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O artista que se revela em paredes de casas degradadas e nos muros tristes das nossas cidades

João Maurício assina os seus murais com “Violante” um nome que desenterrou no cemitério de Riachos

Assusta-o a ideia de estar fechado num atelier a trabalhar mas é capaz de ficar dias a fio a pintar uma parede de um edifício em ruínas. João Maurício tem 24 anos, vive em Riachos, concelho de Torres Novas. Deu vida a Violante ou Violant, conforme a disposição e há cerca de dois anos e meio é no muralismo que se encontra e onde liberta toda a sua veia criativa. Não se assusta com a efemeridade das obras que cria e revisita-as com regularidade. Está a tirar o Mestrado de Artes Plásticas. A mãe é o seu “mecenas”.

Quando e onde nasceu o nome Violante?Encontrei-o quando andava a trabalhar no cemitério no âmbito de um estágio na junta de freguesia. É um nome antigo que já não se usa muito e adoptei-o como nome artístico. Há pinturas suas assinadas com Violante e outras com Violant. Porque deixou cair o “e” final? A queda do ‘e’ aconteceu há cerca de ano e meio com a pintura de um peixe lua. Não tinha espaço e assinei Violant. Até ficou mais internacional. Gosto de olhar para o conjunto das letras sem o ‘e’. Não sou muito dado a questões de numerologia e simbologia mas Violant tem sete letras. Mas ainda me acontece assinar Violante. Como é que a sua família olha para esta sua actividade? A minha mãe apoia-me muito. Sem o apoio dela era impossível. Ela vê que eu quero fazer isto e que me esforço e apoia-me, nomeadamente em termos financeiros. Para estas coisas é preciso muito dinheiro e eu não ganho nada. Para mim o que é realmente importante é o trabalho em si. Quando há encomendas corre-se o risco de perder a liberdade criativa. Se houver alguém que o tente contratar para pintar a fachada da própria casa não aceita? Depende da temática. Prefiro fazer aquilo que quero do que pagarem-me para fazer o que os outros querem. Aceito comissões mas sou muito estúpido nessas coisas. Eu podia ganhar algum dinheiro mas neste preciso momento tenho 20 euros na carteira, que foi a minha mãe que mos deu. Eu olho para a minha obra com seriedade. Mas não me peçam para pintar ratos Mickey, Hello Kittie’s e Pucca’s no quarto das crianças! Recebo muitas propostas de trabalho dessas, realmente não me posso queixar. Do que me posso queixar é as pessoas tratarem-me como se eu fosse um obreiro, um operário e não um artista. A maioria das obras de arte ao nível da pintura são preservadas por séculos e séculos. Há um investimento enorme em segurança e manutenção. No seu caso tem que haver uma grande aceitação do efémero. É assim, ou resigna-se porque não pode ser de outra maneira?Estas obras são efémeras e as minhas ainda o são mais porque eu, para manter os custos baixos, utilizo tintas das mais rascas que há, que são tintas de interior e que daqui a um ano já estão muito esbranquiçadas. E trabalhando eu em locais abandonados sei que só vão restar fotografias daquilo que faço. Que materiais utiliza?Uso materiais de construção civil. Pinto com pincéis e rolos. Tenho uma vara extensora de seis metros que comprei há um ano mas uso o que tiver à mão para me auxiliar.Quais as cores que usa com mais frequência?Gosto do preto mas a cor que uso mais é o amarelo. É estranho porque não me identifico nada com o amarelo mas utilizo-o em muito daquilo que faço. Está muito visível em tudo o que faço. A cor tem muito que se lhe diga. O saber ver; o saber enganar a vista e enganar o cérebro. Toda a pintura é ilusão é como se estivéssemos a fazer um truque de magia. Nada daquilo é real é apenas pigmento, cores, manchas, linhas, pontos…Também pinta em telas?Há mais de um ano que não pinto em tela e tudo o que fiz não está comigo. Revisita as suas obras ou liberta-se delas após a sua realização e registo?Costumo voltar aos locais, tanto sozinho, como acompanhado. Consigo desligar-me do que fiz sem dramas mas gosto de ir ver. Às vezes paro lá o carro e fumo um cigarro a olhar para o meu trabalho. É como gostar de ver uma tela num museu e ir lá de propósito, de vez em quando. Às vezes vou visitar trabalhos meus quando está a chover, porque os murais molhados ficam com outras cores. Também vou em diferentes períodos do dia, porque a luz é diferente ou em estações do ano diferentes porque a vegetação e a paisagem que enquadra os trabalhos também mudam. Gosta de visitar museus ou, considerando o que faz, acha-os lugares claustrofóbicos?O museu é para preservar as coisas, mas não visito com tanta regularidade como gostaria. Mas investigo muito sobretudo na internet. Quanto gasta monetariamente na produção de uma das suas pinturas?Em cada pintura destas últimas gastei no mínimo 100 euros. Já deitei milhares de euros à rua, mas tem que ser assim. Não olho a custos, mas gasto grande parte da minha mesada.Como lida com os elogios?Depende de quem me elogia. Uma multidão de tolos a aplaudir alguém pode não ser nada lisonjeiro para quem é aplaudido. Um elogio de um leigo é diferente de um elogio de um pintor.Quem é João “Violant” MaurícioJoão Maurício nasceu em Torres Novas a 21 de Outubro de 1988. Licenciou-se em Artes Plásticas e Multimédia na Escola Superior de Educação de Santarém (ESES), vindo de um curso profissional de Técnico de Comunicação, Marketing, Relações Públicas e Publicidade, na Escola Profissional de Torres Novas. Actualmente falta-lhe a tese para concluir o Mestrado em Artes Plásticas que frequentou na Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha. Vive com a mãe em Riachos e tem dois irmãos mais velhos. Começou a desenhar por volta dos 16 anos, mas foi no muralismo, que há cerca de dois anos e meio, encontrou a sua forma de expressão artística. Entre a sua vasta obra, João Maurício, Violant de pseudónimo, já pintou cerca de uma centena de obras, a maioria em Portugal, mas já deixou também a sua marca em paredes polacas, país onde reside a sua musa.