"Quem quer conhecer o campo tem que vir ao campo"
Joaquim Paulino nasceu no Monte do Biscainho ao lado da Herdade da Torrinha
Joaquim Paulino percebe de muita coisa que foi aprendendo ao longo da vida mas do que sabe mais é da vida do campo. Aos oito anos já ajudava o pai, que era agricultor, a trabalhar a terra. Saía da escola, onde andou até completar a antiga quarta classe (ensino básico) e ia trabalhar até ao cair da noite. Mondava arroz e o pai obrigava-o a conhecer todas as ervas. Andava descalço e os pés já estavam tão calejados que podia pisar silvas sem sentir dor. Nasceu há 64 anos no Monte do Biscainho, local que hoje é propriedade da família Ribeiro Telles, e que fica ao lado da Herdade da Torrinha, em Coruche, local onde, no próximo fim- -de-semana decorre a primeira edição da Feira do Campo. Se há pessoa que possa explicar a uma criança, ou mesmo a alguns adultos, que cães e gatos não servem apenas para estar no sofá da sala a olhar para a televisão e a comer ração comprada no super-mercado é ele. “Quando víamos um buraco de rato levávamos o gato até ao local. Escavávamos para ajudar e o gato caçava-o", explica. "Os cães guardavam a quinta e os rebanhos e comiam os restos da comida que nós comíamos. Agora só comem ração e rejeitam restos. São esquisitos e não fazem nada. Só servem para companhia", diz com boa-disposição. A burra do pai de Joaquim Paulino não servia para passeios turísticos pelo campo ou sessões de terapia. Puxava o arado para lavrar a terra ou a carroça onde a família se deslocava. Como viviam no Biscainho, sempre que queriam ir a Coruche (o que só acontecia quando havia festas ou feiras) tinham que ir de carroça e quem a puxava era a burra, claro. Na altura Portugal não pertencia a nenhuma União Europeia e os donos dos burros não recebiam subsídio. Também não havia associações de protecção dos animais e por isso quando a burra teimava em parar levava umas pancadinhas de incentivo. Era a vida!O agricultor ainda esteve sete anos na Marinha, onde prosseguiu com os estudos porque queria fugir à vida dura do campo. Como era filho único o pai pediu-lhe para regressar e ajudá-lo e Joaquim Paulino não conseguiu dizer que não.A sua infância foi muito diferente da dos seus netos, que actualmente têm 23 e 20 anos. “Ajudei a criá-los. Brincaram muito, felizmente, e os pais já não os obrigavam a levantar cedo. Hoje têm telemóveis e essas coisas todas e no meu tempo não havia nada disso. Com muita sorte tínhamos um carrinho de madeira que o pai fazia e que empurrávamos com uma cana. Primeiro era o trabalho. Havia pouco tempo para brincar", lembra. Quando veio da Marinha foi trabalhar para a família Ribeiro Telles, na Herdade da Torrinha, em Coruche. Durante 15 anos fez de tudo um pouco. Confessa que o mestre David Ribeiro Telles foi um segundo pai. Foi encarregado da casa, comandava as operações e ainda trabalhava com as camionetas dos cavaleiros tauromáquicos. Naquela altura toureavam o mestre David e os filhos João, António e o Manuel. “Quando chegávamos às praças ainda ajudava a entrançar os cavalos. Fiz um pouco de tudo”, diz. Nos últimos anos trabalhou como motorista mas entretanto reformou-se. Também foi autarca. Termina agora o seu quarto mandato como presidente da Junta de Freguesia do Biscainho.Durante uns anos ainda deu continuidade ao trabalho do pai mas fartou-se e agora possui apenas um pequeno terreno com uma horta. Também cria galinhas e porcos. "É raro ir ao supermercado. Como aquilo que produzo", assegura. Amigo da família Ribeiro Telles há muitos anos diz sentir-se orgulhoso pela iniciativa de João Ribeiro Telles em organizar a Feira do Campo. “Estas iniciativas são importantes para as pessoas das cidades perceberem como a vida no campo é diferente da vida urbana. A Feira do Campo faz sentido realizar-se no campo e não na cidade como aquelas que se realizam em Lisboa, no Terreiro do Paço. Quem quer perceber o que é o campo tem que vir ao campo”, conclui acrescentando que vai ajudar a montar toda a estrutura para a feira.
Mais Notícias
A carregar...