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Resiliência e pensamento positivo são armas fundamentais para vencer o cancro

Resiliência e pensamento positivo são armas fundamentais para vencer o cancro

Em 2008 um grave acidente de bicicleta começou a despertá-lo para a necessidade de ajudar os outros. Em 2013, depois de assistir à iniciativa Um Dia Pela Vida que se realizou em Santarém, Abel Carreira decidiu dar o seu contributo na luta contra o cancro. Desde Setembro dá consultas de psicologia no núcleo regional de Santarém da Liga Portuguesa Contra o Cancro, em regime de voluntariado. Apesar de nem sempre ser fácil, diz que o contacto com a realidade de quem vive com cancro deu outro sentido à sua vida.

O cancro ainda é uma doença sem esperança de sobrevivência ou já se consegue viver como sendo uma doença crónica? Evoluímos de um pensamento fatalista com diagnósticos tardios para uma doença tratável que se consegue gerir - que é a fase onde nos encontramos - com uma grande ambição de se evoluir para uma doença curável. Ainda não chegamos à fase em que o cancro se torna uma doença curável, mas estamos a caminhar para lá.O que mudou nos últimos anos no combate ao cancro? O que cresceu imenso foram os métodos de diagnóstico e os métodos terapêuticos, que permitem fazer diagnósticos precoces o que leva a intervir na doença logo no início, que é fundamental. As cirurgias são mais sofisticadas e especializadas em cada tipo de cancro e em cada fase específica.As pessoas ainda ‘fogem’ dos exames? Há pessoas que adiam a ida ao médico até uma fase em que depois a intervenção é muito mais complicada. É fundamental monitorizar o corpo com regularidade. Sempre que detectarmos algo diferente no nosso corpo, seja um ardor, uma cor diferente, ou um mamilo retraído, ou uma forma que não é habitual devemos procurar sempre o médico.Como se deve prevenir o aparecimento de cancro? O ideal é ter um estilo de vida saudável com uma alimentação biológica e o mais saudável possível, fazer desporto, caminhadas, trabalhar em ambientes menos stressantes. Se além disto, estivermos atentos ao nosso corpo e fizermos exames com regularidade estamos a acautelar e a prevenir a nossa saúde. A informação é vital e ainda encontro pessoas que têm medo de procurar o médico. Na região de Santarém as pessoas participam nos rastreios de prevenção do cancro? Os dados apontam para uma adesão de menos de 50 por cento, o que é uma percentagem baixa. É preocupante porque revela que as pessoas não se preocupam como o deveriam fazer.Existe algum pudor em falar na palavra cancro. Opta-se por dizer que uma pessoa morreu vítima de doença prolongada. Porquê? Ainda há pessoas que me relatam estigma em relação ao facto de serem doentes cancerígenos, quer já tenham ultrapassado a doença ou ainda estejam a defrontar-se com ela. Relatam casos em que as outras pessoas se afastam quando sabem que têm cancro e mesmo alguma discriminação em determinados espaços públicos. “Acreditar que se vai vencer a doença ajuda muito”O pensamento positivo é mesmo importante para vencer o cancro ou essa ideia é um mito? A resiliência do doente é muito importante e o pensamento positivo, o acreditar que se vai vencer a doença, ajuda muito em várias circunstâncias. O cancro é influenciado por muitos factores: toxicológicos, ambientais, emocionais, alimentares, de estilo de vida e psicológicos, que podem potenciar os outros factores se a pessoa for intensamente deprimida, angustiada ou stressada. Acreditar e lutar tem resultados claramente superiores do que nos entregarmos à doença. Nem sempre corre bem, mas encarar a doença com coragem e determinação é meio caminho andado para o sucesso.Ralha com os seus doentes quando sabe que eles não fazem a prevenção? Nunca, não acho que seja uma estratégia eficaz. Não dou conselhos a ninguém, posso dar sugestões mas são elas que tomam decisões sobre o processo terapêutico. Qualquer doente, sobretudo oncológico, deve exigir a melhor qualidade de serviço que lhe pode ser dada por qualquer profissional de saúde. É um direito. E nós não estamos habituados a exigir os nossos direitos.Temos esse serviço de qualidade em Portugal? O que as pessoas me dizem, e pelo que eu observo, sobretudo no Instituto Português de Oncologia de Lisboa e Porto, são profissionais extraordinários do ponto de vida humano e da preocupação. Existe preocupação técnica, qualidade de serviço e humanismo quando se trata de doenças oncológicas.Existe um aumento do número de casos de cancro infantil. A que se deve este aumento? Há questões genéticas que contribuem para isso. É a conjugação de todos os factores de que já falei como os estilos de vida, alimentação, ambiente em que vivemos, tudo tem consequências que podem influenciar os filhos. Estas são situações mais dramáticas de se lidar? Todos os casos são dramáticos, mas com as pessoas mais velhas nós temos noção que é a lei natural da vida e que já fizeram o seu caminho, enquanto as crianças têm uma vida inteira pela frente. No entanto, a rapidez de recuperação e a forma como elas desdramatizam e se tornam fortes e resilientes também é um dado importante a ter em conta. Olhamos sempre para as crianças como tendo um futuro. Não é suposto os pais e avós sobreviverem aos seus descendentes, por isso é natural que mexa mais com as pessoas.Tem pacientes com cinco anos. Como se lida com um doente oncológico com essa idade? Falo com ele, vou ao jardim-de-infância falar com a educadora, fazemos jogos, falamos através de desenhos, imagens ou histórias, falo com os pais.Em que medida estas situações dos seus pacientes interferem com a sua vida? Estas