“Na escola lixaram-me com aquela questão da coerência” Como foi a sua primeira incursão no mundo do grafito?Peguei uma vez numa lata de spray, por volta dos 13 anos, e assinei “Joca” num muro. Esse foi o meu primeiro e único contacto com o spray. Só passado anos é que voltei a pegar numa lata e não foi para fazer o mesmo. Essa “tag” já está apagada pelo tempo. Foi na escola profissional [onde concluiu o curso profissional] que eu vi gente a desenhar e ganhei esse bichinho de querer também fazê-lo. Pintei também telas por causa da escola mas não tinha noções nenhumas, nem sequer dei um fundo. Não me preocupei com quase nada. Depois, tudo começou quando fiz um retrato meu a stencil para pôr no bar da Escola Superior de Educação de Santarém.Qual é a diferença entre o grafito e aquilo que faz?Eu não gosto do grafitti de letras, o “lettering”. Acho que os seus autores estão a subestimar o poder daquilo que têm na mão. Aquilo pode ser muito mais do que o nome deles com umas cores bonitas. Pode ser mais do que uma batalha de egos. Quando oiço dizer que aquilo é uma forma de transgressão penso que é conversa da treta. Eu faço murais. O que faço é muralismo. Por vezes, para facilitar a conversa com certas pessoas aceito que lhe chamem grafittis mas não é isso que faço. A chamada arte urbana está ligada à contestação. É isso que o move? Nem sempre mas há situações em que isso acontece. Por exemplo o trabalho em que pintei uma raposa atropelada no Entroncamento. Nessa altura quis falar do conflito entre o respeito pela natureza e o desenvolvimento. O atropelamento de um animal selvagem é de uma violência extrema. Quem é que tem culpa? O progresso? O desenvolvimento? Vi uma raposa atropelada, parei o carro mais à frente, tirei umas fotografias e foi aí que essa ideia e essa pintura nasceu.Onde é que encontra inspiração para as suas obras?A inspiração é para amadores. Eu tenho que fazer alguma coisa que me dê pica. Que me dê ganas fazer. Alguma coisa que faça sentido e que se encaixe na minha obra porque a minha obra, de certa forma, conta a história da minha vida. As minhas pinturas são muito pessoais. Têm algumas camadas de metáforas que ninguém consegue decifrar a não ser eu. Não consigo fazer um trabalho impessoal.E as influências artísticas, quais são?Sou bastante influenciado pela contemporaneidade da arte de rua no geral. Pela actualidade daquilo que se está a passar. Estão a ser feitas coisas extraordinárias e dignas de um dia, talvez, entrarem para a história. Acho que o muralismo está a sofrer uma evolução e um desenvolvimento muito grande mas é algo em construção. Não está muito desenvolvida uma teoria da arte acerca disto e ainda estamos um bocado às apalpadelas.Costuma trabalhar com um outro artista, o Regg. Como é pintar a quatro mãos?Regg é o pseudónimo de Tiago Barreiro Salgado, um grande amigo meu da universidade em Santarém, que tem sido uma grande influência para mim. Toda a onda de choque do Banksy (artista de rua britânico) gerou um movimento a nível global. O que comanda as vontades e os sonhos não se compra com dinheiro. Tem que ser magia e o Tiago mostrou-me muito esse mundo. Todas as colaborações que eu já fiz foram maioritariamente com ele. Ele é muito bom. É muito criativo e sabe pintar muito bem. Ele só traz coisas boas! Tentamos sempre encontrar um assunto comum aos dois mas é claro que a certa altura temos que fazer cedências.Na sua obra encontra-se uma clara ligação ao reino animal. Tem a ver com Riachos?Penso que sim. Eu estou muito ligado à vida no campo. Se calhar não sou um ser muito social e reconheço que no espectro das emoções humanas há muitas coisas que são instintivas e desde logo são primitivas. Não há assim tanta diferença entre nós e os animais, como se julga. Quero sempre dizer coisas diferentes com cada pintura que faço, por isso é que na escola me lixaram um pouco com aquela questão da coerência, porque eu não quero dizer sempre a mesma coisa e isso é chato para os outros. Nas galerias, quando a arte envolve dinheiro, é pedida coerência aos artistas e eu não sou muito forte nisso. Não gosto de agarrar-me a um estilo e estar sempre a falar da mesma coisa.A escolha do local para pintar faz parte do processo criativo?Às vezes tenho já o sketch ou a ideia e tenho que encontrar um sítio para ela. Outras vezes encontro o sítio e desenvolvo uma pintura para lá. Nem todos os sítios me puxam para pintar lá. O importante é o lugar. E até pode ser numa zona isolada e pouco acessível. Prefiro pintar aí do que num local movimentado que não é o adequado para desenvolver a minha ideia. O público para mim não é muito importante. Para mim o trabalho e a pintura em si é que são importantes.É contra a propriedade privada?Compreendo o direito à propriedade privada e tento nunca lesar ninguém mas faço as coisas às claras, sem medo e sem ter nada a esconder. As imagens continuam a mexer com as pessoas e é por causa disso que eu continuo a fazer o que faço. Para onde acha que vai evoluir depois da actual fase?Há uma coisa que gostava muito de explorar e só fiz uma até agora que é escultura mas os materiais são muito caros.

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