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“Não dou nenhuma luta por perdida”

Presidente da Câmara do Cartaxo, movido pela urgência de resolver a situação financeira da autarquia, não pode prometer muito à população

O facto de a partir do terceiro ano do curso se ter habituado a dormir pouco está agora a ser-lhe útil na Câmara do Cartaxo, uma autarquia carregada de dívidas. O socialista Pedro Magalhães Ribeiro, presidente de um dos municípios mais endividados do país, tem feito uma média de 16 horas diárias de trabalho, muitas das quais passadas em reuniões com credores. É economista, foi bancário, e assume que uma das suas referências é o ex-presidente José Conde Rodrigues, com quem trabalhou quando este foi secretário de Estado da Justiça. Pedro Ribeiro, 41 anos, foi vereador entre 1998 e 2008 saindo em ruptura com o anterior presidente, Paulo Caldas. O autarca diz que não pode prometer muita coisa às pessoas e diz-se disponível para aguentar o ritmo alucinante de trabalho.

A Câmara do Cartaxo precisa de um presidente malabarista perante as dificuldades financeiras em que se encontra?Mais do que um presidente, a câmara precisa de estar toda mobilizada para dar resposta a muitos problemas. E precisa de um presidente com capacidade de mobilizar através do exemplo, quer os serviços municipais quer toda a comunidade para uma tarefa complexa e difícil de recuperação da qualidade de vida do concelho. São muitos os problemas na higiene urbana, conservação de espaços verdes, iluminação pública, rede viária …Consegue arranjar dinheiro ao fim do mês para pagar os ordenados dos funcionários?Estamos a procurar resolver as situações assegurando a estabilidade aos funcionários mas também a quem presta serviços à câmara e fornece os bens mais básicos para a autarquia poder funcionar com regularidade. É uma tarefa árdua chegar ao final do mês e salvaguardar estes interesses todos.Deve andar a contar os cêntimos…A nossa ginástica é enorme. A dívida de 63 milhões que herdámos não é estática. Sobre esta dívida monstruosa incidem juros de mora, muitos processos de contencioso que acarretam despesas com pagamentos a advogados. Em Janeiro e Fevereiro, em comparação com o período homólogo, reduzimos as horas extraordinárias em 48 por cento. Passámos de uma despesa de 37.800 euros para 19.600 euros. Estamos a fazer o nosso trabalho de redução de despesas, de cortes ao máximo do que são as gorduras e temos contado com a grande dedicação dos trabalhadores.Já penhoraram a autarquia?Não. Mas temos muitos processos de contencioso e tivemos que entregar bens como garantia de pagamento no âmbito de processos de execução relativos à retenção ilegal de descontos de 22 trabalhadores para a Caixa Geral de Aposentações. Era uma dívida superior a 1,4 milhões de euros e que estava a prejudicar o acesso da câmara a fundos comunitários. Já pagámos 645 mil euros. O anterior executivo já tinha entregado 14 bens por causa de execuções fiscais.Onde é que arranja forças para resolver tanto problema?Numa grande dose de motivação e na urgência. Aquilo que nos faz andar é a urgência e o sentido de responsabilidade. Isto é válido para toda a equipa. Passo muito tempo em reuniões com credores mas gosto muito também de ir aos locais, estar com as pessoas.Está a trabalhar quantas horas por dia?Nesta altura fazemos em média 15 a 16 horas diárias. Só se aguenta este ritmo com motivação e o que nos dá força é sentirmos o reconhecimento da população. Não nos temos refugiado no gabinete. Somos pessoas que dão a cara. Já fizemos reuniões com os 22 trabalhadores a quem foram retidas as contribuições para a Caixa Geral de Aposentações, quando antes ninguém deu a cara pela situação. Já promovemos reuniões no Setil e Prioste onde há a pior situação a nível do estado das estradas.Se soubesse o que sabe hoje tinha-se metido numa câmara cheia de problemas?Conhecendo agora o ponto a que chegou esta câmara, teria avançado ainda com mais convicção. Sinto-me satisfeito por estar a trabalhar num projecto que acredito para a minha terra. É nesse sentido que queremos mudar as coisas. Fazer com que o Cartaxo seja aquilo que foi na minha juventude.Parece masoquismo.Há um espírito de missão.Isso é o que dizem todos os políticos.Não tínhamos a noção real da situação da câmara. Pensávamos que a dívida era de 40 a 45 milhões de euros. Julgo que estamos entre as três câmaras mais endividadas per capita do país. Mas somos pessoas de mangas arregaçadas e de ir à luta.Já avisou a sua mulher que nos próximos anos não vai ter tempo para ela?Como ela está em Barcelona isso permite-me ter mais disponibilidade para me dedicar aos assuntos do município. Tenho que dizer que sou acompanhado por uma equipa extraordinária de pessoas que tem uma grande entrega.Não se sente impotente para resolver os problemas mais complicados?Sinto muitas vezes o grau