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“A minha oportunidade chegou quando fui despedida do Ministério da Educação”

“A minha oportunidade chegou quando fui despedida do Ministério da Educação”

Cristina Vareda é a coordenadora do Laboratório da Fala na Póvoa de Santa Iria
Tenho um primo com epilepsia que começou a fazer terapia da fala com seis/sete anos. Acompanhei muito esse processo. A minha tia era enfermeira e fez enfermagem de reabilitação em Alcoitão. Foi ela que me disse para concorrer para Terapia da Fala. Fui uma das 12 pessoas que entrou, de um grupo de 600. Depois de me licenciar vim logo trabalhar para a Cercipóvoa. Era a única terapeuta da fala em todo o concelho de Vila Franca. Já sou terapeuta há 29 anos.Há pessoas que quando começam a falar em público entram em pânico. Um terapeuta da fala identifica, diagnostica, previne e trata problemas com a linguagem e a comunicação. Não precisamos todos de terapia da fala. Qualquer pessoa aprende a falar naturalmente e não precisa de ensino formal. Temos clientes que procuram tratamento na área da competência comunicativa nas mais variadas maneiras. Fazemos formação aos controladores de tráfego aéreo, por exemplo, porque têm de ter uma articulação clara e transmitir informações de forma concisa. Já passou aqui pelo Laboratório da Fala um candidato às eleições que queria melhorar a imagem de competência comunicativa. A comunicação é essencial. Imagine um engenheiro que vai a uma entrevista de emprego. É um excelente técnico com competência na sua área mas na entrevista não tem competência comunicativa e fica pelo caminho. Quando soube que ia ser despedida sorri. Aconteceu no início de 2009. A Direcção Regional de Educação de Lisboa chamou-nos para uma reunião no Ministério e disse-nos que a nossa equipa iria acabar. Os meus colegas saíram a chorar e muito em baixo. Eu estava com um sorriso de orelha a orelha, porque era o meu ponto de arranque. Era a oportunidade de fazer algo novo. Criei o Laboratório da Fala com a ajuda da minha sócia, Cristina Martins, logo nesse ano. Passámos o primeiro ano do Laboratório da Fala com a mala às costas. Íamos onde estivessem os doentes. Depois, como as coisas estavam a correr bem, considerámos que estava na altura de abrir um espaço físico.Somos uma equipa de elite e digo isto sem falsa modéstia. Temos os melhores terapeutas da fala de Portugal. Vamos buscá-los directamente às universidades e escolhemos a dedo, para termos a certeza que aquilo que estamos a vender é aquilo que aprovamos. Quanto mais população tiver a cidade mais terapeutas recruto e mais a empresa cresce. Não tenho medo de contratar. Há empresários que recusam clientes para não terem trabalho, eu não sou assim. Se continuo a crescer e se continuam a aparecer clientes tenho de dar resposta. Nos negócios temos que ser atrevidos mas com os pés bem assentes na terra. O que acontece muitas vezes é que as pessoas abrem negócios mas metem os seus interesses à frente dos interesses das empresas. O nosso objectivo foi sempre diferente. O que está à frente são os interesses da empresa e das famílias que dependem de nós.Não vivemos com dinheiro da banca nem queremos. Os bancos andam sempre a aliciar-nos para aceitarmos crédito e ficam espantados por nunca querermos. Temos cartões de crédito da empresa há dois anos que nunca usámos. O ano passado tivemos algum lucro e dividimos pelos empregados. Os nossos colaboradores e os filhos, um grupo de 12 pessoas, foram para a Eurodisney. Não durmo descansada se não estiver tudo bem com a empresa. Há sempre qualquer coisa para tratar e é uma grande responsabilidade. Só quem está cá dentro é que consegue perceber a envolvência deste trabalho, muitas vezes em detrimento da vida pessoal.Os casos mais desafiantes são os de autismo. Muitos autistas têm capacidades espectaculares. Uma criança de três anos que aprendeu sozinha a ler e a escrever em inglês mas por outro lado tem grandes dificuldades na comunicação em português é algo muito desafiante e apaixonante de tratar. Vejo-me a fazer isto o resto da minha vida. Se me reformasse não sei o que iria fazer. As pessoas trabalham mais e melhor se estiverem contentes no trabalho. Quando se fala em reduções de ordenados e em retirar direitos às pessoas, aqui privilegiamos a figura do trabalhador e do terapeuta da fala. Pagamos o que é justo, porque quando as pessoas se esforçaram para tirar um curso e são os melhores na sua área têm de ser recompensadas por isso. Não há cartões a picar mas toda a gente dá o litro e toda a gente veste a camisola. Isso é muito importante. Estamos numa altura em que se está a nivelar por baixo o valor do trabalho e não se pode tratar um trabalhador como se fosse uma coisa a saldo.Nunca pensei sair da Póvoa de Santa Iria. Nasci aqui e só vivi um período no bairro da Covina (Santa Iria da Azóia), porque o meu pai trabalhava lá. Gosto muito de morar cá no alto. É uma cidade muito aberta, as avenidas são largas, dá para andar a pé, gosto que as pessoas me conheçam e gosto de conhecer as pessoas, sinto-me em casa.Filipe Matias
“A minha oportunidade chegou quando fui despedida do Ministério da Educação”

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