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“Desde que os touros chegam à praça até irem embora nunca os perco de vista”

Nos dias de tourada o único patrão dos curros é o José João “Ruço” Faustino
É o comandante dos curros nos dias de tourada na praça da Chamusca. Chega ao local antes de toda a gente para conferir mais uma vez o que já preparou antecipadamente. Está presente quando os toiros chegam e nunca os perde de vista até que são embarcados na camioneta para o regresso. Foi ele que escolheu os homens que trabalham consigo. O irmão e mais dez. A maioria é pessoal da velha escola. Disciplina baseada no respeito, concentração e perfeição no trabalho. Ninguém faz nada sem ele ordenar. José João Oliveira Faustino é um homem do campo. Nasceu a 26 Outubro de 1953 numa quinta, cresceu no campo e continua a trabalhar no campo. Fez tropa no fim da guerra colonial. Foi a Angola já depois do 25 de Abril. A sua especialidade era atirador mas nunca teve que atirar contra ninguém. “Nunca pensei ir. Só quando me vi no avião é que me convenci. Fui a 26 de Junho de 1975 e vim no dia 7 de Novembro do mesmo ano. A independência foi a 11. Cheguei a estar algum tempo no Lobito mas a maior parte do tempo foi passado em Luanda. A cidade estava um caos. Havia lixo por todo o lado e tiroteio entre as várias facções. Nós íamos acompanhar as pessoas às suas casas para recolherem o que lhes pertencia. Depois ficávamos a guardá-los nos quartéis até embarcarem. Nessa altura passei muitas noites a dormir no chão”.A voz é ligeiramente arrastada. Conversamos num quintal. Apesar de serem seis e meia da tarde há um galo que canta de cinco em cinco minutos. “Já lá andei a fazer uns arranjos nos curros. Lavei as pias, mexi a terra e arranjei umas tábuas que um “pardal” partiu o ano passado com uma marrada”, conta. Ajeita o boné e acrescenta: “No dia da corrida dou uma regadela à arena. Os animais saem um a um da camioneta que encosta à porta de entrada, passam pela balança e seguem para os compartimentos. O sobrero é o primeiro. Ao meio dia é o sorteio. Depois do sorteio coloco-os nos compartimentos pela ordem que vão entrar em praça. É preciso muita atenção e concentração. Actualmente, quando saem da praça, depois de lidados, vão logo para a camioneta. Têm que embarcar rapidamente porque enquanto estão ali na zona de entrada, não pode entrar outro para a arena”.Abre a carteira que traz no bolso de trás das calças e tira de lá um recorte de O MIRANTE. Mostra uma fotografia de alguns toiros entre cabrestos, tirada no antigo tentadero da antiga Casa Norberto Pedroso. “Estes foram os que fugiram. Foi em 1993, no único ano em que participei a cavalo na entrada de toiros da Ascensão”, conta. “O que eu sofri. Andei horas no mato atrás deles. No ano a seguir já não participei porque fiquei a tomar conta dos curros. Antes disso eu já ajudava na praça desde 1978”. Aprende-se com tudo o que nos acontece na vida. Para além da fuga dos toiros José João Faustino tem mais uma história exemplar para recordar. Foi no ano em que os animais entraram na praça trôpegos e a babarem-se. Nesse ano, por insistência de um amigo, deixou os animais sozinhos e em vez de comer a bucha que tinha levado foi ao almoço oferecido pela câmara municipal. Foi a primeira vez e a última. Alguém drogou os touros na sua ausência. “O sobrero e o sexto toiro que estão mais afastados da entrada, foram os únicos que saíram bem. No fim da corrida fui despejar e lavar as pias e no dia a seguir as tábuas à volta estavam todas brancas como se lhes tivessem posto cal. Só tive pena que não tivessem investigado o assunto para se descobrir o culpado”, desabafa. Nasceu com o cabelo loiro, quase branco e por isso ganhou a alcunha de Ruço. Nunca gostou da escola. A sua paixão eram os animais. O ar livre. “Nasci no Junco de Baixo, junto a Ulme. Depois fomos para a Murta e mais tarde para as Trevas. Não fiz exame da 4ª classe. Fugia da escola para ir para a ‘tralhoada’ (bois bravos que depois de lidados eram usados para os trabalhos de campo). A minha mãe vinha-me pôr à escola. Quando chegava ali ao Areal (entrada sul da vila da Chamusca) pensava que eu já não voltava para trás e ia-se embora. Assim que ela se afastava eu subia pelas terras do Pedro Mira, passava no mal cozinhado, cu aberto e quando ela chegava a casa já lá estava minha mala. Ia ter com o meu pai ao campo só para andar a cavalo na grade atrás dos bois. Ele não me dizia nada.”.

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