de dificuldade em ultrapassar os problemas. Há um conjunto de situações em que as soluções estão perto do impossível. Não dou nenhuma luta por perdida. Seja a viabilidade do parque de negócios ou os acessos às localidades, como as situações do viaduto de Santana e ponte do Reguengo.Vai conseguir fazer alguma obra este mandato.Da responsabilidade da câmara há duas grandes prioridades: a estrada do Setil e as estradas do Prioste e Moinho Saloio. Nas reuniões com as populações disse que, nestes quatro anos, se conseguirmos renegociar com os empreiteiros que pararam as obras por falta de pagamento e as conseguirmos acabar, uma boa parte dos nossos objectivos estão concretizados. A par de conseguirmos rever o PDM e atrair mais empresas.Não deve ser fácil numa altura de crise atrair empresas.Há procura. A nossa região, estando no limite da área metropolitana de Lisboa, tem acesso a fundos comunitários e isto é apetecível para as empresas.O que pode prometer à população sem o risco de falhar.Que a gestão vai ser honesta e transparente. A nível de trabalho, gostava de deixar um concelho mais limpo, mais cuidado e não posso prometer muito mais porque não gosto de mentir.“O regabofe com consultorias já acabou”Há uns tempos o actual vereador do PSD na câmara e deputado, Vasco Cunha, defendeu a responsabilização dos políticos em tribunal pela má gestão. Concorda?A gestão danosa está contemplada no nosso Direito e concordo que quem comete actos destes, que são crime, deve ser responsabilizado.Conhece algum autarca que tenha sido punido por má gestão? Até porque esta se confunde com opções políticas?Não conheço. Não sei se há ou não. Quanto à justificação da gestão danosa com opções políticas, o deputado Vasco Cunha está no sítio privilegiado para alterar as leis. Ele é deputado há muitos anos e deve concretizar essas ideias com uma proposta de lei. Exige-se que haja um aprofundamento, um reforço, nos mecanismos de fiscalização da administração pública, seja local seja central.Sendo Vasco Cunha do Cartaxo pode ser um aliado para resolver alguns problemas do município, apesar das diferenças partidárias. Já lhe pediu ajuda?Falo com ele sempre que necessário e sempre que está em causa o futuro do nosso concelho. Para o Cartaxo é importante ter um deputado do nosso concelho na Assembleia da República, para ser porta-voz também dos nossos anseios. Mas da parte dos deputados do PS eleitos pelo distrito existe uma elevada proximidade.O PSD criticou recentemente os gastos com as nomeações políticas que fez desde que tomou posse. Essas funções não podiam ser desempenhadas por funcionários da autarquia?A nossa equipa corresponde ao que está previsto na lei. Só temos as pessoas que consideramos que são importantes para nos ajudarem a desenvolver o trabalho. Uma das secretárias é funcionária da câmara. Duas outras pessoas são reformadas e não precisavam da política para viver. Pelas nossas contas, o nível de gastos em relação ao mandato anterior com cargos de nomeação é praticamente o mesmo.A lei não obriga a nomear pessoas, coloca é limites e numa câmara em dificuldades as pessoas podem ver nisto um mau exemplo.Nunca senti de ninguém da população qualquer tipo de crítica nesta matéria. O que acho censurável é o pagamento a consultores e advogados. E nesta questão herdámos uma situação tremenda. São assessorias do executivo camarário que não são transparentes como as nomeações. Grandes escritórios de advogados, grandes consultores privados a facturarem dezenas de milhares de euros ao município foi o que tivemos nos últimos anos.Vai acabar com os contratos a advogados e consultores?Aos poucos estamos a fazer isso. Sempre que tivermos recursos internos que possam dar pareceres sobre os assuntos não vejo necessidade de estar a recorrer a pessoas e entidades que levam milhares de euros. Acredito na capacidade de trabalho das pessoas da casa. Quando houver necessidade, por ser uma matéria de grande complexidade, de um especialista em determinada área temos de ponderar. O regabofe destes últimos anos em termos de consultorias já parou.As influências de Conde Rodrigues, Álvaro Pires e Renato Campos Ser presidente de câmara era um sonho?Nunca foi um sonho de miúdo. Desde novo que tive uma grande participação associativa. O meu pai foi dirigente associativo e sempre houve muita política em casa. Nasci em França porque o meu pai, que foi militante do PCP, fugiu à PIDE (polícia política do regime ditatorial de Salazar). Uma boa parte da minha família foi militante do Partido Comunista. Acompanhei o meu pai em algumas tarefas políticas e comícios e também aprendi muito com o trabalho e organização que reparava que o partido tinha e tem.Quem foi o responsável por levá-lo para o PS?O responsável pelo meu gosto pela política foi o meu pai. As pessoas que mais me influenciaram no caminho que segui depois foram José