior criou ali um cluster em torno do desporto, com uma gama de equipamentos desportivos que respondem às necessidades de prática desportiva da comunidade riomaiorense e que, por outro lado, tem permanentemente alojados atletas de outros pontos do país e do estrangeiro. Conhece bem o espaço e a organização?Sim. Tenho lá ido várias vezes por força das funções que agora exerço e vejo lá sempre atletas de outros países a estagiar e a treinar. Aquilo teve um enorme impacto do ponto de vista da economia local, da visibilidade que deu à cidade e à região. É um excelente cartão de visita e, por outro lado, também se assumiu como um exemplo para outros municípios. Além disso tem associado um pólo universitário, ligado ao Politécnico de Santarém, com formação na área do desporto com elevado grau de empregabilidade.O Comité Olímpico de Portugal reconheceu essa excelência ao assinar recentemente um protocolo para o estágio de atletas olímpicos em Rio Maior.É a continuação de um protocolo que já existia há vários anos. No protocolo concedemos um pequeno apoio financeiro e a Desmor presta um conjunto de apoios na área médica e paramédica aos atletas que estão integrados nos projectos de preparação olímpica. Estão lá atletas do judo, natação, do triatlo e do atletismo. Há um conjunto de atletas que permanentemente usufrui dos benefícios que aquelas instalações concedem.Quando Portugal ganha uma medalha olímpica é uma festa nacional. Isso dá bem a ideia da pouca expressão que temos no desporto internacional. É uma fatalidade ou há remédio?Eu não diria assim. Acho bem que se faça uma festa. Seria excelente se andássemos em festa por outras razões, mas se pudermos andar por causa das medalhas olímpicas eu, como presidente do Comité, ficarei felicíssimo da vida. Não haverá no nosso país futebol a mais e outras modalidades a menos?Não. Há o futebol que há e está entre os melhores do mundo do ponto de vista competitivo, muito por força da valorização dos nossos activos. Temos dos melhores jogadores e treinadores do mundo e também alguns clubes de elite mundial.Mas em termos olímpicos não tem praticamente expressão?Infelizmente a modalidade de futebol e a respectiva federação, na minha opinião, nunca deram uma leitura devida à participação olímpica. Consequência também das entidades reguladoras do futebol a nível mundial nunca terem dado essa importância. Olharam sempre para as competições olímpicas como competições que lhes poderiam tirar alguma popularidade. Como as competições olímpicas não são organizadas em exclusividade pela FIFA ou pela UEFA, dão-lhes menos atenção e isso repercutiu-se nas federações nacionais.
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