situações dão outro sentido à minha vida, colocam as coisas noutra perspectiva. Levo muita coisa daqui. É muito importante ver a evolução dos pacientes, estar disponível para os outros e ajudar. As experiências que já vivi fazem-me ver as coisas de outra forma. Sempre que saio daqui penso continuar a contribuir em alguma coisa que potencie a qualidade de vida de cada pessoa com quem me cruzo. Isso ajuda a manter-me firme na missão que estou a prosseguir.Há algum caso em particular de um paciente que o tenha marcado? Está a marcar. É uma mulher de 40 anos que vem às consultas, que não tem os dois peitos, não tem ovários, nem útero. Falamos de tudo, da sua relação com o marido, os filhos e restante família, dos projectos e sonhos que quer realizar. É uma guerreira que apesar das adversidades não baixa os braços e luta pela vida. É um exemplo de vida que todos deviam conhecer porque esta mulher é uma inspiração.Qual é a melhor solução para o cancro? É sempre a prevenção. Tanto para o cancro como para qualquer outra doença. Temos que estar atentos a todos os sinais que nos podem alertar para alguma coisa que possa não estar bem. Atenção à informação na internet porque aí podemos ficar mais alarmados. Devemos procurar informação fiável e útil.A falta de medicamentos, como já aconteceu, para tratamentos de cancro é motivo para alarme? Acredito numa sociedade forte, funcional, em que todas as instituições, intervenientes e parceiros têm um papel activo e que se autocontrolam e autoregulam. O Infarmed tem que ir aos armazenistas ver se estão a acumular e se os medicamentos não estão disponíveis no mercado. Os orçamentos do Ministério da Saúde têm que ser bem regulados e os fornecedores têm que ser bem geridos de maneira que, em função das necessidades, os medicamentos sejam disponibilizados. Quando não há dinheiro para tudo há que avaliar as reais necessidades. Quando deixamos degradar as áreas da educação e saúde comprometemos as gerações futuras.Um psicólogo viciado em desportoAbel Carreira nasceu em Santarém há 49 anos. Licenciou-se em Psicologia em 1988 tendo tirado o mestrado em Psicologia Social e Organizacional. Trabalhou 12 anos no Ministério da Justiça, onde era responsável por uma equipa que avaliava, do ponto de vista psicológico, pessoas que cometiam crimes. Esse trabalho servia para que os magistrados pudessem tomar decisões. Deixou essas funções em 2012 e desde aí tem trabalhado mais na área empresarial, ligado aos recursos humanos. Ao longo de todo o trajecto profissional, Abel Carreira trabalhou, em paralelo, na área da psicologia clínica, tendo nos últimos anos feito várias consultas gratuitas. Desde 1992 que é professor do ensino superior. Até 2005 leccionou no ISLA em Santarém e Leiria, esteve ligado ao Instituto Superior de Gestão de Lisboa e ultimamente colabora com o Instituto Politécnico de Tomar.Há uns anos que vinha maturando a ideia de, dentro das suas possibilidades, ajudar quem poderia precisar da sua ajuda. A primeira tomada de consciência aconteceu em 2008 quando ficou “muito mal tratado” num acidente quando praticava BTT. “Estive internado na Ortopedia e vê-se de tudo, sobretudo amputados. Decidi que se saísse dali sem mazelas ia tentar dar um contributo significativo para a vida das pessoas”, conta.Entretanto, surgiram na sua família casos de cancro, o que também contribuiu para a sua vontade de ajudar. Essa vontade de ajudar materializou-se depois da iniciativa Um Dia Pela Vida que se realizou o ano passado em Santarém. “Santarém sempre foi uma cidade conservadora e pouco dinâmica do ponto de vista cultural. Aquela capacidade de mobilização deixou-me entusiasmado”, revela a O MIRANTE numa entrevista que se realizou no Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro (NRLPCC).Depois da iniciativa Um Dia Pela Vida, que se realizou em Junho do ano passado, Abel Carreira contactou o NRLPCC e desde Setembro que dá consultas de psicologia em regime de voluntariado. Às sextas-feiras, de 15 em 15 dias, faz atendimento tanto a doentes oncológicos, como a familiares dos doentes. No entanto, sempre que acha necessário marca com alguns doentes a meio da semana para nova consulta. Entre Setembro e Dezembro tinham 14 processos activos. “Temos vindo a crescer aos poucos mas temos que continuar com o trabalho de divulgação”, esclarece.Os pacientes têm entre cinco e 80 anos. São sobretudo as mulheres quem procura mais estas consultas. O psicólogo diz que as mulheres são mais verbais e procuram mais apoio através da comunicação. Os homens são mais reservados e procuram alternativas para ultrapassar os problemas. Abel Carreira dá o seu exemplo. “Quando passei por situações de cancro na minha família confesso que não procurei o psicólogo. Fazer BTT era a minha terapia”, conta. Na sua opinião, os familiares precisam de tanta ajuda como os doentes. Os principais medos e preocupações são perceber o que é que o cancro vai implicar nos cuidados diários, os custos monetários e também o medo de perder o familiar.Abel Carreira pratica desporto desde muito cedo. Fez natação e na universidade praticou taekwondo. Participou em campeonatos e foi psicólogo da Federação Portuguesa de Taekwondo, tendo ajudado a preparar atletas para a alta competição. Nos últimos anos tem-se dedicado ao BTT, integrando o grupo Campinos do BTT. Já fez o percurso desde o Porto até Santiago de Compostela (norte de Espanha), de bicicleta por duas vezes e em Junho vai fazê-lo novamente. No fim-de-semana passado foram até Fátima.
Resiliência e pensamento positivo são armas fundamentais para vencer o cancro

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