Conde Rodrigues, Álvaro Pires e Renato Campos.Há a sensação de que é o protegido de Conde Rodrigues…Temos uma grande amizade, uma enorme cumplicidade política, temos pensamentos e reflexões de muitos dias em que pensamos e reflectimos a nossa terra e o nosso país, tal como com Álvaro Pires e Renato Campos. Gosto muito de ouvir pessoas que me ajudem a tomar decisões e não limito isso a estas três pessoas, que são as minhas referências. Partilho muita coisa com os técnicos da câmara, fazemos uma reunião semanal que não existia, em que discutimos o Cartaxo e os problemas. E também ouve as outras forças políticas?Independentemente da representação partidária, quer para a preparação do orçamento quer de documentos estratégicos, tenho reunido com todas as forças políticas que concorreram nas últimas eleições, mesmo não tendo representação nos órgãos autárquicos, como o Bloco de Esquerda e o CDS-PP.Pode ser uma forma também de, ao envolvê-los, poupar algumas críticas.Estes partidos têm visões que acrescentam melhorias. Não sabemos tudo. Esses partidos também trazem as suas perspectivas e das pessoas que votaram neles. Isto é a primeira vez que se faz no nosso concelho.Dinheiro do PAEL pode chegar no final do semestreAinda acredita que vai receber algumas verbas do PAEL - Programa de Apoio à Economia Local?Estamos a trabalhar arduamente para ainda termos o PAEL. O executivo anterior não finalizou o processo. O Tribunal de Contas pediu esclarecimentos há um ano que não foram cabalmente entregues. Estamos a retomar o processo. Já fizemos mais de 20 reuniões com a banca. Estamos a negociar as melhores condições possíveis para num curto prazo termos um plano preparado para apresentar à assembleia municipal.Quando é que esse dinheiro pode chegar?No PAEL as verbas são de cerca de 16,5 milhões referentes a fornecedores e empreiteiros e tem agregado um plano de reequilíbrio financeiro de cerca de 24 milhões. Temos a expectativa que no final do primeiro semestre, início do segundo, possamos ter acesso ao PAEL.O parque de estacionamento subterrâneo foi uma megalomania?Era uma necessidade, mas era totalmente desnecessário matar-se o jardim central da cidade. Andamos a dialogar com arquitectos paisagistas e há soluções para tornar o espaço mais verde e que possa ser vivenciado pelas pessoas. Estamos à procura de soluções baratas para colocar a discussão pública. Qualquer intervenção em coisas que são referências tem de ser partilhada.O nó de ligação à auto-estrada teve o retorno que se esperava.Ainda não. O nó e a variante a Aveiras são portas abertas para o desenvolvimento. Para estarem potenciados temos de ter as zonas empresariais com mais empresas.Uma das más opções foi a saída do processo da Águas do Ribatejo e a concessão do abastecimento de água a privados?Não sou contra nem tenho preconceitos em relação a modelos de gestão privada, mas o nosso modelo foi muito mal desenhado. Foi assente numa projecção demográfica irrealista que apontava para que o concelho em 2045 tivesse mais do dobro da população. Isso criou falsas expectativas ao concessionário. Depois houve uma distribuição de rendas completamente egoísta porque não foi distribuída equilibradamente. Para termos uma noção, nos 35 anos de concessão nos quatro primeiros anos estava previsto receber-se 45 por cento da receita ficando 55 por cento para os outros 31.“Também tive os meus erros”Se Paulo Caldas e Paulo Varanda não tivessem sido presidentes, a câmara estaria melhor?Tenho o maior respeito pelos que estiveram na câmara. Acredito, porque sou pessoa de boa-fé, que as pessoas que por aqui passaram fizeram o melhor possível. Mas o facto é que encontrámos uma câmara além de endividada também profundamente desorganizada. Tinha alertado em 2008, quando abandonei funções de vereador, que o caminho traçado era o da desorganização. Desde essa altura o endividamento aumentou 120 por cento.Se Paulo Caldas era assim tão mau, como conseguiu estar a trabalhar com ele tanto tempo?Não me queria estar a focar muito no passado, porque o que as pessoas esperam são soluções para o futuro. Paulo Caldas fez o melhor que pôde mas a partir do segundo mandato o que senti foi que houve um certo deslumbramento. A ambição de querer mais para a sua terra fez com que desse o passo maior que a perna. Não gosto de julgar os outros mas acho que fizeram mal e que foi isso que levou à minha ruptura. E gostava de não ter tido razão, porque hoje não teríamos a situação que temos.Há quem diga que também é responsável pela situação a que a autarquia chegou.Terei a minha quota de responsabilidades e nunca fugi a ela. Também tive os meus erros. Não sei se há algum político que tenha assumido responsabilidades públicas que possa dizer que nunca errou. Assumindo isso, alertei a tempo de evitar esta catástrofe financeira.

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